Uma oração intercessória pela Igreja (91)
7.4.1.3. Vocação eficaz: Da eternidade para eternidade em santidade
Em uma época de crise moral, política e financeira como a nossa, uma das coisas difíceis e ao mesmo tempo necessárias de se fazer, é planejar. As incertezas aumentam. Tornamo-nos mais suscetíveis a manipulações do mercado, imprevistos externos que determinam mudanças em nossa rota, daí à insegurança.
Muito do que planejamos permanece apenas no campo ideal, não podendo ser concretizado, ajustado ou mesmo, adiado. Por vezes, a mudança do cenário requer alternativas jamais visualizadas anteriormente.
No mundo econômico há alguns poucos casos de pessoas que multiplicaram suas fortunas e, milhares de outras que empolgadas pelos ganhos ou presunção de ganhos daquelas poucas, se aventuram e perdem, por vezes, toda a sua parca economia.
Há ainda, uma gama crescente de apostadores iludidos mediante propagandas engendradamente ingênuas, associadas à paixão pelo futebol e seus astros, vinculadas a ganhos fáceis que podem enterrar para sempre a pequena possibilidade de que alguns dispunham de oferecer melhores condições de vida para seus familiares.
O historiador e diplomata britânico Toynbee (1889-1975) escreveu sobre planejamento de forma instrutiva:
Como não vemos o futuro até que ele chegue a nós, temos que nos voltar para o passado a fim de esclarecê-lo. Nossa experiência do passado dá-nos a única luz a que temos acesso para iluminar o futuro. A experiência é outro nome para história. Quando falamos de ‘história’, normalmente pensamos na experiência coletiva da raça humana; mas a experiência individual que cada um de nós reúne numa única existência é história igualmente legítima. Na vida privada, como na pública, a experiência é altamente apreciada – e com razão, porque geralmente se reconhece que a experiência auxilia nosso julgamento e assim nos permite fazer escolhas mais sábias e tomar decisões melhores. Em todas as épocas – tanto boas quanto más – naturalmente temos de planejar para o futuro na administração dos nossos futuros humanos. Planejamos para o futuro com a intenção de controlá-lo e moldá-lo para preencher nossas finalidades na medida do possível. Essa tentativa consciente para controlar e modelar o futuro parece ser uma atividade caracteristicamente humana. É um dos traços que nos distingue das outras criaturas com as quais partilhamos nosso lar neste planeta. Não podemos planejar sem olhar para a frente, e não podemos olhar para a frente exceto na medida em que a luz da experiência nos ilumina o futuro.[1]
Vocação por graça
Em um mundo de incertezas próprias de nossa condição de criaturas frágeis,[2] podemos ter uma convicção que emana da Palavra: Deus nos chama eficazmente por sua livre vontade e graça. O chamado de Deus é eficaz porque ele é completo no seu propósito: “Que nos salvou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh=sij);[3] não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). (Rm 8.30; Gl 1.15).[4]
Na Igreja de Deus, constituída de todos os seus servos, judeus e gentios, vemos aspectos da riqueza da glória dele em misericórdia como escreve o Apóstolo:
23 A fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, 24 os quais somos nós, a quem também chamou (kale/w), não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? 25 Assim como também diz em Oséias: Chamarei (kale/w) povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; 26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados (kale/w) filhos do Deus vivo. (Rm 9.23-26).
Deus nos atrai para si, visto que ele “…. nos chamou (kale/w) para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3); à comunhão de seu Filho e à comunhão da Igreja (1Co 1.26; Ef 4.1; Cl 3.15): “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão (koinwni/a) de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9).
A nossa vocação não tem nada em si mesma que possa motivar o nosso orgulho já que o próprio Senhor diz: “….Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar (kale/w) justos, e sim pecadores” (Mc 2.17). A nossa vocação já nos coloca previamente na condição de enfermos.
Somos chamados na “graça de Cristo” (Gl 1.6). À vaidosa igreja de Corinto, Paulo é bastante enfático: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação (klh=sij); visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento” (1Co 1.26).
Vocação à santidade
Ele é fiel: “Fiel é o que vos chama (kale/w)….” (1Ts 5.24). O Deus santo nos chama à sua santidade por meio de uma santa vocação: “…. segundo é santo aquele que vos chamou (kale/w), tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16/Rm 1.7; 1Co 1.2; Ef 1.4; 2Tm 1.9).
Essa vocação, portanto, envolve necessariamente, o propósito de santidade que deve guiar a nossa vida: “Porquanto Deus não nos chamou (kale/w) para a impureza, e sim para a santificação” (1Ts 4.7). Em outras, palavras, somos chamados a seguir os passos de Jesus: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados (kale/w), pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe 2.21/Hb 3.1).[5]
Desse modo, a busca por uma vida santa é um aspecto fundamental da resposta da igreja ao gracioso chamado divino: “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação (klh=sij) e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (2Pe 1.10).
A eficácia da vocação divina não é uma coisa abstrata, uma teoria para ser discutida apenas em alguns momentos, quem sabe, de uma aula na academia, antes, evidencia-se na vida de um pecador transformado.
Creio que Spurgeon (1834-1892) está correto ao afirmar: “Quando a vida de um pecador é transformada, sabemos que Deus o chamou eficazmente (…). Não podemos saber se um chamado de Deus foi eficaz até que a vida de um homem tenha mudado”.[6]
Maringá, 10 de julho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Arnold J. Toynbee, O Desafio do nosso tempo,2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975, p. 13-14.
[2] Veja-se: João Calvino, As Institutas, I.17.10.
[3] *Rm 11.29; 1Co 1.26; 7.20; Ef 1.18; 4.1,4; Fp 3.14; 2Ts 1.11; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10.
[4]“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou (kale/w) pela sua graça, aprouve” (Gl 1.15).
[5] “Por isso, santos irmãos, que participais da vocação (klh=sij) celestial, considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus” (Hb 3.1).
[6]C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 21.