Uma oração intercessória pela Igreja (90)
7.4.1.2. O privilégio e a responsabilidade dos que pregam (Continuação)
Lutero (1483-1546) em certa ocasião disse: “Eu prego como se Cristo tivesse sido crucificado ontem, ressuscitado dos mortos hoje e estivesse voltando ao mundo amanhã”.[1] Ele acentuou que “Não há tesouro mais precioso nem coisa mais nobre na terra e nesta vida do que um verdadeiro e fiel pastor ou pregador”.[2]
Barth (1886-1968), independentemente da divergência que temos em muitos de seus pensamentos, nos exorta corretamente: “Para ser positiva, a pregação deve ser uma explicação da Escritura”.[3]
Em outro lugar:
Aquele que deseja pregar deve estudar mui atentamente seu texto. Em vez de atenção, seria melhor dizer “zelo”, ou seja, esforço de aplicação para descobrir o que se diz neste texto que está aí diante de seus olhos. Para isso é necessário um trabalho exegético, científico. Porque a Bíblia é também um documento histórico; nasceu em meio da vida dos homens.[4]
Não precisamos inventar a mensagem. Por graça, nós conhecemos a Deus e experimentamos o conteúdo da Palavra, do qual somos beneficiários; afinal, Deus operou e tem operado maravilhas em nossa vida.
O pregador é o primeiro a usufruir dos benefícios do que prega. Antes de proclamar a Palavra, em sua preparação do sermão, dirigida pelo Espírito, ele tem sido instruído, confrontado, desafiado e consolado.[5]
A indagação de extrema relevância para todos aqueles que estudam as Escrituras com sinceridade, é: “O que este texto significa para mim?”[6] Esta deve ser a pergunta do pregador a si mesmo, humildemente diante do texto em submissão ao Espírito.
Osborne nos chama a atenção para o aspecto devocional na elaboração do sermão:
A preparação de sermões deve ser um exercício devocional (um encontro em primeira pessoa) antes de se tornar um evento de proclamação (um encontro em segunda pessoa). Os pregadores devem continuamente se colocar diante do texto em vez de meramente se colocar por trás do texto para aplicá-lo a essa ou aquela situação na igreja.[7]
Dentro de uma abordagem mais ampla, toda a igreja tem experimentado a essência da mensagem que proclama, afinal, fomos tirados das trevas para a luz, como escreve Pedro:
9 Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou (kale/w)das trevas para a sua maravilhosa luz; 10 vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (1Pe 2.9-10).
Em agosto de 1555, Calvino pregando em Tt 1.5-6, destaca o trabalho árduo de quem ensina, envolvendo tempo, dedicação, perseverança, humildade, santidade, autoexame, e confiança em Deus:
Começamos esta manhã pontuando quão difícil é a obra de edificação da igreja de Deus e quão impossível é ser bem-sucedido em um dia ou em curto período. A obra é contínua, e a vida inteira de um homem não basta. Naturalmente, Deus poderia conduzir seu povo à perfeição se porventura quisesse fazê-lo, mas ele quer levar-nos por passos medidos — tudo com o fim de humilhar-nos e ajudar-nos a reconhecer nossas misérias e deplorá-las, de modo a caminharmos por este mundo sempre nos volvendo para ele. Pois sabemos que o que ele começou em nós nada é até que, como costumamos dizer, ele ponha um ponto final. E, visto que cada um de nós deve acima de tudo ser um templo do Santo Espírito, apliquemo-nos a esta obra de construção. Aqueles a quem Deus chamou a pregar sua Palavra designou pedreiros na construção de seu templo. Da mesma forma, ele deseja que nos ocupemos nisso, cada um em sua própria esfera. Entretanto, notemos que é a toda a igreja que edificamos em comum, e cada um de nós deve trabalhar nela, pois nos cabe fazer as coisas progredirem o máximo que pudermos. No entanto, os que vivem satisfeitos com o atual estado de atividades estão muito enganados. É um sinal de que ainda não entenderam o alvo ao qual Deus os chama nem se examinam, pois estão muito longe da meta a que deveriam almejar. Assim, esforcemo-nos o máximo que pudermos para alcançá-lo e reflitamos cuidadosamente sobre qual é nossa deficiência. Ainda que Deus permita graciosamente que sua Palavra nos seja ensinada com pureza e mesmo quando entre nós prevaleça alguma ordem tolerável, lembremo-nos de que tudo ainda não é perfeito e que a obra nunca é feita com inteireza. Isto não deve deprimir nossos espíritos, mas, ao contrário, deve estimular e inspirar-nos a observar a injunção de Paulo e a seguir seu conselho.[8]
À frente continua:
Que cada um de nós olhe para si mesmo e considere cuidadosamente o que ainda lhe falta. Descobriremos que ainda estamos sujeitos a muitas falhas, de modo que fracassamos completamente no cumprimento de nosso dever. Somos também tão indolentes que não fazemos a centésima parte do que deveríamos. Deveríamos voltar nossos pensamentos para a vida celestial e, enquanto passamos por este mundo, subjugar todos os nossos maus desejos para que eles não mais nos façam recuar.[9]
A admoestação do grande pregador britânico, antecessor de Lloyd-Jones na Capela de Westminster, Campbell Morgan (1863-1945), é-nos pertinente: “A obra suprema do ministro cristão é a obra da pregação. Este é um dia no qual um de nossos maiores perigos é fazer mil pequenas coisas enquanto ignoramos uma coisa, a pregação”.[10]
Lembremo-nos sempre. Soberana e poderosamente Deus emprega a sua Palavra como instrumento de nossa salvação e edificação. Do mesmo modo, Ele partilha conosco deste privilégio: sermos agentes humanos na concretização de seu propósito salvador, anunciando o Evangelho. Portanto, não nos detenhamos, antes, preguemos a Palavra com fidelidade, sabedoria, intensidade e submissão.
Maringá, 03 de julho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Lutero, Apud: Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 64.
[2] Martinho Lutero, Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1995, v. 5, p. 336.
[3] Karl Barth, La proclamación del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sígueme, 1969,p. 22. Ver também a página 37.
[4] Karl Barth, La proclamación del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sígueme, 1969, p. 56-57.
[5] “Até mesmo o sermão deve ser o produto do Espírito Santo” (Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 357).
[6]Quanto à importância dessa pergunta, veja-se: Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 111.
[7]Grant Osborne, A Espiral Hermenêutica: Uma nova abordagem à interpretação bíblica,São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 570.
[8] João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, (Tt 1.5-6), p. 56. (Edição do Kindle).
[9] João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, (Tt 1.5-6), p. 58. (Edição do Kindle).
[10] G. Campbell Morgan, Preaching, London: Marshall, Morgan & Scott, © 1955, 2. impression, 1960, p. 11.