Uma oração intercessória pela Igreja (9)
3. Ouvir com discernimento
Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir. – J.I. Packer (1926-2020).[1]
Aqueles cujos ouvidos são treinados para ouvirem a Palavra de Deus devem assumir a responsabilidade de entenderem a verdade ensinada, aplicando-a a suas vidas. – John F. MacArthur Jr.[2]
O que ouvimos? O que fazemos com o que ouvimos? Saber ouvir é uma tarefa difícil para a qual normalmente não estamos preparados. Por vezes, a impressão que tenho, é que o meu ouvir é apenas uma pausa forçada para poder falar.[3]
É preciso saber ouvir. Quando a questão não for clara biblicamente, devemos pedir discernimento a Deus quanto ao que fazer. Lembremo-nos das orientações em Provérbios: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Pv 18.13/Pv 10.19; 18.17; 29.20).
Sabedoria e discernimento
A Sabedoria consiste na habilidade de saber usar biblicamente os recursos que temos. Discernimento está ligado à capacidade de interpretar os fatos, entender o que está acontecendo, saber distinguir, separar os eventos em suas relações causais ou acidentais.
Deus é o nosso Pastor e Mestre por excelência. Como Senhor e Pai amoroso, se comunica pessoal e prazerosamente conosco a fim de também nos instruir.
Portanto, devemos nos valer, com sabedoria, dos recursos que Deus nos deu para avaliar aquilo que chega ao nosso conhecimento: “O ouvido que ouve e o olho que vê, o SENHOR os fez, tanto um como o outro” (Pv 20.12).
Aprendendo com a erudição do Messias
Como em todas as coisas, o Senhor Jesus Cristo é o nosso exemplo perfeito. Por meio do profeta Isaías, 750 anos antes, o caráter de Jesus, o Messias, foi descrito com propriedade:
O SENHOR Deus me deu língua de eruditos (dMul) (limmud) (= discípulo, aprendedor), para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvido para que eu ouça como os eruditos (dMul) (limmud) (= discípulo, aprendedor) (Is 50.4).
Esta erudição é teórica e prática; significa aprender com avidez e discernimento, vivendo com a sabedoria resultante do relacionamento com Deus, e ensinando com sensibilidade para dizer “boa palavra ao cansado”.
O hebraico se vale da mesma raiz gramatical para falar do ensino (piel) e da aprendizagem (qal) porque em suma, só há ensino quando de fato houver aprendizagem. O princípio que deve reger ambos os processos, é o temor do Senhor.
Aprender a lei de Deus de fato, é mais do que simplesmente ser informado sobre, é o mesmo que obedecer a sua vontade (Dt 4.10; 14.23; 17.19; 31.12,13).[4] A obediência não é algo simplesmente intuitivo, antes, ampara-se explicitamente na Lei do Senhor, a qual deve ser lida, ouvida, conhecida e praticada.[5] No caso, o povo demonstraria o aprendizado por meio de uma mudança de perspectiva e de comportamento.[6]
Portanto, a súplica do profeta em relação aos discípulos: “Resguarda o testemunho, sela a lei no coração dos meus discípulos (dMul) (limmud)” (Is 8.16). À frente, vemos que o povo da antiga dispensação aguardava o Messias, porque, como diz o profeta:“Todos os teus filhos serão ensinados (dMul) (limmud) do SENHOR; e será grande a paz de teus filhos” (Is 54.13).[7]
No Novo Testamento, Jesus Cristo convida a todos:
28 Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei (manqa/nw) de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. 30 Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mt 11-28-30).
O aprendizado aqui não é apenas teórico, antes, tem a ver com a aceitação da pessoa de Cristo e, consequentemente, de seus ensinamentos, se manifestando em um relacionamento pessoal e obediência sincera (Mt 12.46-50).
Maringá, 6 de abril de 2023.
Rev. Hermisten Maia
[1]J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, São José dos Campos, SP.: FIEL, 1996, p. 275.
[2]John F. MacArthur Jr., ed., Pregação: Como pregar biblicamente, Eusébio, CE.: Peregrino, 2018, p. 397.
[3] Sobre a dificuldade de ouvir e a pressa em falar, veja.se: St. Ambrose, Three Books on the Duties of the Clergy, I.1.1: In: P. Schaff; H. Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, (Second Series), 2. ed. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1995, v. 10, p. 1ss.
[4]“Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos” (Dt 4.10). “E, perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu cereal, do teu vinho, do teu azeite e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer o SENHOR, teu Deus, todos os dias”(Dt 14.23). “Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. 19 E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir” (Dt 17.18-19). “Esta lei, escreveu-a Moisés e a deu aos sacerdotes, filhos de Levi, que levavam a arca da Aliança do SENHOR, e a todos os anciãos de Israel. Ordenou-lhes Moisés, dizendo: Ao fim de cada sete anos, precisamente no ano da remissão, na Festa dos Tabernáculos, quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel. Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir” (Dt 31.9-13).
[5]Descrevendo a função dos mestres do Antigo Testamento, Downs comenta: “O professor ensinava o povo a obedecer aos mandamentos de Deus, não simplesmente a conhecê-los. De fato, o conhecimento era tão ligado com a ação na mente hebraica que as pessoas não podiam afirmar saber o que elas não praticavam” (Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 26).
[6]Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2013.
[7] Sobre os usos da palavra hebraica, vejam-se: E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802; Walter C. Kaiser, Lâmad:In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 790-791; K.H. Rengstorf, Manqa/nw, etc.: In: G. Friedrich; G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 400-405 (especialmente); p. 426-441 (especialmente); A.S. Kapelrud, damfl, etc., In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2001, v. 8, p. 4-10. Para uma visão mais ampla, que foge aos objetivos desta nota, vejam-se: A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261-280; Hermisten M.P. Costa, Introdução à Educação Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2013.