Uma oração intercessória pela Igreja (86)
7.4.1.2. O privilégio e a responsabilidade dos que pregam (Continuação)
O Senhor Jesus em certa ocasião contou esta parábola aos seus discípulos:
26Disse ainda: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse a semente à terra; 27 depois, dormisse e se levantasse, de noite e de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como. 28 A terra por si mesma frutifica: primeiro a erva, depois, a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga. 29 E, quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice, porque é chegada a ceifa. (Mc 4.26-29).
“Dormisse e se levantasse, de noite e de dia” (Mc 4.27). A ideia do texto, é de apresentar uma rotina, na qual o homem labuta diariamente fazendo o seu trabalho: dorme, acorda, trabalha durante o dia, dorme à noite. Os verbos para dormir e acordar estão no tempo presente, indicando uma ação progressiva: dormindo e acordando.
Kistemaker (1930-2017) comenta:
Não devemos pensar que o fazendeiro passe seu dia ociosamente. Naturalmente que não; ele tem trabalho pesado para ser feito. Lavrar a terra, fertilizá-la e limpá-la das ervas daninhas toma muito do seu tempo. Além das tarefas diárias, ele tem que cuidar das compras e das vendas, planejar e preparar a colheita. Tudo isso está subentendido e dado como certo na parábola. Observamos, também, que Deus providenciará a chuva necessária. Ele controla os elementos da natureza.[1]
A ênfase no texto original é no “como” (27):“como, ele não sabe”. A nossa ignorância não obstrui, não interrompe o processo de crescimento da semente. Ainda que a consciência e compreensão dos fenômenos sejam de grande relevância: ninguém está propondo aqui um obscurantismo teológico-eclesiológico-espiritual. Mas, a minha compreensão não exaure a realidade nem delimita os seus efeitos. As ditas ciências têm experimentado isso com bastante intensidade em nossa época.
Podemos descrever o processo de germinação, mas não sabemos explicá-lo. O semeador “é apenas um trabalhador que no tempo certo semeia e colhe. Deus guarda o segredo da vida. Deus mantém o controle”, resume Kistemaker.[2]
Agostinho (354-430 A.D) explora a figura:
Um agricultor humano cultiva a sua vinha até esse ponto: ara, limpa, emprega outros meios pertencentes ao trabalho agrícola; mas fazer chover sobre sua vinha, ele não pode. E se pode irrigar, pelo poder de quem o pode? Ele, com efeito, abre o canal para o rio, mas é Deus que enche a fonte. Enfim não pode fazer crescer os sarmentos em sua vinha, não pode formar os frutos, não pode modificar as sementes, não pode determinar o tempo do nascimento. Deus, porém, que pode tudo isso, é nosso agricultor; fiquemos tranquilos.[3]
Portanto, em uma época em que se privilegiam estratégias, metodologias e estatísticas – não que elas sejam más em si –, podemos dizer de passagem que todo pacote fechado a respeito de fundação e crescimento de Igreja, culturais e transculturais, em geral recheado de vídeos e experiências pessoais divulgados freneticamente nas mídias sociais, deve ser olhado com a máxima desconfiança.
Em qualquer método e estratégia deve haver sempre o sentimento de “ignorância”, limitação e dependência. No que se refere ao Reino: a ignorância é douta e o suposto total conhecimento é loucura. A “loucura” do método de Deus é sabedoria e a nossa pretensa sabedoria é louca pretensão autônoma (1Co 1.18-25).[4] A sabedoria cristã consiste em seguir perseverantemente a “loucura” de Deus.
A obra é de Deus: Não podemos apressá-la. Há um crescimento natural fruto da providência de Deus. Por isso, a semente germina, cresce, frutifica, dando a erva, depois a espiga e finalmente o grão cheio de espiga (Mc 4.27-29).
O texto diz que “a terra por si mesma (au)to/matoj)[5] frutifica” (28). A ideia do texto é de mostrar que a “semente” tem uma maneira própria, peculiar, que precisamos respeitar e aguardar.[6] O Reino se faz presente tanto na semente como na colheita. É preciso aprender a ver o Reino em suas etapas próprias nos alegrando nelas.
Desta forma, podemos dizer que:
Os homens podem receber o reino (Mc 10.15; Lc 18.17); mas, não podem estabelecê-lo. O Reino não é criação humana, é de Deus.
Os homens podem recusar-se a entrar nele (Mt 23.13); porém, não podem destruí-lo.
Podem esperá-lo, orar por sua vinda e buscá-lo (Lc 23.51; Mt 6.10, 33); contudo, não podem trazê-lo.
Deus não é somente o autor do Reino é também Aquele que lhe dá crescimento: “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento”(1Co 3.6).
Portanto, toda a glória pertence ao Senhor que se digna em agir ordinariamente por meio de seus servos fiéis.[7]
Maringá, 03 de julho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]S. J. Kistemaker, As Parábolas de Jesus,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, p. 54.
[2]S. J. Kistemaker, As Parábolas de Jesus, p. 54. “O reino é criação de Deus. Ele está construindo de acordo com seus próprios planos e agenda. Pessoas são convidadas a recebê-lo; homens e mulheres recebem ordens de semear; mas Deus detém o controle sobre o crescimento” (Dewey M. Mulholland, Marcos: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova, © 1978, (Mc 4.26-29), p. 86).
[3]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl (65) 66.1), p. 362.
[4] “Os homens nunca aclamaram o Evangelho como uma obra-prima de sabedoria. Para o homem natural, ele não faz sentido” (Leon Morris, 1Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1981, (1Co 1.21), p. 36).
[5] Automaticamente. A palavra denota um fato ocorrido sem uma ajuda externa ou causa visível. A palavra aparece somente aqui e em At 12.10, indicando o portão que se abre “automaticamente” quando Pedro é conduzido pelo anjo para fora da prisão.
[6]Alexander B. Bruce, The Synoptic Gospels: In: W. Robertson Nicoll, ed. The Expositor’s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, in loc. p. 368.
[7]“Toda a glória é atribuída ao Senhor, mas o trabalho honesto não é menosprezado” (C.H. Spurgeon, Conselhos para Obreiros, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 102).