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Uma oração intercessória pela Igreja (82) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (82)

         7.4.1. Um chamado com propósito

            Paulo nos fala da esperança do chamamento ou vocação. A nossa esperança quando fundamentada na promessa de Deus, não cai num vazio. Deus deseja que tenhamos consciência de que fomos chamados por Ele mesmo dentro de um propósito eterno. O apóstolo, ciente disso, ora para que Deus nos dê este discernimento que só pode vir Dele mesmo. Analisemos agora, alguns aspectos do chamado ou vocação de Deus.

          7.4.1.1. A Palavra como instrumento eficaz do Trino Deus

            A vocação é um ato exclusivo de Deus. O Espírito de Deus por meio da Palavra nos chama eficazmente. O Espírito nos regenera,[1] nos atraindo a Cristo, nos capacitando a responder com fé, atendendo ao seu chamado. Em outras palavras, Deus chama eficazmente os seus eleitos (Ef 1.4-5).

            Mas, o que significa vocação? Tomemos aqui a definição de Hoekema (1913-1988): “[Vocação eficaz é] a ação soberana de Deus através do Espírito Santo, pela qual Ele habilita o ouvinte do convite do Evangelho a responder ao apelo em arrependimento, fé e obediência”.[2]

            Assim como a eleição eterna, o chamado de Deus não cai no vazio porque Ele é poderoso para levar adiante o seu propósito salvador. “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9).

            O Senhor não somente nos convida, antes, opera o seu chamado de modo gracioso, poderoso e eficaz, quebrando toda a resistência pecaminosa de nossa parte.

            O homem natural está tão dominado pelo seu pecado, tão prazerosamente cativo à vontade de Satanás, que jamais poderia desejar a sua salvação já que a sua sensação é de autonomia (2Tm 2.25-26).[3]

            O pecado é enganoso justamente pela capacidade que tem de nos socializar em seu domínio, não nos deixando enxergar o nosso estado terminal.

            O pecado entre as suas artimanhas de sobrevivência e fortalecimento, se vale da concessão da falsa sensação de liberdade. Todos queremos ser livres.  O trágico é que justamente o pecado, o mais escravizador de todos os senhores (Jo 8.34), que nos conduz a todo tipo de amarras, nos levando a multifacetados vícios escravizantes, faz-nos pensar que a liberdade buscada, o sentido da vida perseguido, está justamente no vício. Que tragédia! O supremo encarcerador nos fascina com a promessa de total liberdade. É precisamente por isso que, dominados por  esse engano, o governo de Cristo é considerado como “laços” e “algemas” (cordas, correntes) pelos incrédulos (Sl 2.3).

            Aqui, o pregador deve atuar considerando essas duas realidades que temos tratado com insistência: O pecador jamais atenderá à mensagem que anunciamos. Deus é poderoso para, por meio do Evangelho, método que Ele mesmo estabeleceu, alcançar a todos a quem Ele destinou fazê-lo.

            Calvino afirma esta mesma verdade de forma inversa: “O reino do céu deveras se nos abre pela pregação externa do evangelho, mas ninguém entra nele a menos que Deus lhe estenda sua mão; ninguém se aproxima a menos que seja interiormente atraído pelo Espírito”.[4]

            Deus transforma as nossas vozes que podem apenas alcançar os ouvidos dos homens, e as transporta poderosamente para o coração homem, os fazendo ter consciência de sua situação e a desejarem desesperadamente a salvação.

            Paulo enfatizando a liberdade soberana de Deus na manifestação de sua vontade e graça, escreve: “Que nos salvou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh=sij); não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).

            Jesus Cristo já dissera aos judeus incrédulos que o interpelaram: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem” (Jo 10.27). (Vejam-se também: Rm 8.30; Jo 6.44; 16.13-14; Rm 4.17).[5] Aqueles que o seguem são de fato os que lhe pertencem, constituindo o seu povo.[6]

            O autor de nossa eleição é o autor de nosso chamado (Rm 8.29-30).[7] O instrumento ordinário determinado por Deus para este chamado, é o Evangelho, o qual compete à Igreja anunciar  de modo fiel, intensa e sinceramente a todas as pessoas, independentemente de raça, classe social, cor de pele ou idade (Is 45.22; 55.1,6,7; Mt 11.28; Mc 16.15-16; Ap 22.17).[8]

            Por isso mesmo, devemos compreender a evangelização como sendo a proclamação essencial[9] da Igreja de Cristo, que consiste no anúncio de Suas perfeições e de Sua obra salvífica, conforme ensinadas nas Sagradas Escrituras, reivindicando pelo Espírito, que os homens se arrependam de seus pecados e creiam salvadoramente em Cristo.

Maringá, 29 de junho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Seria tolice um pregador chegar a um enterro e encorajar os cadáveres a levar uma vida reta. Para que as palavras pudessem fazer algum efeito, os cadáveres teriam de reviver. Só assim poderiam responder” (James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 445).

[2] A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 93.

[3]25 Disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade,  26 mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (2Tm 2.25-26).

[4] John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 19/1, (At 14.27), p. 31.

[5]13 quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. 14 Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14). “Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4.17).

[6] Veja-se:  François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 120-121.

[7]A Confissão de Westminster declara: “Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação” (X.1). “Na verdade, o Senhor chama eficazmente só os eleitos” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 153). “O fundamento de nossa vocação é a eleição divina gratuita pela qual fomos ordenados para a vida antes que fôssemos nascidos. Desse fato depende nossa vocação, nossa fé, a concretização de nossa salvação” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.9), p. 128). Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 82-83.

[8] Vejam-se: Os Cânones do Dort, São Paulo: Cultura Cristã, [s.d.], II. Art. 5; L. Berkhof, Teologia Sistemática,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990,p. 463-465; A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 77-86.

[9]Coloquei a evangelização como uma “proclamação essencial”, por entender que a Igreja por si só já é um testemunho do “Evangelho de Deus” e, como tal, faz parte da sua essência anunciá-lo como realidade historicizada. João Calvino observou com precisão, que uma das marcas da Igreja de Cristo, é a “pregação pura da Palavra de Deus” (Veja-se: As Institutas,Dedicatória, 10; IV.1.9-12; IV.2.1).

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