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Uma oração intercessória pela Igreja (8) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (8)

2. Paulo: saber ouvir e agir

Entre tantas outras virtudes, algo admirável em Salomão é a sua capacidade de ouvir. O mesmo rei que ouviu com atenção as inquietantes perguntas da rica rainha de Sabá,[1] apresentando respostas que a deixaram “sem ar” (1Rs 10.1-7), ouviu também aquelas duas prostitutas que tinham uma questão certamente mais grave: a vida ou morte de um filho (1Rs 3.16-28). A sabedoria que Deus lhe concedeu foi socializada nas questões cotidianas (1Rs 10.4-8) e excepcionais de seu reinado.

            Em muitas ocasiões em que o apóstolo Paulo ouviu algo a respeito de seus irmãos, ele estava preso, aparentemente pouco ou nada podendo fazer. Tinha os seus próprios intensos e graves problemas, que envolviam enfermidades e mesmo a sua condenação iminente, que poderia significar a morte.

            Como é difícil nos sentir, como se diz, “com as mãos atadas”, sem capacidade de agir eficazmente na solução do problema e, mesmo assim, manter sincero interesse pelos problemas alheios. Talvez, muitos de nós já tenhamos nos sentido assim: grave enfermidade de um ente querido; total falta de recursos, distância geográfica, impedimentos dos mais variados. No caso do apóstolo, percebemos que muito de suas cartas relacionam-se com o que ouviu, avaliou, interpretou e, sob a direção do Espírito, orou e escreveu. Vejamos alguns exemplos:

         1) Igreja de Corinto: Exortação e disciplina

                        Paulo dispôs de várias informações concernentes à igreja de Corinto. As fontes pareciam ser distintas. Contudo, apontavam em direção semelhante. A igreja vivia em contendas, divisões, imoralidade, arrogância e conivência. Paulo na primeira carta exorta a igreja e promove a disciplina de um irmão que praticava grave pecado de imoralidade:

Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado ((dhlo/w) (= relatar, declarar, revelar, tornar claro, dar a entender),[2] pelos da casa de Cloe, de que há contendas (e)/rij) (= provocações, divisões, querelas) entre vós (1Co 1.11).

Porque, antes de tudo, estou informado (a)kou/w) haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio (1Co 11.18).

Geralmente, se ouve (a)kou/w) que há entre vós imoralidade (pornei/a) (impureza,[3] devassidão,[4] prostituição,[5] relações sexuais ilícitas[6]) e imoralidade (pornei/a) tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. 2 E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? 3 Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse presente… (1Co 5.1-3).

Paulo exerceu o seu juízo crítico: Certamente considerando as fontes diferentes e o histórico da igreja, sabia que havia elementos de verdade nas informações.

            Esses casos eram recorrentes em Corinto. Mais tarde, quando escreve a segunda carta que temos, diz com tristeza:

Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que, outrora, pecaram e não se arrependeram da impureza (a)kaqarsi/a), prostituição (pornei/a) e lascívia (a)se/lgeia)[7] (= devassidão, licenciosidade, libertinagem) que cometeram. (2Co 12.21).  

         2) Igreja de Tessalônica: Instruções quanto à ética cotidiana

                        A despeito de uma fé viva e operante entre os crentes tessalonicenses, havia alguns que por motivos pretensamente escatológicos eram inclinados à prática de uma vida desordenada: não trabalhando, encostando-se a outros, se intrometendo na vida de seus irmãos em questões que não eram de sua alçada. Paulo insiste em lembrar a estes “piedosos preguiçosos” o seu testemunho (1Ts 2.9; 4.11; 2Ts 3.7-9) e ratificar seus ensinamentos:

10 Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também não coma. 11 Pois, de fato, estamos informados (a)kou/w) de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente (a)ta/ktwj)[8] (= imoderadamente), não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. 12 A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranquilamente, comam o seu próprio pão. (2Ts 3.10-12).

         3) Igreja de Filipos: Uma doce expectativa

                        Paulo tinha um carinho muito especial pelos filipenses. De fato esta igreja era bastante amorosa para com o seu apóstolo e mesmo para com os necessitados da igreja em geral. Paulo revela o seu santo desejo quanto à unidade e perseverança da igreja: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça (a)kou/w), no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Fp 1.27).

         4) Igreja de Colossos: Gratidão a Deus

                        À semelhança do que vemos em Éfeso, Paulo ouviu a respeito da fidelidade e do amor da igreja de Colossos e, por isso, dá graças a Deus:

          3Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, 4desde que ouvimos (a)kou/w) da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos. (Cl 1.3-4).

8O qual [Epafras] também nos relatou (dhlo/w) (= declarar, revelar, dar a entender) do vosso amor no Espírito. 9Por esta razão, também nós, desde o dia em que o ouvimos (a)kou/w), não cessamos de orar por vós e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual. (Cl 1.8-9/Fm 4-5).

         5) Filemon: Um Testemunho de amor e fé

                        Onésimo era um escravo que fugira da casa de seu senhor.[9] Talvez, para a fuga, tenha lhe extorquido algum bem ou dinheiro. No entanto, teve o seu encontro com Paulo em Roma e converteu-se sinceramente a Cristo (Fm 10). Paulo mesmo se afeiçoando a ele, o envia de volta ao seu senhor, Filemon, um cristão sincero e influente de Colossos.  

            Paulo escreve a Carta a Filemon pedindo que Onésimo fosse perdoado e aceito de volta (Fm 10-12/Cl 4.9). A dívida de Onésimo, incluindo seus dias sem trabalhar, seria paga pelo próprio apóstolo (Fm 19).[10] Aqui temos uma expressão magnífica da misericórdia cristã que começa com a nossa aceitação perante Deus (Fm 12,19b/Fm 9).

            Um dos motivos que impulsionaram Paulo a pedir isso, é porque sabia por experiência própria e, também ouvira a respeito do amor de Filemon a Deus e a seus irmãos na fé. Estando ciente (a)kou/w)(= ouvir) do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos” (Fm 5).

São Paulo, 2 de abril de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Devido à sua grande fama internacional como homem sábio, era comum virem a Salomão líderes de diversos povos para ouvi-lo (1Rs 4.29-34). Para um estudo erudito e prático a respeito desse encontro, envolvendo as motivações, contexto e propósito, veja-se o excelente artigo do Dr. Daniel Santos Jr. (https://cpaj.mackenzie.br/fileadmin/user_upload/Fides_v16_n1-Respondendo-à-Rainha-de-Sabá-Uma-Investigação-sobre-a-Natureza-da-Linguagem-Sapiencial-do-Antigo-Testamento.pdf) .

[2] Vejam-se: W. Mundle, Revelação: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 226-227; R. Bultmann, dhlo/w: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds.Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 61-62; G. Schunack, dhlo/w: In: Horst Balz; G. Schneider, eds. Exegetical Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 1, p. 294-295.

[3]1Co 6.13,18; 7.2.

[4] Ap 17.2.

[5]2Co 12.21; Cl 3.5; 1Ts 4.3, etc.

[6] Mt 5.32; At 15.20, etc.

[7] *Mt 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.

[8] *2Ts 3.6,11. O verbo (a)takte/w) só ocorre em 2Ts 3.7. Curiosamente estas palavras são empregadas exclusivamente por Paulo e somente na segunda carta aos tessalonicenses.

[9]Onésimo, cujo nome significa “útil”, no período do Novo Testamento era um nome comum de modo especial para um escravo (Cf. F. Foulkes, Onésimo: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 4, p. 645).

[10]“Visto que a lei romana requeria que qualquer que hospedasse um escravo fugitivo deveria pagar ao senhor do escravo o valor de cada dia de trabalho perdido, pode ser que a promessa de Paulo de colocar-se como fiador (v. 19) seja nada mais do que assegurar a Filemon de que ele pagará pelo valor provocado pela ausência de Onésimo ao trabalho” (R.P. Martin, Filemon, Epístola a: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 822).

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