Uma oração intercessória pela Igreja (67)
7.3. Espírito de Sabedoria e de Revelação no pleno conhecimento de Deus (17)
Segundo Cícero (106-43 a.C.) e Diógenes Laércio (3º séc. d.C.),[1] foi Pitágoras (VI-V séc. a.C.) quem atribuiu o “título” de “filósofo” a si mesmo.
Quando o príncipe Leonte perguntou a Pitágoras em que arte era versado, respondeu-lhe que em nenhuma. Era filósofo.
Ainda segundo Cícero, Pitágoras achava por demais pretensiosa a denominação de Sofo/j, preferindo substituí-la por Filo/sofoj, passando então, a usá-la para si.[2]
Este sentido ético e religioso também é encontrado em Sócrates (469-399 a.C.).[3] Platão (427-347 a.C.) e Sócrates (469-399 a.C.) contrastam a Filosofi/a com a Sofi/a:[4]Esta que é a sabedoria perfeita, pertence somente a Deus. Os homens, são apenas filo/sofoj, amantes da sabedoria, interpreta.[5]
Os Sofistas, em seu subjetivismo, plenamente justificável, diga-se de passagem, desejam reduzir a sabedoria à arte discursiva, retórica, arte que pode ser ensinada com o fim de persuadir, sem maiores compromissos com a verdade.[6] Enquanto para Platão a sabedoria é uma virtude prática, para Aristóteles (384-322 a.C.), ela é teórica, nos permitindo chegar à verdade das primeiras causas.[7]
No tempo dos Sofistas e de Sócrates (469-399 a.C.), o termo Filosofia era usado para se referir ao cultivo sistemático de qualquer conhecimento teórico, adquirindo em Aristóteles (384-322 a.C.), o sentido de (e)pisth/mh), “uma disciplina intelectual que procura as causas”.[8]
Paulo, no texto que vamos expor (Ef 1.17), pede a Deus que conceda aos efésios, Espírito de sabedoria. Analisemos alguns aspectos desta oração e, mais precisamente, no que concerte à sabedoria suplicada pelo apóstolo.
Maringá, 13 de junho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Marcus Tullius Cicero, Tusculanae Disputationes, V.3, 8-9 (Disponível em: https://docplayer.com.br/66164032-Tusculanae-disputationes-marcus-tullius-cicero.html) (Consulta feita em 13.06.23) e Diógenes Laercio, Vidas, opiniones y sentencias de los Filósofos más Ilustres, Buenos Aires: El Ateneo, (1947), I.8. p. 24-25.
[2] Esta versão que é preservada por Cícero e Diógenes Laércio, ampara-se numa obra – Da Intercepção da Respiração – hoje perdida, de Heráclides de Ponto (c. 390-310 a.C.), antigo discípulo de Platão. (Veja-se: Diógenes Laercio, Vidas, opiniones y sentencias de los Filósofos más Ilustres, Buenos Aires: El Ateneo, (1947), I.8. p. 24-25). Todavia, duvida-se da confiabilidade deste registro (Cf. Filósofo: In: André Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 407-408).
[3] Veja-se: Platão, Fédon, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 3), 62c-69e. p. 69-78.
[4] Por outro lado, Platão identifica a sofi/a com a e)pisth/mh. Veja-se: Platão, Teeteto,Belém, PA.: Universidade Federal do Pará, 1988, 145e. p. 7. Quanto ao sentido teórico e prático aplicado à sabedoria entre os gregos, veja-se um bom resume em: J. Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Loyola, 2001, Tomo 4, p. 2570-2572)
[5] “Chamá-los sábios (sofo/j), Fedro, me parece excessivo e só aplicável a um deus; mas o nome filósofo (filo/sofo) ou um epíteto semelhante lhes caberia melhor e seria mais apropriado” (Platão, Fedro,Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint (Diálogos I), [s.d.], 278d. p. 267).
[6] Vale a pena levar em consideração a observação não solitária de Kenny: “A busca da verdade histórica sobre os sofistas não é mais recompensadora do que a tentativa de descobrir como eram o rei Lear ou o príncipe Hamlet antes de Shakespeare deles se apropriar” (Anthony Kenny, Uma Nova História da Filosofia Ocidental. Volume I – Filosofia Antiga, 2. ed. São Paulo, Loyola, 2011, p. 58).
A retórica mantém estreita relação com os sofistas. Górgias (c. 483-c.375 a.C.), o sofista, disse que o objetivo da retórica é “pela palavra, convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho, os eclesiastas na assembleia e em todo outro ajuntamento onde se congreguem cidadãos” (Platão, Górgias, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S.A., 1989, 452e, p. 58-59). Desta forma, a capacidade do retórico era demonstrada na habilidade de “disputar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto” e isto se revelava na rapidez com que persuadia as multidões (Platão, Górgias, 457a, p. 67). A essência da retórica de Górgias era persuadir (Platão, Górgias, 453a, p. 59-60; 455a, p. 64); e nisto a retórica sofista foi muito bem-sucedida (Veja-se: Armando Plebe, Breve História da Retórica Antiga, São Paulo: EPU; EDUSP., 1978, p. 21ss.). Lembremo-nos que a Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa.
Górgias dizia: “A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade (…). O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos (…). A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer (…). O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas” (Górgias, Elogio de Helena, 8, 14). “Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau” (Palavras de Protágoras, conforme, Platão, Teeteto, 166d, p. 36). “Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as cousas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo” (Platão, Fedro, 267, p. 251). A retórica era uma das marcas características da sofística (Cf. W.K. C. Guthrie, Os Sofistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 167). Veja-se: Claude Vial, Vocabulário da Grécia Antiga, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013, p. 328-329.
[7] Veja-se: G. Fohrer, sofi/a: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds.Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 7, p. 470-472.
[8] F.E. Peters, Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico,2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1983), p. 187 (Veja-se também, Aristóteles, Metafísica, 1025b-1026a).
Platão (427-347 a.C.), entendia que a e)pisth/mh era o conhecimento verdadeiro e científico em contraposição à do/ca; sendo um corpo organizado de conhecimento, que chamaríamos de “Ciência”, caracterizando-se por ser teórico e prático. Na sua visão, a e)pisth/mh é a forma mais elevada de conhecimento humano. No Mênon, escreveu:
“E assim, pois, quando as opiniões certas (do/ca) são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência (e)pisth/mh), e, como ciência, permanecem estáveis. Por esse motivo é que dizemos ter a ciência mais valor do que a opinião certa: a ciência (e)pisth/mh) se distingue da opinião certa (do/ca) por seu encadeamento racional” (Platão, Mênon, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, [s.d.], 98, p. 108-109).
Quanto à perspectiva de Platão, vejam-se também, Platão, Teeteto,190a-c; Idem, Fédon,75b-76; Idem, A República,7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), 476a-480a; 509d-511e; 514a-521b.