Uma oração intercessória pela Igreja (58)
6. A Quem oramos (Continuação)
Outro ponto relevante, é que a oração no Espírito é sempre por intermédio de Cristo. Isso significa que quando oramos, o fazemos por iniciativa do Espírito, por intermédio de Cristo, no nome de Cristo.
Portanto, orar genuinamente significa harmonizar a nossa vontade com a do Filho, alinhando a nossa vontade com a dele.[1] Orar ao Pai não significa simplesmente usar o seu nome, mas, sim, dirigir-nos de fato a Ele conforme os seus preceitos, em submissão à sua vontade.
Uma oração francamente oposta aos ensinamentos de Jesus não pode ser considerada de fato uma oração dirigida ao Pai, por mais que usemos e repitamos o nome de Jesus. Deste modo, é necessário que tenhamos cuidado para que não cometamos falsidade ideológica em nossas orações. Orar em nome de Jesus é dizer ao Pai que o seu Filho eterno, o nosso irmão mais velho, subscreveu o que estamos dizendo. Orar no nome de Jesus significa a confiança única e exclusiva na suficiência de seus méritos.[2]
A nossa oração não pode ser uma diminuição da santidade de Cristo. Como bem compreendeu Pink (1886-1952), ao escrever:
Solicitar algo a Deus, em nome de Cristo, quer dizer solicitar-lhe algo em harmonia com a natureza de Cristo! Pedir algo em nome de Cristo, a Deus Pai, é como se o próprio Cristo estivesse formulando a petição. Só podemos pedir a Deus aquilo que Cristo pediria. Pedir em nome de Cristo, pois, significa deixar de lado nossa vontade própria, aceitando a vontade do Senhor!.[3]
O Espírito nos dirige para que não usemos o nome do Filho em vão. Somente Ele pode nos mostrar qual é a vontade de Deus e nos capacitar a aceitá-la com fé. Quando oramos no Espírito estamos confessando a nossa pequenez e, ao mesmo tempo, testemunhando a nossa fé na soberania de Deus.
“O Espírito constrói uma determinada atmosfera em torno de toda a oração autêntica, e dentro desse círculo próprio é que a oração vive e triunfa; fora dele, a oração é apenas uma formalidade morta”, enfatiza Spurgeon (1834-1892).[4]
Agostinho (354-430), comentando o Salmo 102.2 – quando o salmista diz “… inclina-me os teus ouvidos; no dia em que eu clamar; dá-te pressa em acudir-me”– faz uma paráfrase “Escuta-me prontamente, pois peço aquilo que queres dar. Não peço como um homem terreno bens terrenos, mas já redimido do primeiro cativeiro, desejo o reino dos céus”.[5]
Paulo,discorrendo sobre a fraqueza humana, a exemplifica na vida cristã no fato de nem ao menos sabermos orar como convém (Rm 8.26-27).[6] Por isso o Espírito que em nós habita nos auxilia em nossas orações, fazendo-nos pedir o que convém, capacitando-nos a rogar de acordo com a vontade de Deus. A oração eficaz é aquela que tem o Espírito como seu autor. Sem o auxílio do Espírito jamais oraríamos com discernimento.
Calvino, analisando o fato de que pedimos tantas coisas erradas a Deus e que, se Ele nos concedesse o que solicitamos, traria muitos males sobre nós,[7] ao tratar da Oração do Senhor, afirma: “Nem podemos abrir a boca diante de Deus, sem grave perigo, a não ser que o Espírito nos instrua sobre a norma certa de orar [Rm 8.26]. Em quão maior apreço merece ser julgado entre nós este privilégio, quando o Unigênito Filho de Deus nos sugere à boca palavras que desvencilhem nossa mente de toda vacilação!”.[8]
A oração genuína é sempre precedida do senso de necessidade e de uma fé autêntica nas promessas de Deus.[9]
Graças a Deus porque todos nós, em Cristo, temos o Espírito de oração (Zc 12.10), porque sem Ele jamais poderíamos orar de modo aceitável ao Pai. “A própria oração é uma forma de adoração”, comenta Sproul.[10]
Por outro lado, o auxílio do Espírito não deve servir de pretexto para a nossa indolência e irresponsabilidade espiritual. Exorta-nos Calvino em lugares diferentes:
Aqui não se diz que, lançando o ofício da oração sobre o Espírito de Deus, podemos adormecer negligentes ou displicentes, como alguns se acostumaram a blasfemar, dizendo: devemos ficar à espera, sem nenhuma preocupação, até que o Espírito chame a atenção da nossa mente, até então ocupada e distraída com outras coisas. Muito ao contrário, aqui somos induzidos a desejar e a implorar tal auxílio, com aversão e desgosto por nossa preguiça e displicência.[11] Quando nos sentirmos frios, e indispostos para orar, supliquemos logo ao Senhor que nos inflame com o fogo de seu Espírito, pelo qual sejamos dispostos e suficientes para orar como convém.[12]
Muitas vezes estamos tão confusos diante das opções que temos, que não sabemos nem mesmo como apresentar os nossos desejos e as nossas dúvidas diante de Deus. Todavia o Espírito nos socorre. Ele “ora a nosso favor quando nós mesmos deveríamos ter orado, porém não sabíamos para que orar”, consola-nos Palmer (1922-1980).[13]
Maringá, 28 de maio de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]“A oração não é um recurso conveniente para impormos a nossa vontade a Deus, ou para dobrar a Sua vontade à nossa, mas, sim, o meio prescrito de subordinar a nossa vontade à de Deus. É pela oração que buscamos a vontade de Deus, abraçamo-la e nos alinhamos com ela. Toda oração verdadeira é uma variação do tema, ‘Faça-se a tua vontade'” (John R.W. Stott, I,II e III João, Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1982, p. 159). Na mesma perspectiva, escreveu MacArthur: “A oração ajuda a alinhar os nossos desejos com a vontade de Deus. Ela agrada a Deus porque é um ato de obediência à Sua Palavra, mas não fornece informações adicionais a Ele” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 61).
[2]Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted),v. 3, p. 705.
[3]A.W. Pink, Deus é Soberano,Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 134. Veja-se também: R. Youngblood, Significados do Nomes nos Tempos Bíblicos. In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 25.
[4] C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade,Lisboa: Edições Peregrino, LDA., 1987, p. 85.
[5] Agostinho, Comentários aos Salmos,São Paulo: Paulus, 1998, v. 3, p. 12.
[6]“26 Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. 27 E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos” (Rm 8.26-27).
[7]Bernardo de Claraval (1090-1153), disse: “Não permitam que eu tenha tamanha miséria, pois dar a mim o que desejo, dar a mim o que meu coração almeja, é um dos mais terríveis julgamentos do mundo” (ApudJeremiah Burroughs, Aprendendo a Estar Contente, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990, p. 28).
[8]João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, III.20.34. Comentando o texto de Romanos 8.26, Calvino segue a mesma linha: “O Espírito, portanto, é Quem deve prescrever a forma de nossas orações” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.26), p. 291). Ver também, J. Calvino, O Catecismo de Genebra,Perg. 254.
[9] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 34.
[10] R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 187.
[11]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 95.
[12]João Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 245. In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962.
[13] Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo,Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edición revisada, p. 190.