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Uma oração intercessória pela Igreja (54) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (54)

5. Amor para com todos os santos

É insincera qualquer profissão de fé que não se pode comprovar por uma consciência íntegra e manifestar-se em amor. – João Calvino.[1]

Desde o princípio, a Reforma foi um movimento tanto religioso quanto ético.  – Herman Bavinck.[2]

                “Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos” (Ef 1.15).[3]

            Paulo está bem informado quanto ao excelente testemunho dos efésios. Por isso, agradece a Deus pela vida deles. Ele destaca a fé e o amor daquela igreja. Aliás, a fé, que em nossa relação com Deus também se expressa em obediência e gratidão, em nossas relações sociais se concretiza em amor. O amor fraterno, portanto, é um aprendizado da fé em nossas relações sociais. E mais, o amor credencia a nossa fé. Este amor está fundamentado na fé em Cristo. Um coração dominado por Cristo é cheio de amor. Esse amor é modelado pelo amor trinitário[4] do qual também somos objeto em seu plano redentor.

            A oração de Paulo em favor dos efésios demonstra isso:

14 Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, 15 de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, 16 para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; 17e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela (pi/stij), estando vós arraigados e alicerçados em amor (a)ga/ph), 18a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade 19 e conhecer o amor (a)ga/ph) de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. 20 Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, 21 a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!. (Ef 3.14-21).

            Observem a ordem estabelecida por Paulo: Fé e amor. Não podemos romantizar o amor. A fé produz o amor. A fé é temporal, é verdade, contudo, ela é o combustível de nosso amor fraternal que, na eternidade, será alimentado de forma perfeita e completa pelo amor de Deus, com quem teremos perfeita comunhão. Nesta dimensão presente, entretanto, o amor é a expressão de uma genuína fé.[5]

            O amor cristão surge de um sólido conhecimento de Deus que nos conduz ao serviço de nosso próximo. Não podemos amar os nossos irmãos sem conhecer genuinamente a Deus. Na igreja de Éfeso, vemos que “a em botão tinha-se, portanto, transformado em amor, em flor aberta”, escreve de forma poética, Hendriksen (1900-1982).[6]

            Na fé em Deus, se manifestando em amor para com todos os santos, os efésios revelavam a sua obediência aos Dez Mandamentos de Deus que consistem em honrar a Deus e a prática da justiça em relação ao nosso próximo.[7]

            O amor dos efésios era uma expressão da unidade da Igreja. Toda a Igreja de Cristo está unida pela mesma fé (Jd 3).[8] Afinal, há uma só fé (Ef 4.5).[9] Nela estamos todos comprometidos.[10] O seu amor que caminha de forma inseparável da fé, era para com todos os santos (Ef 1.15).

            O amor cristão irradia de Cristo, a Quem estamos unidos, e se evidencia para com Deus e, em sua horizontalidade, primariamente para com os nossos irmãos, todos, sem exceção.

            A fé cristã é percebida e divulgada a partir de nosso testemunho de amor (1Ts 1.3,8).[11] Ninguém está mais interessado na unidade santa e amorosa da Igreja de Cristo do que o próprio Deus Triúno.[12]

            Paulo ora neste sentido: “Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo” (Ef 6.23).

            A nossa fé em Deus ou fidelidade a Deus, conforme pode ser traduzido o texto (Veja-se: Ap 13.10), não nos afasta das pessoas, antes nos aproxima delas. “Não existe monasticismo no Cristianismo” como bem acentua Schaeffer (1912-1984).[13] Esta prática é uma visão parcial e distorcida de fé em Deus.

            Na Inquisição, encontramos por vezes, uma expressão totalmente equivocada, porém, sincera, de estar prestando um serviço a Deus. Rousseau (1712-1778), de forma irônica, escreveu: “Em Londres, um drama interessa quando faz odiar os franceses; em Túnis, a bela paixão seria a pirataria; em Messina, uma vingança bem saborosa; em Goa, a honra de queimar alguns judeus”.[14]

            Nas páginas no Novo Testamento, encontramos Saulo, profundamente comprometido com a sua fé em Deus, porém, paradoxalmente, perseguindo ferozmente a Igreja de Deus. Mais, tarde, convertido a Cristo, testemunha com tristeza diante do rei Agripa:

9 Na verdade, a mim me parecia que muitas coisas devia eu praticar contra o nome de Jesus, o Nazareno; 10 e assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. 11 Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia. 12Com estes intuitos, parti para Damasco, levando autorização dos principais sacerdotes e por eles comissionado. (At 26.9-12/At 7.58-8.3; 9.1-5; 22.17-20).

            Arrependido do que fizera, diz com tristeza aos coríntios: “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus” (1Co 15.9).

            Expressando o seu antigo zelo equivocado, relata aos filipenses:

4Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: 5 circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, 6 quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. (Fp 3.4-6).

            Por isso, observa Barclay (1907-1978): “Por mais ortodoxa que seja uma igreja, por mais pura que seja sua teologia, nobres seu culto e sua liturgia, não é uma igreja no sentido verdadeiro da palavra se não se caracteriza pelo amor aos homens”.[15]

            Isso não significa que devamos minimizar o nosso zelo com a doutrina e a seriedade com que encaramos a nossa fé, antes, demonstrar o quão responsável deve ser a nossa fé em atos concretos de amor.

Maringá, 28 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.5), p. 33.

[2] Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 180.

[3] De modo semelhante Paulo escreve aos Colossenses: 3Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, 4desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos” (Cl 1.3-4).

[4] Veja-se:  Vern S. Poythress, O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 132.

[5]Cf. R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament: The Interpretation of St. Paul’s Epistles to the Galatians, to the Ephesians, and to the Philippians, Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1998, (Ef 1.15), p. 390. Veja-se também: João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.5), p. 32-33.

[6]William Hendriksen, Efésios,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.15-16), p. 122.

[7]Veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 133. “Amor é manter relações responsáveis com Deus e com o próximo” (Jay A. Adams, Conselheiro Capaz,São Paulo: Fiel, 1977, p. 67).

[8]“Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).

[9] “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5).

[10]“Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Fp 1.27).

[11] “Recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo (…) 8 Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar coisa alguma” (1Ts 1.3,8).

[12] “Ninguém se importa mais com a união de sua igreja em torno de seu Salvador, seu próprio Filho, do que Deus. Deus é o grande purificador e unificador” (David Mathis, Introdução – Pensar, amar, fazer: na perspectiva do Evangelho. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 9).

[13]Francis A. Schaeffer, Não há Gente Sem Importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 27.

[14]Jean-Jacques Rousseau, Carta A D’Alembert, Campinas, SP.: Editora da Unicamp, 1993, p. 44. Contemporâneo e desafeto de Rousseau, Voltaire (1694-1778), escreveu em 1764 com a sua costumeira ironia: “A Inquisição é, como se sabe, uma invenção admirável e absolutamente cristã destinada a tornar o papa e os monges mais poderosos e a tornar todo um reino hipócrita” (Inquisição: François M.A. Voltaire, Dicionário Filosófico, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 23), 1973, p. 228).

[15] William Barclay, Galatas y Efesios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, (El Nuevo Testamento Comentado, v. 10), (Ef 1.15-23), p. 95.

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