Uma oração intercessória pela Igreja (50)
Proposições Teológicas e práticas
Do que foi estudado até aqui, podemos extrair algumas proposições que pontuam a nossa compreensão bíblica e, ao mesmo tempo, são decorrentes das verdades aprendidas das Escrituras:“….
1. Não há nada que Satanás mais tente fazer do que levantar névoas para obscurecer Cristo; pois ele sabe que dessa forma o caminho está aberto para todo tipo de falsidade. Assim, o único meio de manter e também restaurar a doutrina pura é colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente como Ele é, com todas as suas bênçãos, para que Seu poder possa ser verdadeiramente percebido”, instrui-nos Calvino.[1]
2. A fé em Jesus Cristo aponta para o fato de que Ele é Deus. Quem invocar o nome do Senhor será salvo. Deus deseja que O conheçamos mais intensamente não para a nossa vaidade intelectual, mas, sim, para que O adoremos melhor.
3. A natureza divina de Cristo não foi humanizada, nem a natureza humana foi divinizada. Jesus Cristo continuou sendo homem com todas as suas propriedades não pecaminosas e, continuou sendo Deus com todo o seu poder; porém, sem fazer uso necessário do mesmo.
É neste sentido que o Senhor adverte a Pedro, bem-intencionado, porém, sem a dimensão correta do significado do que estava acontecendo:
51E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, sacou da espada e, golpeando o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe a orelha. 52 Então, Jesus lhe disse: Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão. 53 Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? 54 Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder. (Mt 26.53-54/Jo 18.10-11).
4) Jesus Cristo é perfeitamente Deus e perfeitamente homem; qualquer tentativa de valorizar uma de suas naturezas em detrimento da outra, implica em perdermos de vista a plenitude da revelação bíblica.
5) A encarnação tem a sua origem na bondade de Deus. Entretanto, ela se tornou necessária devido ao nosso pecado. Todo o sofrimento de Jesus Cristo tem como causa motora o seu amor eterno pelos pecadores eleitos (Jo 3.16).
6) “O grande amor de Deus para com a humanidade é demonstrado pelo fato de o Filho de Deus não ter vindo à terra como um anjo, e sim como homem – O homem Cristo Jesus – tendo natureza humana como a nossa”, conclui Owen (1616-1683).[2]
7) A encarnação jamais será desfeita: Jesus Cristo permanece para sempre verdadeiro homem e verdadeiro Deus.[3]
8) “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai, como o Filho”(2Jo 9).
9) Estamos convencidos de que a genuína piedade bíblica (Eu)se/beia)[4] começa pela compreensão correta do mistério de Cristo, conforme nos diz Paulo: “Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16). Todo o conhecimento cristão deve vir acompanhado de piedade: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade” (Tt 1.1).
Bavinck nos orienta:
A teologia, se verdadeiramente quiser ser escriturística e cristã, não pode fazer nada melhor, no momento, do que sustentar a doutrina das duas naturezas. (…) O mistério da união das duas naturezas divina e humana em Cristo excede totalmente toda a nossa capacidade de falar e pensar nele. Toda comparação falha, pois ela não tem igual. Mas é, portanto, o mistério da piedade, que os anjos desejam investigar e a igreja adora religiosamente.[5]
Calvino, comenta:
“Ela [a doutrina] só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor.”[6] Portanto, devemos indagar sempre, a respeito de doutrinas consideradas evangélicas, se elas, de fato, contribuem para a piedade. A genuína ortodoxia será plena de vida e piedade.
10) A nossa salvação só poderia vir de Deus. Deus cumpriu a sua promessa (Gn 3.15; Gl 4.4-5), providenciando de forma definitiva a nossa salvação em Cristo Jesus.
11) Não podemos compreender exaustivamente esse assunto. Todavia, faremos bem em deixar que a nossa mente e o nosso coração sejam guiados pela Palavra.
12) As Escrituras nos mostram com meridiana clareza quem é Jesus Cristo. O mesmo Espírito que inspirou os escritores bíblicos para que a registrassem, nos conduz pelo seu testemunho a esta compreensão que não nos advém simplesmente de carne e sangue. Somente Deus pela iluminação do Espírito por intermédio da sua Palavra poderá nos instruir a respeito de si mesmo (Sl 119.18; Jo 14.26; 16.13).[7]
“Tudo quanto diz respeito ao genuíno conhecimento de Deus constitui um dom do Espírito Santo”, sintetiza Calvino.[8] Sem o Espírito a Palavra é-nos inacessível e Jesus Cristo permanece totalmente aquém do revelado. Sem a Palavra o Espírito permanece desconhecido a nós.[9]
É impossível nos dizer cristão sem que a nossa fé tenha um conhecimento seguro de quem é Jesus Cristo. Ele é o Senhor. É o Deus-encarnado. Esta compreensão nos advém pela Palavra, mediante a iluminação do Espírito (1Co 2.10).
13) Que conceito você tem de Cristo? Basicamente, não importa o que os outros acham; a questão é sua diante de Deus (Rm 14.12; 2Co 5.10).
14) Nós só conseguimos entender a obra de Cristo quando aceitamos pela fé o Mistério glorioso de suas duas Naturezas. “A glória de duas naturezas de Cristo numa única pessoa é tão grande que o mundo incrédulo não pode ver a luz e a beleza que irradiam dela”, concluiu Owen.[10]
15) Em resposta à questão 40 do Catecismo Maior de Westminster – “Por que era indispensável que o Mediador fosse Deus e homem em uma só pessoa?”, responde:
…. para que as obras próprias de cada natureza pudessem ser aceitas por Deus a nosso favor e que nós confiássemos nelas como obras da pessoa inteira.
Era necessário que fosse homem para que levasse sobre si a culpa do pecado, cumprindo o aspecto condenatório da Lei; e, ao mesmo tempo, que fosse Deus para poder cumpri-la, suportando a justa ira de Deus, conferindo um valor eterno ao seu sacrifício (Hb 9.23-28).
Calvino escreveu sobre isso:
Visto, então, que Deus por Si só não poderia provar a morte, e que o homem por si só não poderia vencê-la, Ele tomou sobre Si a natureza humana em união com a natureza divina, para que sujeitasse a fraqueza daquela a uma morte expiatória, e que pudesse, pelo poder da natureza divina, entrar em luta com a morte e ganhar para nós a vitória sobre ela.[11]
16) A vontade de Deus sempre se concretizará a despeito das tentativas satânicas e humanas de frustrá-la.
17) A consciência do Senhorio de Cristo confere uma nova dimensão ao nosso trabalho cotidiano. Em última instância, estamos servindo ao Senhor (Cl 3.22-24/1Pe 2.13). No Senhor o nosso trabalho não é ou será em vão (1Co 15.58).
18) Podemos não entender circunstancialmente o propósito de Deus; todavia, o que nos deve guiar é a certeza da sua Pastoral Soberania sobre nós (Hb 13.20; 1Pe 5.4).
19) A afirmação do Senhorio de Cristo, significa reconhecê-lo presente e decisivo em todas as nossas atitudes e projetos. Cullman (1902-1999) pontua bem esta questão: “O senhorio de Cristo há de estender-se a todos os âmbitos da criação. Se houvesse um só onde este senhorio fosse excluído não seria total e Cristo deixaria de ser o Kyrios”.[12] À frente: “Cristo não é somente o Senhor do mundo, o senhor da igreja; é também o meu Senhor. Experimentado e reconhecido como Senhor da igreja é também, Senhor de cada um dos que a compõem”.[13]
20) O senhorio de Cristo como foi compreendido pelos primeiros cristãos não se relacionava apenas à memória passada ou a uma esperança futura, mas, à realidade de sua presença preservadora no meio de sua igreja. O Senhor Jesus é Aquele a quem podemos invocar, orar e cultuar. Ele é o Deus presente e próximo de seu povo.[14]
21) Deus nos concedeu talentos para servi-Lo por intermédio da Igreja. Como você tem utilizado o seu? (1Co 12.4-7/1Co 4.7; 2Co 3.5). Jesus é o Senhor de nossos talentos. Ele nos deu para usá-los conforme a sua vontade.
22) Em nosso serviço e ministério, somos chamados à obediência, certos de que o crescimento da igreja provém do Senhor. É assim que Paulo descreve o profícuo trabalho desenvolvido por ele e posteriormente por Apolo em Corinto: “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus” (1Co 3.6).
23) Reconciliados com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo (Rm 5.11),[15] devemos aprender a nos alegrar sob o cuidado providente do Senhor Jesus. Paulo nos ensina isso: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos” (Fp 4.4/Fp 3.1). Alegremo-nos na certeza de que o Senhor de todas as coisas, cuida de nós e dirige os nossos passos com poder e amor. A nossa fé se alimenta desta certeza.
24) “A doutrina da Trindade declara que o homem Jesus é verdadeiramente divino; a da Encarnação declara que o divino Jesus é verdadeiramente humano. Juntas, elas proclamam a plena realidade do Salvador que o Novo Testamento apresenta, o Filho que veio da parte do Pai, pela vontade do Pai, para tornar-se o substituto do pecador sobre a cruz”, enfatiza Packer.[16]
25) Jesus Cristo é homem que pode entender as nossas necessidades e, é Deus que pode nos socorrer eficazmente (Hb 2.17,18; 1Co 10.13). Calvino comentando o texto de Jo 11.33, refere-se à simpatia de Cristo, dizendo: “Quando o Filho de Deus vestiu nossa carne, também concordou voluntariamente em vestir as emoções humanas”.[17]
Em outro lugar: “Se Cristo houvera sido intocável por qualquer dor, então nenhuma consolação, provinda de seus sofrimentos, nos atingiria. Mas quando ouvimos que Ele igualmente suportou as mais amargas agonias em seu espírito, torna-se evidente sua semelhança conosco”.[18]
26) A plena divindade e a plena humanidade de Cristo tornam possível o nosso culto sem cometermos idolatria. Jesus Cristo é Deus. A igreja o adora consciente de que a nossa salvação não foi concretizada por um Cristo divino ou por um Jesus humano, mas, por Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.[19]
Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Àquele que está sentado no trono [Deus Pai] e ao Cordeiro [Deus Filho], seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. (Ap 5.13).
27) A igreja é animada a viver dignamente aguardando o regresso triunfante de Jesus Cristo, o grande Deus que se entregou para nos redimir (Tt 2.11-14).[20]
São Paulo, 22 de maio de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]John Calvin, Commentary on the Epistle to the Colossians,Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, (Calvin’s Commentaries), 1981 (Reprinted), v. 21, (Cl 1.12), p. 145-146. Lawson falando sobre a lamentável ausência da pessoa de Cristo em muitos sermões, diz: “Se o sermão falha em exaltar Cristo, não atinge o alvo” (Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 25).
[2]John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 8.
[3] Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 447.
[4]*At 3.12; 1Tm 2.2; 3.16; 4.7,8; 6.3,5,6,11; 2Tm 3.5; Tt 1.1; 2Pe 1.3,6,7; 3.11.
[5]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 309, 313.
[6]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.3), p. 164-165. Em outro lugar: “Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam para a edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo detestados pelos cristãos piedosos, a única recomendação legítima da doutrina é que ela nos instrui na reverência e no temor de Deus. E assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.1), p. 300).
[7] Veja-se também, Confissão de Westminster, Cap. I. “O Espírito é o nosso holofote, que ilumina a mente de Deus para nós. Ele é quem ilumina o espiritualmente ignorante. (…) Se desejamos conhecer e compreender a mente divina, necessitamos da assistência do Espírito Santo” (R.C. Sproul, A Alma em Busca de Deus: satisfazendo a fome espiritual pela comunhão com Deus, São Paulo: Eclésia, 1998, p. 69).
[8] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373.
[9] “À parte do Espírito, a Palavra está morta, ao passo que, à parte da Palavra, o Espírito é desconhecido” (John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 108).
[10]John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 24.
[11]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, edição abreviada por J.P. Wiles, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984, II.12, p. 182.
[12]Oscar Cullman, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 298.
[13]Oscar Cullman, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 302.
[14] Veja-se: Oscar Cullman, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber, 2001, p. 257.
[15]“E não apenas isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação” (Rm 5.11).
[16]Encarnação: In: J.I. Packer, Teologia Concisa, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1999, p. 98.
[17]John Calvin, Gospel According to John, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries, v. 17), 1996, p. 440.
[18]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 5.7), p. 133.
[19] Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 321-324; Francis Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 378ss.
[20]“11Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, 12 educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, 13 aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, 14 o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.11-14).