Uma oração intercessória pela Igreja (34)
5) É o Senhor Misericordioso[1]
A Palavra de Deus demonstra que todos nós, sem exceção, nos encontramos em um estado deprimente, totalmente dominados pelo pecado, distantes de Deus.[2] Somos carentes da sua misericórdia. Deus nos trata com misericórdia, não debitando em nossa conta a nossa dívida, a qual jamais poderíamos pagar, antes, a inflacionaríamos ainda mais.[3]
Deus não devia misericórdia a ninguém. Misericórdia merecida seria uma contradição de conceitos.[4] Da mesma forma, graça obrigatória seria uma negação da graça. Uma contradição é em sua essência ininteligível. A fé cristã comporta mistérios, porém, não contradição.[5]
Misericórdia sempre pressupõe a indignidade daquele que a recebe.
Enquanto a graça ressalta a grandeza de Deus em relação aos homens; a misericórdia retrata como o Deus majestoso vem ao nosso encontro, em nossa miséria espiritual, nos perdoando os pecados restaurando-nos à comunhão com Ele por meio de seu Filho, Jesus Cristo.
Contudo, como as palavras são geralmente usadas de forma intercambiável, em nosso texto usaremos os termos graça e misericórdia como sinônimos.
Barth (1886-1968) capta bem o sentido de nossa pecaminosidade e da necessidade do perdão:
Ainda que vivendo como cristãos, vamos aumentando sem cessar nossa dívida e agravando a embrulhada da nossa situação. A dívida cresce de dia em dia. E imagino que à medida que envelhecemos, mais conta nos damos de que não temos possibilidade alguma de cancelar essa dívida. As coisas vão de mal a pior.[6]
O nosso único recurso, portanto, é recorrer à misericórdia gratuita de Deus.[7] Somos carentes da sua misericórdia. Necessitamos buscar a Deus diante do trono da sua misericórdia para que possamos ter a bênção da bem-aventurança que começa por nossa reconciliação com Ele.[8] Somente assim encontraremos o antídoto para as nossas misérias espirituais.
O apóstolo Paulo, no final da vida, mencionando alguns episódios de sua história, cita um irmão, Onesíforo, que lhe foi leal e de grande valia em seus sofrimentos. Ora então em seu favor:
16Conceda o Senhor (ku/rioj) misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; 17antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente até me encontrar. 18O Senhor (ku/rioj) lhe conceda, naquele Dia, achar misericórdia da parte do Senhor (ku/rioj). E tu sabes, melhor do que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso (2Tm 1.16-18).
Judas, estimula a igreja a permanecer firme em sua fé, aguardando a manifestação da misericórdia do Senhor: “Guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor (ku/rioj) Jesus Cristo, para a vida eterna” (Jd 21).
6) É o Senhor Bondoso
O Senhorio de Cristo se manifesta também em atos de bondade para conosco (Rm 10.12)[9] ainda que nem sempre percebamos isso por nos acostumarmos com a sua bondade em nossa rotina cotidiana. Contrariamente, por vezes, costumamos pensar que o mundo, a vida e todas as demais coisas funcionam naturalmente, não como uma manifestação da bondade do Senhor para com todos. Deus nos governa paternalmente com espírito de mansidão e benignidade.[10]
Pedro estimula a igreja a ter maior comunhão com Deus, desenvolvendo a sua salvação em santificação. Fazendo eco ao Salmo 34.8,[11] testa, então, a sua experiência com Deus: “Se é que já tendes a experiência de que o Senhor (ku/rioj) é bondoso” (1Pe 2.3).
7) É o Senhor Longânimo e perdoador
Você seria paciente com os rebeldes se detivesse todo o poder de determinar, executar a sua deliberação e total controle das consequências? Possivelmente não.
O Senhor, no entanto, é longânimo conosco, visando a nossa salvação: “Não retarda o Senhor (ku/rioj) a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo(makroqume/w) para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9,15/Rm 2.4).
O objetivo de Deus em sua clemência é levar os homens ao arrependimento e conversão, tornando-se assim para Ele.
A longanimidade de Deus não é vingativa, antes, perdoadora. Na parábola do Credor Incompassivo, o servo, sincero, mas com uma visão otimista de sua capacidade, suplica ao seu senhor pedindo-lhe “paciência”: “26 Então, o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente (makroqume/w) comigo, e tudo te pagarei. 27 E o senhor (ku/rioj) daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18.26-27).
Em nossa salvação vemos a longanimidade de Jesus Cristo.
Paulo, antigo Saulo, experimentou de modo intenso a paciência de Deus para com Ele, dá o seu testemunho: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade(makroqumi/a), e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna”(1Tm 1.16).[12]
Do mesmo modo, Pedro escreve: “…. Tende por salvação a longanimidade (makroqumi/a) de nosso Senhor (ku/rioj), como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada”(2Pe 3.15).
Notemos que a longanimidade de Deus não significa indecisão, antes, dentro do seu propósito, ela é exercitada a fim de que todos aqueles que constituem o Seu povo escolhido, se arrependam de seus pecados e sejam salvos (2Pe 3.9,15).
Maringá, 29 de abril de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Para um estudo mais abrangente da misericórdia de Deus a partir do Salmo 32, veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Deus de Misericórdia, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2023.
[2]“Todos, sem exceção, são carentes de sua misericórdia” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.6), p. 49).
[3]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.1), p. 39.
[4] “A misericórdia não é um direito ao qual o homem faz jus. A misericórdia é aquele atributo adorável de Deus, pelo qual tem dó dos miseráveis e os alivia” (A.W. Pink, Deus é Soberano,Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 23). “É em razão de ser misericordioso que Deus primeiro nos recebe em sua graça, e então prossegue nos amando” (João Calvino, As Pastorais,(1Tm 1.2), p. 27).
[5] Cf. R.C. Sproul, A mão invisível, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 82ss.
[6] K. Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 76.
[7]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6.4), p. 128-129.
[8] “Somos reconciliados com Deus por intermédio da graça de Cristo, seguindo uma única via: recorrendo a sua morte e crendo que, aquele que foi cravado na cruz, é a única vítima sacrificial por meio da qual toda nossa culpa é removida” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.29), p. 70).
[9]“Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam” (Rm 10.12).
[10] Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.2), p. 163.
[11]“Oh! Provai e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia” (Sl 34.8).
[12] “Paulo é um exemplo vivo da paciência divina, uma prova da misericórdia de Deus para com os pecadores” (U. Falkenroth; C. Brown, Paciência: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 376).