Uma oração intercessória pela Igreja (157)
8.6. A Igreja como expressão e agente da Glória do Deus Triúno
Portanto, se queremos ter um só e único Deus, lembremo-nos de que, na verdade, não se deve subtrair de sua glória nem sequer uma partícula, senão que deve conservar para ele o que é seu por direito. – João Calvino.[1]
“7Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. 8Quem é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. 9Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória (dAbK’) (kabod). 10Quem é esse Rei da Glória (dAbK’) (kabod)? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória (dAbK’) (kabod)” (Sl 24.7-10).
“Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória (dAbK’) (kabod), por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade” (Sl 115.1).
Os textos acima refletem o que as Escrituras nos ensinam com ênfase luminosa: Deus é o Senhor a Glória. Devemos glorificar o seu nome em todos os atos de nossa vida.
A glória pertence a Deus e, por extensão ao seu reino visto que Ele mesmo não é glorioso pelo seu reino, mas, o seu reino e reinado são grandiosos porque Deus é o Rei da glória. A glória não está originariamente no que Deus realiza, mas, no fato de Deus ser autoglorioso e, por isso mesmo, realizar obras gloriosas.
A glória de Deus relaciona-se de modo especial à sua santidade. Por isso, aquilo que é oculto em Deus (santidade) revela-se em seus atos gloriosos. Desse modo, toda a Criação é santa e gloriosa.
Senhor Santo e Glorioso
Não há relação que possamos fazer por nós mesmos para descrever, mensurar, ou mesmo, comparar à santidade de Deus. Podemos nos valer daquelas relações que Ele mesmo faz, estabelecendo uma conexão a fim de que possamos entender, limitada, porém, genuinamente, aspectos de sua Glória.
Por isso, quando a palavra santo se refere a Deus, relaciona-se com a sua Majestade. Ele não se confunde com a sua criação. Ele a transcende qualitativamente em todos os modos. Ele está acima de tudo o que existe. E tudo que existe é sustentado por Deus.
“A santidade de Deus, dessa forma, se torna uma expressão da perfeição do seu ser, a qual transcende toda as criaturas”, comenta Naude.[2] Somente Ele é absolutamente santo; não há nem haverá outro.[3] Portanto, somente o Senhor é o Rei Glorioso.
A glória de Deus é uma expressão de sua santidade. Deus é santo e a visibilidade de sua santidade é chamada de glória.
Piper, provavelmente inspirado em Motyer (1924-2016),[4] escreve:
A glória de Deus é a manifestação de sua santidade. A santidade de Deus é a perfeição incomparável de sua natureza divina. Sua glória é a exibição dessa santidade. (…) A santidade de Deus é sua glória oculta. A glória de Deus é a sua santidade revelada.[5]
Glória Excelsa revelada a todos os povos
Escreve o salmista: “Excelso (~Wr) (rum) (= exaltado) é o SENHOR, acima de todas as nações, e a sua glória (dAbK’) (kabod), acima dos céus” (Sl 113.4/Sl 138.5-6).
A natureza, ainda que relativamente de forma diminuta, expressa aspectos da glória do Rei eterno evidenciando o seu glorioso poder entre todas as nações: “Os céus anunciam a sua justiça, e todos os povos veem a sua glória (dAbK’) (kabod)” (Sl 97.6).
Em toda a terra a glória de Deus é manifesta: “Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus; e em toda a terra esplenda a tua glória (dAbK’) (kabod)” (Sl 108.5).
Bavinck comenta:
Para essa glorificação de si mesmo Deus não precisa do mundo, pois não é a criatura que independente e suficientemente exalta a honra de Deus; pelo contrário, é Ele que, por meio de suas criaturas ou sem elas, glorifica Seu próprio nome e revela-se a si mesmo. Deus, portanto, nunca procura a criatura para encontrar algo de que esteja precisando.[6]
A glória da criação não se compara à glória de Deus
Por mais gloriosa que seja a criação de Deus − mesmo antes da Queda − expressando aspectos do seu Criador, tais como: beleza, grandeza, soberania, sabedoria, harmonia e bondade, ela não se compara ao Criador que é extremamente mais glorioso do que toda a criação. A beleza pura, plena e consumada só temos absolutamente em Deus.
Por isso, a obra de Deus não é um ato isolado de sua glória ou um ato de “superação” – como a de um artista que se supera na criação de sua “obra-prima” –, antes é a expressão compreensível a nós de sua transcendente glória que ultrapassa totalmente à nossa capacidade de compreensão (Rm 11.33-36/Jó 36.22,26; 37.5,16).
A glória de Deus está expressa em tudo o que realiza. A natureza de Deus se evidencia em todas as suas realizações. Porém, como acentua Allen:
Essas relações conosco não conseguem revelar e não revelam a essência divina para nós; pois a criação é um efeito de Deus. A encarnação e nossa recepção da nova vida vêm dela também são resultados da ação de Deus. Todos estes efeitos de Deus não esgotam a magnitude de sua fonte. Um efeito, mesmo grande, não pode revelar a plena extensão ou natureza de sua fonte inexaurível. Assim, até mesmo nos atos de criação e redenção, a natureza essencial de Deus, ou Seu ser não é conhecível. Embora essa natureza essencial esteja presente, e presente de maneira inédita na encarnação, nós não podemos compreendê-la plenamente. As ações de Deus nunca exaurem a natureza divina, e nós conhecemos a Deus somente quando Ele age ou se relaciona conosco.[7]
São Paulo, 21 de setembro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]João Calvino, As Institutas I.12.3.
[2]Jackie A. Naude, Qds: In: Willem A., VanGemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011,v. 3, p. 876.
[3] “Sua santidade é sua essência divina totalmente única, transcendente, pura, a qual, em sua singularidade, tem valor infinito. Ela determina tudo quanto ele é e faz e não é determinada por ninguém. A sua santidade é o que ele é como Deus, o que ninguém mais é nem nunca será” (John Piper, Na sala do trono: In: Kathleen B. Nielson; D.A. Carson, orgs. Este é o nosso Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 61).
[4]“A santidade é a glória escondida de Deus; a glória é a santidade onipresente de Deus” (Alec J. Motyer, O Comentário de Isaías, São Paulo: Shedd, 2016, p. 101).
[5]John Piper, Na sala do trono: In: Kathleen B. Nielson; D.A. Carson, orgs. Este é o nosso Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 61,62.
[6]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 183.
[7]Diógenes Allen; Eric Springsted, Filosofia para entender Teologia, 3. ed., Santo André, SP.; São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010, p. 25-26. Veja-se: João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 3, p. 13.