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Uma oração intercessória pela Igreja (155) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (155)

              13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante  (Continuação)

           David M. Lloyd-Jones (1899-1981) certamente foi um dos expositores bíblicos mais influentes do século XX. Em certa ocasião, alguns homens comentando a respeito de seus dotes variados, ouviram de sua esposa, Bethan Lloyd-Jones (1898-1991): “Ninguém entenderá o meu marido enquanto não perceber que ele é primeiramente um homem de oração e, depois, um evangelista”.[1]

Piper, quem admite sua grande dívida para com Lloyd-Jones, apresentando sugestões para que os pregadores cultivem a seriedade e a alegria necessárias na pregação, entre outros preceitos, diz: “Somos chamados ao ministério da Palavra e da oração, porque sem oração o Deus de nossos estudos será o Deus que não assusta, que não inspira, oriundo de uma prática acadêmica ardilosa”.[2]

            Nós também, como pastores, não devemos omitir a verdade por medo de desagradar alguém ou, por temer as consequências do ensino da verdade. Temos de nos lembrar de que somos instrumentos da verdade e não o inverso. Não nos cabe manipular a verdade ao nosso alvitre; temos de pregar a Palavra fiel (1Tm 1.15) com integridade, pois sendo fiéis à Palavra, estamos sendo fiéis ao seu Autor: Deus. Não somos senhores do texto, antes, seus servos.[3] Somos chamados a expor as Escrituras em sua inteireza e profundidade, não as nossas teorias.[4] Quando expomos a Palavra devemos estar solidamente convencidos de que aquela mensagem é proveniente do texto.

            O pregador não “compartilha”   experiências, não simplesmente dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, prega a Palavra. Seu objetivo é expressar o que Deus disse por meio de seus servos.  Anunciar o Evangelho é anunciar a Cristo, não as nossas impressões ou percepções. O Evangelho é de Deus, não nos pertence. Posso compartilhar minhas intuições e reflexões. O Evangelho, no entanto, é para ser pregado.[5]

Insistimos: Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o seu povo. “Quando nos propomos a expor um texto, precisamos declarar exatamente o que o texto afirma”.[6]

            Sei que muitas vezes nos tornamos mais encantados com nossas teorias do que com as Escrituras. Isto é simples de explicar: somos pecadores e vaidosos! Contudo, Deus transforma vidas por meio do Evangelho; este sim é o seu poder (Rm 1.16). As nossas hipóteses, por mais “brilhantes” que sejam, devem ser submetidas às Escrituras, mais ainda: devem partir da Palavra.

            Chapell fala-nos de forma contundente:

Apenas pregadores comprometidos em proclamar o que Deus diz têm o imprimatur da Bíblia sobre sua pregação. Desse modo, a pregação expositiva se empenha em descobrir e propagar o significado preciso da Palavra. A Escritura exerce domínio sobre o que os expositores pregam, pois eles esclarecem o que ela diz. O significado da passagem é a mensagem do sermão. O texto governa o pregador. Pregadores expositivos não esperam que outros reverenciem suas opiniões. Tais ministros aderem às verdades da Escritura e esperam que seus ouvintes tenham o mesmo cuidado.[7]

            Num cristianismo brasileiro repleto de superstições, assim como foi o caso no período da Reforma Protestante, a teologia deve ter o sentido de resgatar a pureza dos ensinamentos bíblicos a fim de purificar a mensagem que tem sido transmitida ao longo dos séculos.[8]

            Notemos, portanto, que a teologia tem um compromisso com a edificação da Igreja (Ef 4.11-16): A Igreja é enriquecida espiritualmente com os ensinamentos da Palavra, os quais cabem à teologia organizar. “A teologia é o sustento da vida cristã”. Ela “alicerça a vivência cristã”.[9] Deste modo, vale a pena lembrar a observação de Barth (1886-1968): “O pregador (…) com toda modéstia e seriedade, deve trabalhar, lutar para apresentar corretamente a Palavra, sabendo perfeitamente que o recte docere só pode ser realizado pelo Espírito Santo”.[10] Lutero (1483-1546) já recomendara: “A pregação e a oração estão sempre juntas”.[11]

            Todavia, quando nos distanciamos da Palavra terminamos por substituí-la por elementos que julgamos poder entreter ou instruir intelectualmente o povo. A teologia contemporânea que, em determinados grupos, cada vez mais se confunde com uma ciência social, tende simplesmente a apresentar uma mensagem puramente intelectualizada.

Veith constata com acerto:

Para se tornar intelectualmente respeitável, e ser aceita como instrução acadêmica legítima, a teologia contemporânea com frequência rejeitou a sua substância tópica. A teologia contemporânea muitas vezes deixa de ser Teologia. Em vez disso, torna-se Psicologia, Sociologia, Filosofia ou Política. O sobrenatural é excluído em favor de explicações naturalistas a ponto que a Teologia ter de, por sua própria metodologia, excluir Deus.[12]

            Como temos insistido, a Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age por meio das Escrituras produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1Co 1.21; 1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14).[13]

            A Igreja por si só não produz vida, todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), por intermédio da sua Palavra vivificadora. Deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.

            É uma tentação por demais sutil, nem sempre perceptível, “amenizar”, torcer a Palavra de Deus, para – num desejo pretensioso –, tornarmo-nos mais “agradáveis” aos nossos ouvintes. Contudo, como mestres cristãos que somos, devemos ter como preocupação primordial ser instrumentos de Deus para que a sua Palavra fale por meio de nós; que o texto se torne mais expressivo por intermédio da explicação que apresentamos amparada na análise do contexto, numa boa exegese e em harmonia com a Bíblia em seu todo, tendo o Espírito como o nosso iluminador na compreensão e transmissão da verdade.

Chapell define exegese como “o processo mediante o qual os pregadores descobrem as definições e as distinções gramaticais das palavras num texto”.[14] MacArthur enfatiza: “Ninguém tem o direito de ser um teólogo se não for um exegeta”.[15] Notemos que esta é uma grande responsabilidade; por isso – devido à necessidade que temos de ensinar com precisão a Palavra de Deus –, o mestre deve ter cuidado com o que ensina.[16]

            Deus chama os presbíteros para pastorear (poimai/nein) a Igreja (At 20.28); atribuição que envolve o alimento, conforto, proteção, cuidado e disciplina.

Calvino corretamente comenta: “A tarefa dos mestres consiste em preservar, e propagar as sãs doutrinas para que a pureza da religião permaneça na Igreja”.[17]

Maringá, 15 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Citado em Iain H. Murray, A Vida de Martyn Lloyd-Jones 1899-1981: Uma biografia, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 334.

[2]John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 57.

[3] “O pregador é chamado para ser servo da Palavra” (R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da Pregação. In: Ligon Duncan, et. al., Apascenta o meu rebanho, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 17). “O pregador deve servir ao texto….” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 20).

[4]“O dever do homem que ocupa o púlpito não é proferir as suas palavras, mas ser bíblico. Cabe-lhe expor esta Palavra porque é a Palavra de Deus, e lhe cabe falar a palavra que o Espírito Santo o habilita a falar” (D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 19). Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 67.

[5]“O Evangelho não é algo inventado pelas percepções dos profetas ou pregadores, mas esse Evangelho vem do próprio Deus. Ele o possui. É sua propriedade. Portanto, quando proclamamos o Evangelho, estamos proclamando uma mensagem que não é nossa” (R.C. Sproul, O Pregador Mestre: In: R. Albert Mohler, Jr., et. al. Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, [p. 81-99], p. 95). Deparei-me com uma compreensão semelhante à minha: “Não somos chamados a ‘compartilhar’ a Palavra e certamente não fomos chamados a fazer ‘parte do discurso’ sobre a Palavra. Somos chamados a proclamar a Palavra e para fazer isso com autoridade” (Tom Pennington, Pregando no poder do Espírito: In: John, MacArthur, ed. O Pastor como Pregador. Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, [p.  147-163], p. 151).

[6]Kenneth A. Macrae, A Pregação e o Perigo do Comprometimento: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 7, 2000, p. 4.

[7]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 24. “Nosso comprometimento com a eficiência única da Escritura significa que desejamos estar seguros de estar dizendo o que a Bíblia diz” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 40).

[8] Cf. Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 24.

[9]Stanley J. Grenz; Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus e sua relação com o ser humano, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 46 e 47.

[10] Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 46.

[11]M. Luther, Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, v. 2, (Gn 13.4), p. 333.

[12] Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 54.

[13] “Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.8-17). “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (1Co 1.21). “Portanto, seja eu ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes” (1Co 15.11). “Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de Deus na verdade” (Cl 1.3-6). “Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes. Tanto é assim, irmãos, que vos tornastes imitadores das igrejas de Deus existentes na Judéia em Cristo Jesus; porque também padecestes, da parte dos vossos patrícios, as mesmas coisas que eles, por sua vez, sofreram dos judeus” (1Ts 2.13-14). (Destaques meus).

[14] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 113.

[15]John F. MacArthur Jr., Princípios para uma Cosmovisão bíblica: Uma mensagem exclusivista para um mundo pluralista,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 50. “Se não nos propusermos a ser estudantes de língua e literatura além de teologia, sempre seremos limitados na capacidade de ‘manejar bem a palavra da verdade’.” (Andreas J. Köstenberger; Richard D. Patterson, Convite à interpretação bíblica: A tríade hermenêutica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 580). “Não haverá um pregador verdadeiro, se tudo o que ele disser não estiver fundamentado em exatidão exegética. Pecamos quando pregamos aquilo que achamos que as Escrituras afirmam, e não pregamos o seu verdadeiro significado. Também pecamos quando pregamos os pensamentos que a Palavra desperta em nosso intelecto e não aquilo que a Palavra realmente declara. Um arauto é um traidor, se não transmite exatamente o que o Rei diz” (Stuart Olyott, Pregação pura e simples, São José dos Campos, SP.: Fiel, © 2010, 2012 (Reimpressão), p. 29).

[16]“Pastores precisam lembrar-se desde o início de que quando eles vão para o púlpito, estão lá para explicar a Palavra do Deus vivo com clareza e precisão, não para impressionar as pessoas com sua inteligência ou para entretê-las com opiniões humanas” (John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 140).

[17]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.28), p. 390. Do mesmo modo, acentua MacArthur: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e proclamá-la” (John F. MacArthur, Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 29).

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