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Uma oração intercessória pela Igreja (154) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (154)

          13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante  (Continuação)

            Segundo Calvino, os ministros devem ter consciência da graça de Deus em seu ministério; eles são servos como os demais, tendo, contudo, uma tarefa especial:

Ministros são aqueles que colocam seus serviços à disposição de Cristo, para que alguém possa crer nele. Além do mais, eles não possuem nada propriamente seu do quê se orgulhar, visto que também não realizam nada propriamente seu, e não possuem virtude para excelência alguma exceto pelo dom de Deus, e cada um segundo sua própria medida; o que revela que tudo quanto um indivíduo venha a possuir, sua fonte se acha em outrem. Finalmente, ele os mantém todos juntos como por um vínculo comum, visto que tinham necessidade do auxílio mútuo.[1]

            A consciência do apóstolo estava tranquila na certeza de ter cumprido a sua missão dentro do tempo que teve (At 20.25-27).Paulo sabia de sua responsabilidade. Como mestre cristão ele teria de prestar contas diante de Deus pelos que lhes foram confiados.

            O ensino da Palavra é algo profundamente sério; por isso a advertência de Tiago: “Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1).

            Do mesmo modo, como vimos, na instrução de Hebreus aos crentes fiéis, há uma alusão à gravidade do ministério pastoral: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam (a)grupne/w) (= vigiar, permanecer alerta, estar acordado) por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13.17).[2]

            Paulo demonstra a sua seriedade ministerial: 25 Agora, eu sei que todos vós, em cujo meio passei pregando o reino, não vereis mais o meu rosto. 26 Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos” (At 20.25-26).

            Paulo emprega uma figura aplicando-a espiritualmente. Como temos enfatizado, o apóstolo tem consciência que anunciou perseverantemente o Evangelho, portanto, não se sentirá responsabilizado se algum daqueles irmãos se desviar da fé. Certamente em apenas três anos Paulo não pôde apresentar toda a doutrina bíblica detalhadamente. Contudo, ele se esforçou por ensinar, dentro das circunstâncias da época, considerando o tempo, o nível de compreensão de seus ouvintes e os desafios apresentados à medida que pregava e convivia com os efésios, todo o desígnio de Deus.

            É muito importante que estejamos atentos às circunstâncias de nossos ouvintes, consideremos os fatos cotidianos, os ensinamentos que vigoram e as inquietações próprias de nossa geração.

            A nossa leitura da realidade a partir da Escritura nos dará uma perspectiva mais abrangente do que qualquer manual de estudos sociais, por exemplo. A Escritura propicia uma avaliação profunda e real da natureza humana porque, entre outras coisas, leva em consideração a gravidade e universalidade do pecado.

            Sem a compreensão do terrível mistério do pecado na história humana, as nossas avaliações, também já viciadas, tenderão a ser ou muito pessimistas ou otimistas. Somente Deus nos mostra de fato quem somos, os segredos de nossos corações e, o que construímos, sempre com a marca do pecado. Ao mesmo tempo, nos mostra e nos capacita a seguir o caminho definitivo em Cristo, o Deus encarnado que nos chama a si e nos conduz ao Pai (Mt 11.28-30; Jo 14.6).

            “Escutar com humildade é indispensável para a pregação relevante”, instrui Stott.[3] Por isso, devemos estar atentos à sociedade onde vivemos e, ao mesmo tempo, cultivarmos um estudo sério da Palavra a fim de ensinar com fidelidade, apresentando a mensagem de Deus a um mundo em constantes transformações e, por isso mesmo, carente de referenciais. O sermão é elaborado a partir do texto tendo como ingrediente fundamental, a sociedade dentro da qual estamos inseridos. Estes dois polos devem nos nortear em nossa elaboração e proclamação.[4]

            É extremamente estimulante ao pregador saber que os nossos sermões atendem às necessidades concretas de nossos ouvintes. Neste caso, “nossa vocação é estimulada a cada mensagem”.[5]

            A Palavra de Deus deve ser a nossa lente escrutinadora para que possamos saber ler a realidade e aplicar os ensinamentos bíblicos aos nossos ouvintes. Necessitamos, portanto, do estudo da Palavra e de oração, suplicando a Deus a sabedoria do alto para que apresentemos a doutrina bíblica de forma eficaz (Tg 1.5-6).[6] Sem oração jamais seremos competentes suficientemente.

            Antes de suas exposições bíblicas, Calvino costumava fazer a seguinte oração: “Conceda o Senhor que nos ocupemos em contemplar os mistérios de sua sabedoria celestial com devoção realmente crescente, para glória sua e edificação nossa. Amém”.[7]

Maringá, 15 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 102-103. “Não lograremos progresso a menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a nossa perseverança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que fazemos” (J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 3.7), p. 106).

[2] Pipa demonstra que uma das principais formas de cumprir essa tarefa, é por meio da visitação aos fiéis. (Veja-se: Joseph A. Pipa Jr., Visitação pastoral: uma obra esquecida,  Brasília, DF.: Monergismo, 2022.

[3]John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Vida, 2003, p. 205.

[4] “O pregador não é um homem que vive numa redoma de vidro; não é alguém que está fora deste mundo. Como qualquer um, leio meus jornais e às vezes escuto o rádio e ligo minha televisão, e noto o que está acontecendo” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 92).

[5] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 253.

[6]5 Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. 6Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento” (Tg 1.5-6).

[7] John Calvin, The Commentaries of John Calvin on the Prophet Hosea, Grand Rapids, MI.: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 13/2), 1996 (Reprinted), p. 34.

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