Uma oração intercessória pela Igreja (148)
6) Não onerar desnecessariamente a igreja: trabalho e modéstia
“33De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes; 34 vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo” (At 20.33-34).
O trabalhador é digno de seu salário. A igreja deve manter seu pastor condignamente, sem constrangê-lo. Paulo sabia e ensinava isso.
Por sua vez, o pastor deve evitar ser pesado à igreja devido aos seus gastos desnecessários, muitas vezes porque deseja ostentar um padrão superior ou seguir o padrão de determinados irmãos que tem uma situação econômica mais elevada.
O princípio da modéstia e da moderação deve reger a vida do pastor. A igreja por sua vez, tendo condições, deve suprir de forma satisfatória as necessidades de seu pastor.
Comentando Fp 2.21, Calvino escreve:
Pode estar em seu poder viver em outro lugar com maior opulência; Deus, porém, o ligou à Igreja, a qual lhe propicia apenas um bem moderado sustento; é possível que em outro lugar você tenha mais honra; Deus, porém, lhe destinou uma situação na qual você viverá num estilo humilde; talvez em outro lugar você desfrute de um céu azul, ou de uma região mais agradável; mas é aqui seu lugar designado. É possível que você desejasse conviver com pessoas mais humanas; é possível que se sinta ofendido com sua ingratidão, ou com seu barbarismo, ou orgulho; em suma, pode ser que não simpatize com a disposição ou as maneiras da nação onde se encontra, porém deve relutar consigo mesmo e de certa maneira reprimir as inclinações opostas, para que você mantenha a tarefa que recebeu; porquanto você não é livre, nem se acha à sua própria disposição. Enfim, esqueça a si próprio, caso queira servir a Deus.[1]
Aos pastores e aos crentes em geral, Calvino apresenta uma recomendação:
Os ministros devem viver contentes com uma mesa frugal, e devem evitar o perigo do regalo e do fausto.[2] Portanto, até onde suas necessidades o requeiram, que os crentes considerem toda a sua propriedade como à disposição dos piedosos e santos mestres.[3]
7) Comprometimento com a mensagem
“20jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa. (…) 34 vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo. 35Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20.20,34,35).
Paulo esforçava-se por pregar todo o desígnio de Deus e, ao mesmo tempo, ser uma carta viva para as suas ovelhas. Ele não negligenciou as suas responsabilidades; antes, cuidou daqueles que estavam próximos, entendendo que era um privilégio abençoador poder ajudar os que menos tinham. A sua mensagem, portanto, não era apenas um belo discurso, mas, um testemunho evidente e ratificador do quão a sério levava o que pregava.
8) Sem preconceitos sociais e raciais
“21 testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. (…) 26 Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos. (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. (…) 31 Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um” (At 20.21,26,28,31).
Como todos somos pecadores, independentemente de raça, cor e condição social, a mensagem do Evangelho deve ser anunciada a todos. Lembremo-nos de que o rico e o pobre são igualmente dependentes da graça de Deus. Portanto, não exclusivisemos a mensagem a grupos que julguemos “mais carentes do Evangelho”.
Se há uma coisa na qual não há distinção entre as classes, é o pecado: Todos pecaram (Rm 3.23). Portanto, a mensagem de arrependimento e fé provinda do Evangelho deve ser proclamada a todas as pessoas, sem exceção.
O apóstolo testemunhou a todos. Os nossos conceitos habituais de grandeza e miséria, sucesso e fracasso, em geral, são bastante diferentes do conceito absoluto de Deus.[4]
9) Senso de prioridade
Mesmo tendo diante de si múltiplas tarefas, inúmeras necessidades, aspirações e, naturalmente, limitações próprias, o apóstolo sabia cultivar o senso de prioridade:
22 E, agora, constrangido em meu espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, 23 senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações. 24 Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. (At 20.22-24).
A sua viagem à Jerusalém era necessária. Aliás, a sua estada em Mileto devia-se parcialmente a isso. Os sofrimentos viriam; tinha consciência. No entanto, ele não perdia a sua escala de prioridade; sabia o que lhe competia.[5] Paulo estava convencido que não veria mais aqueles irmãos (a sua colocação é enfática), isto porque o Espírito lhe revelara tal fato (23,25). Daí a sua urgência em ensinar, viajar, pregar e pregar. Ele mantinha em foco o ministério que lhe fora confiado.
A partir de uma escala de valores bíblica, é preciso ter o senso de prioridade. Saber o que Deus deseja de nós e nos apegar firmemente a isso e prosseguir. Foi assim que o apóstolo procedeu. Em nossa obediência a Deus, o nosso labor nunca será em vão (1Co 15.58).
O Reformador João Calvino (1509-1564), sabia bem o que era isso, sendo arrastado para tarefas que nem sempre desejava e mesmo compreendia, no entanto, pode escrever mais tarde:
Nada poderá encher-nos de mais coragem do que o reconhecimento de que fomos chamados por Deus. Pois desse fato podemos inferir que o nosso labor, que está sob a direção divina e no qual Deus nos estende sua mão, não ficará infrutífero. Portanto, pesaria sobre nós uma acusação muito grave caso rejeitássemos o chamado divino.[6]
São Paulo, 11 de setembro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] João Calvino, Gálatas-Efésios-Filipenses-Colossenses, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, (Fp 2.21), p. 430-431.
[2] No entanto, Calvino não era indiferente à necessidade de os ministros serem mantidos condignamente (Veja-se: João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 91-92; 156).
[3] João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 6.6), p. 181.
[4] Sobre a pregação presbiteriana no Brasil e as suas causas sociais envolvendo a emancipação da escravidão, veja-se: Boanerges Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 279-307. O Rev. Eduardo Carlos Pereira foi um ardoroso defensor da abolição. Os textos que publicou na Imprensa Evangélica foram reunidos e publicados em livro em 1886, sob o título, A religião cristã em sus relações com a escravidão, veja-se: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=222799 (Devo ao Dr. Wilson de Angelo Cunha a indicação dessa obra bem como a aplicação feita).
[5]“Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7).
[6]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.12), p. 173. Sempre é bom lembrar, que toda a sua obra foi produzida não num clima de sossego e paz, numa “torre de marfim”, mas em meio a inúmeros problemas: administrativos, domésticos, financeiros e, principalmente, de saúde. (Vejam-se: John Calvin, To Farel, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 34; John Calvin, To the Physicians of Montpellier, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], nº 665; John Calvin, To Monsieur de Falais, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], 161; T.H.L. Parker, Portrait of Calvin, London: SCM Press, 1954, p. 72; Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim,São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 131-132; David Mathis, Introdução: A glória divina e a labuta diária. In: John Piper; David Mathis, eds. Com Calvino no Teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 15-16 (em especial).