Uma oração intercessória pela Igreja (126)
8.4. Cristo como cabeça da Igreja e a nossa responsabilidade (Continuação)
Todas as bênçãos, todos os privilégios da vida cristã, emanam do fato de que estamos unidos a Cristo. Jesus Cristo não é uma peça decorativa, ou simbólica, antes, dele provém toda glória, poder e autoridade. A criação foi estabelecida nele e para ele.
16 pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. 17 Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. 18Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia. (Cl 1.16-18).
Com o pecado, a condição de Cabeça da Criação assume aspecto redentivo. O Senhor que comprou a Igreja com o seu próprio sangue, nos conduz de volta a Deus. Ele mesmo nos comunica as bênçãos adquiridas para nós por meio de sua morte e ressurreição.[1] Todos os servos de Deus, por mais proeminentes que sejam ou tenham sido, não têm vida em si mesmos.[2] Independência é morte (Jo 15.1-8).[3]
“Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cristo”, exulta Calvino.[4] Portanto, não podemos separar o que Deus prazerosamente uniu desde a eternidade.
Bavinck acentua com precisão:
A doutrina de Cristo não é o ponto de partida, mas certamente é o ponto central de todo o sistema dogmático. Todos os outros dogmas ou preparam para ela ou são inferidos dela. Nela, que é o coração da dogmática, pulsa toda a vida eticorreligiosa do Cristianismo.[5]
Ao longo da história, a igreja tem enfrentado os mais variados ataques, perseguições, heresias, tentações, esfriamento de sua fé. No entanto, Cristo supre a Igreja com tudo o que é necessário para a sua existência e crescimento. Ele a prepara para os momentos de paz, bonança e, também para as intempéries, guerras, perseguições e abatimentos. A igreja nunca viveu sem oposição e, paradoxalmente, essa costuma ser a sua melhor fase.[6]
A Confissão de Westminster retrata com propriedade:
As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele mesmo. (XXV.5).
No entanto, o Senhor, o único cabeça da igreja a tem preservado, mesmo quando, por vezes, tudo parece perdido, como foi no período que antecedeu à Reforma (1517), durante o Iluminismo na Europa (1650-1800) e mesmo, de forma muito mais sutil, com o ecumenismo nos anos de 1960 e na falta de sentido de verdade do homem contemporâneo e mesmo em determinados círculos evangélicos.[7] Deus, o Cabeça da Igreja evidencia de forma poderosa o seu governo por meio de uma volta às Escrituras.
O Senhor não abandona a sua Igreja a despeito dos mais violentos e sutis ataques de Satanás. Ele está no controle. Portanto, a Igreja que pretende ter outro cabeça não pode ser a verdadeira Igreja de Cristo. Não temos outro chefe ou cabeça, senão a Cristo, o Senhor. Mais uma vez recorro à Confissão de Westminster:
Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; em sentido algum pode ser o Papa de Roma o cabeça dela, mas ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus. (XXV.6).
“A pregação expositiva exalta o senhorio de Cristo sobre a igreja dele”, enfatiza MacArthur.[8] Ela cumpre perfeitamente esse papel, sendo fiel à Palavra e ao Senhor da Palavra que nos governa por meio dela.[9] A pregação expositiva reconhece a glória de Deus, exalta a Cristo e a sua Palavra. Assim, a pregação que não exalta a Cristo está distante de seu alvo.[10]
Somente a pregação expositiva da Escritura faz jus ao seu tema central que é Jesus Cristo para onde tudo converge. Enquanto não resgatarmos esta sincera compreensão bíblica e a sua prática ardorosa e sistemática, a igreja estará fadada a viver em uma profundidade meramente epidérmica do que nos foi dado conhecer e vivenciar.
É observável historicamente que os momentos de maior fortalecimento da igreja sempre estiveram associados à compreensão da natureza gloriosa de Jesus Cristo. Por outro lado, a igreja entra em profunda decadência espiritual, a sua pregação se desvia das Escrituras, quando ela perde a dimensão da glória, grandeza e singularidade de Jesus Cristo. Fica claro que a pregação expositiva e, por sua vez, o seu abandono, é um dos indicadores do lugar que Cristo ocupa na igreja. O nível espiritual da igreja nunca está acima de seu púlpito.
Maringá, 05 de agosto de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Veja-se: João Calvino, evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2015, v. 2, (Jo 17.21), p. 200-201.
[2]Veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 182-183.
[3]Veja-se: D. M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 410-411.
[4]João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.
[5]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: O pecado e a salvação em Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 279. Vejam-se: Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona: Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-28; Donald M. Baillie, Deus Estava em Cristo,São Paulo: ASTE., 1964, p. 51; Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã,São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990, v. 1, p. 459; Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 275.
[6] Veja-se: Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 93.
[7]“Hoje vivemos numa igreja que se incomoda menos com a verdade que com qualquer artigo. O amor à verdade não é nem mesmo uma virtude: é um defeito, porque a verdade divide as pessoas. A verdade causa controvérsia. A verdade causa debate. A verdade causa transtorno aos relacionamentos. A verdade crucifica pessoas. Jesus afirmou: ‘Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz’ (Jo 18.37)” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 19).
[8]John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 141.
[9] “Toda a eminência que os mestres porventura possuam entre si não deve impedir a Cristo de ser o único a governar sua Igreja nem de governá-la exclusivamente por meio de sua palavra” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3. 29), p. 143).
[10]Veja-se: Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 25.