Uma oração intercessória pela Igreja (108)
B) “Até Aos Confins da Terra” (Continuação)
O Cristianismo tornara-se popular, sendo seus cultos muito concorridos.[1]
No entanto, nem tudo era tranquilo. Se por um lado as perseguições cessaram, por outro, vemos que, no quarto e quinto séculos, tornam-se evidentes a influência das religiões de mistério no culto. O antigo respeito para com os mártires transformou-se em culto, surgindo a partir daí um “cristianismo popular de segunda classe”.
Aos poucos os novos convertidos tendiam a transferir a Deus, aos apóstolos e mártires, parte da reverência dos antigos cultos prestados a poderes miraculosos que atribuíam aos seus antigos deuses pagãos. Partindo dessa prática foi apenas um passo para que os apóstolos, os anjos e Maria passassem a ser adorados. O culto cristão pouco a pouco se paganizara.
Calvino nos orienta pastoralmente: “A Igreja será sempre libertada das calamidades que lhe sobrevêm, porque Deus, que é poderoso para salvá-la, jamais suprime dela sua graça e sua bênção”.[2] Portanto, “se algo de adverso lhe houver ocorrido, aqui também o servo do Senhor de pronto elevará a mente para com Deus, cuja mão muito vale para imprimir-nos paciência e serena moderação de ânimo”.[3]
As perseguições geradas pelo Evangelho se constituem em evidência de que a nossa proclamação tem sido fiel e, ao mesmo tempo, em oportunidade para que testemunhemos:
Antes, porém, de todas estas coisas, lançarão mão de vós e vos perseguirão (diw/kw), entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome; 13 e isto vos acontecerá para que deis testemunho (martu/rion) (Lc 21.12-13).
O Espírito alimenta a Igreja, fazendo-a crescer espiritual e numericamente. Creio que o crescimento significativo ocorre nesta ordem. Quando a Igreja conhece a Palavra e a pratica, prega com maior autoridade e, enquanto anuncia e vive o evangelho, o Senhor, por sua misericórdia, acrescenta o número de salvos. É justamente isto que vemos em Atos: a Igreja pregava a Palavra com fidelidade, vivendo o evangelho com sinceridade e o Espírito fazendo a Igreja crescer.
A melhor estratégia é a do Espírito Santo e o método infalível de Deus é a pregação fiel da Palavra. A pregação do evangelho compete ordinariamente a nós; é função exclusiva da Igreja; não há outra entidade, agremiação ou organização a que Deus tenha incumbido deste privilégio responsabilizador. “A Igreja é uma instituição especial e especialista, e a pregação é uma tarefa que somente ela pode realizar”.[4] No entanto, o crescimento, é obra do Espírito (At 2.47; 4.4; 6.7; 9.31; 12.24; 14.1; 16.4-5).[5]
O nosso trabalho deve ser feito com total confiança em Deus, sabendo que cabe a Ele converter o coração do homem e, que a rejeição do Evangelho neste momento não implica necessariamente na rejeição absoluta. Esta convicção nos estimula a trabalhar com fervor e alegre perseverança como nos instrui o Reformador:
Visto que a conversão de uma pessoa está nas mãos de Deus, quem sabe se aqueles que hoje parecem empedernidos subitamente não sejam transformados pelo poder de Deus em pessoas diferentes? E assim, ao recordarmos que o arrependimento é dom e obra de Deus, acalentaremos esperança mais viva e, encorajados por essa certeza, aceleraremos nosso labor e cuidaremos da instrução dos rebeldes. Devemos encará-lo da seguinte forma: é nosso dever semear e regar e, enquanto o fazemos, devemos esperar que Deus dê o crescimento (1Co 3.6). Portanto, nossos esforços e labores são por si só infrutíferos; e no entanto, pela graça de Deus, não são infrutíferos.[6]
Observemos, também, que, muitas vezes, a responsabilidade do não crescimento da Igreja está em nós, que nos entregamos a uma letargia espiritual, não amadurecendo em nossa fé e, consequentemente, não apresentando um testemunho genuíno (Vejam-se: Hb 5.11-14/1Co 3.1-9; Ef 4.11-16).
Portanto, preguemos a todos[7] com interesse sincero, de forma inteligente, com amor e entusiasmo. Quanto aos resultados, estes pertencem a Deus; escapam da nossa esfera de ação e domínio.[8] Aproveitemos também as oportunidades concedidas por Deus: “Lembremo-nos, escreve Calvino, de que a porta se nos abriu pela mão de Deus a fim de que proclamemos Cristo naquele lugar, e não recusemos aceitar o generoso convite que Deus assim nos oferecer”.[9]
Maringá, 17 de julho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Sobre o intenso crescimento no Cristianismo nos primeiros séculos, vejam-se algumas projeções amparadas em boa documentação, em Rodney Stark, O Crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história, São Paulo: Paulinas, 2006.
[2] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 3.8), p. 88. “Sempre que nossas mentes se agitam e caem em perplexidade, devemos trazer à memória a seguinte verdade: sejam quais forem os perigos e apreensões que porventura nos ameacem, a segurança da Igreja que Deus estabeleceu, por mais dolorosamente abalada ela seja, por mais poderosamente assaltada, jamais poderá ser demasiadamente enfraquecida e envolvida em ruína” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 48.8), p. 362). Ver também: João Calvino,As Institutas,I.17.6.
[3] João Calvino, As Institutas,I.17.8. Veja-se também: João Calvino, O Livro dos Salmos,(Sl 25.4), v. 1, p. 541; João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 46.3), p. 331.
[4] D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 23.
[5]“Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47). “Muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil” (At 4.4). “Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7). “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31). “Entretanto, a palavra do Senhor crescia e se multiplicava” (At 12.24). “Em Icônio, Paulo e Barnabé entraram juntos na sinagoga judaica e falaram de tal modo, que veio a crer grande multidão, tanto de judeus como de gregos” (At 14.1). “Ao passar pelas cidades, entregavam aos irmãos, para que as observassem, as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém. Assim, as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número” (At 16.4-5).
[6]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.25), p. 246-247.
[7]“…. é nosso dever proclamar a bondade de Deus a toda nação” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7, (Is 12.5), p. 403).
[8]Veja-se: João Calvino, As Institutas, II.5.5,7; III.24.2,15.
[9]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995, (2Co 2.12), p. 52.