Uma oração intercessória pela Igreja (102)
7.4.4. Suprema grandeza do poder de Deus para conosco (19)
Para nós não há pior obstáculo do que nosso orgulho pessoal; pois sempre queremos ser mais sábios do que o somos, e por isso rejeitamos com diabólico orgulho tudo quanto nossa própria razão não pode explicar, como se fosse justo limitar o infinito poder de Deus segundo nossa tacanha capacidade. Em certa medida, é justo inquirirmos sobre o método e a razão das obras de Deus, contanto que seja com sobriedade e reverência. − João Calvino.[1]
O desejo por poder é algo que caracteriza o ser humano desde a queda de Adão e Eva. Redundantemente, o poder pode ser altamente corrosivo se for mal empregado. Uma de suas sutilezas, é que o uso do poder pode ser transvestido de objetivos aparentemente nobres, no entanto, com propósitos megalomaníacos e, por isso, pecaminosos.
Stott é cirúrgico ao escrever: “Mesmo a evangelização, às vezes, é uma forma disfarçada de imperialismo, uma vez que edifica impérios humanos em vez do reino de Deus”.[2]
No entanto, Paulo na sua argumentação, fala do santo e absoluto poder de Deus. Para isso, toma um fato histórico no qual o poder de Deus se manifestou de forma cabal e gloriosa: na ressurreição do Senhor Jesus e na sua glorificação. Diz o apóstolo:
19E qual a suprema (u(perba/llw) grandeza (me/geqoj) do seu poder (du/namij) para com os que cremos (pisteu/w), segundo a eficácia (e)ne/rgeia) da força (kra/toj) do seu poder (i)sxu/j); 20o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, 21acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. (Ef 1.19-21).
Aos colossenses o apóstolo argumenta semelhantemente: “Tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder (e)ne/rgeia) de Deus que o ressuscitou dentre os mortos” (Cl 2.12).
O apóstolo se vale de seis termos que, associados, conferem um sentido por demais grandioso, ainda que limitado, para descrever a supremacia gloriosa do poder de Deus. Assim, ele fala de:
a) “Suprema” (u(perba/llw) (= “ir além”, “superar”)(19). De onde vem a nossa palavra hipérbole. Tanto o verbo como o substantivo (u(perbolh/) são empregados unicamente por Paulo no Novo Testamento. O verbo é traduzido por “sobre-excelente” (2Co 3.10); “superabundante” (2Co 9.14); “suprema” (Ef 1.19; 2.7); “que excede” (Ef 3.19). O substantivo, é traduzido por “sobremaneira” (Rm 7.13; Gl 1.13); “sobremodo excelente” (1Co 12.31); “excessivamente” (2Co 1.8); “excelência” (2Co 4.7); “acima de toda comparação” (2Co 4.17); “grandeza” (2Co 12.7).
b) “Grandeza” (me/geqoj) (19). Só ocorre aqui. A palavra é empregada para descrever a grandeza física ou espiritual.[3]
c) “Poder” (du/namij) (19). Possivelmente esta seja a palavra mais utilizada no Novo Testamento para descrever o poder de Deus.
d) “Eficácia” (e)ne/rgeia) (19).[4] De onde vem a nossa palavra “energia”. A palavra aponta para uma ação eficaz em atividade com vistas à concretização de seu propósito.
Este substantivo pode também ser traduzido por “força operante” (Ef 3.7); “cooperação” (Ef 4.16); “poder” (Cl 2.12); “operação” (2Ts 2.11).
E)ne/rgeia e seus derivados, no NT, descrevem sempre um poder eficaz em atividade sobre-humana, por meio da qual a natureza de quem a exerce se revela.[5]
e) “Força” (kra/toj) (19).[6] Este substantivo também pode ser traduzido por “Valorosamente” (Lc 1.51); “Poderosamente” (At 19.20); “Poder” (1Tm 6.16; Hb 2.14); “Domínio” (1Pe 4.11; 5.11; Ap 1.6; 5.13); “Império” (Jd 25). Aponta para o poder que alguém possui ou, que é decorrente da sua posição. Na LXX, na maioria das vezes a palavra está associada ao poder de Deus (Sl 62.11).
f) “Poder” (i)sxu/j) (19).[7] Também é traduzido no Novo Testamento por “Força” (Mc 12.30.33; Lc 10.27; 1Pe 4.11; 2Pe 2.11; Ap 5.12; 7.12; 18.2).[8] Tem o sentido de “poder fazer algo”, “ter a capacidade de”, podendo ser aplicado à capacidade de exercer tal poder ou força.
Em nenhum outro texto estas palavras ocorrem de forma associada como aqui. Paulo quer enfatizar de várias maneiras a supremacia de Deus sobre todas as coisas, envolvendo a ressurreição de Cristo, evidenciando também que Ele opera com todo seu poder, força, grandeza e eficácia em nossa vida, os que cremos.
A questão é: como Deus manifestou este poder nos crentes?
Paulo pede a Deus que desvende os nossos olhos para que vejamos, entre outras coisas, a suprema grandeza do poder de Deus manifestado em nossa vida.[9]
A Palavra é rica em demonstrar aspectos do poder de Deus em diversas facetas de nossa existência.
Esbocemos isso:
7.4.4.1. O Poder de Deus na vocação, pregação e propagação do Evangelho
Lucas descreve a transformação provocada pelo Evangelho na cidade de Éfeso. Depois de narrar alguns feitos maravilhosos de Deus entre aquele povo, conclui: “Assim, a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente (kra/toj)” (At 19.20).
Paulo tem consciência de que o seu chamado para que pregasse o Evangelho, foi efetuado pelo poder operante de Deus:
Os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho; 7 do qual fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante (e)ne/rgeia) do seu poder (du/namij). 8A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo. (Ef 3.6-8).
Como é importante para o ministro ter esta consciência de sua total dependência da graça de Deus. A nossa pretensa força autônoma, é fraqueza. A nossa fraqueza é força, proveniente da poderosa misericórdia de Deus que nos sustenta.
Paulo diz que o seu ministério é sustentado pelo poder de Deus: “Porque, de fato, foi crucificado em fraqueza; contudo, vive pelo poder (du/namij) de Deus. Porque nós também somos fracos nele, mas viveremos, com ele, para vós outros pelo poder (du/namij) de Deus” (2Co 13.4/Cl 1.29; Gl 2.8).
Maringá, 16 de julho de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.9), p. 124-125.
[2] John Stott, O Chamado para líderes cristãos, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 28.
[3]Cf. W. Grundmann, Me/gaj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds., Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 544.
[4] Fp 3.21; Cl 1.19; 2Ts 2.9.
[5]Veja-se: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 51-57.
[6] Ef 1.19; 6.10; Cl 1.11.
[7] Ef 1.19; 6.10; 2Ts 1.9.
[8]Aqui temos uma variante textual.
[9]Ver também: Ef 3.16,20; Fp 3.10; Cl 1.9-11; 1Pe 1.5.