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Uma oração intercessória pela Igreja (101) - Hermisten Maia

Uma oração intercessória pela Igreja (101)

          7.4.3.4. A Riqueza final: Veremos a Deus  (Continuação)

            O escritor de Hebreus instrui à igreja: “Segui a paz com todos e a santificação (a(giasmo/j), sem a qual ninguém verá (o(ra/w) o Senhor” (Hb 12.14).

            Devemos suplicar a Deus que crie em nós um coração puro: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro (LXX: kaqaro/j) e renova dentro de mim um espírito inabalável” (Sl 51.10).

            Sem pretender ser exaustivo ou conclusivo, entendo que o ver a Deus tem dois sentidos básicos:

            a) Com o coração purificado pela Palavra temos maior sensibilidade e discernimento para ver na Criação e em nossa vida, o agir de Deus, a ação de Jesus Cristo o seu Filho, a sua direção, cuidado e proteção. Aquilo que pode parecer banal ao homem natural, para nós, há, ainda que muitas vezes por meios naturais, a manifestação sobrenatural do cuidado, da preservação e, até mesmo, da disciplina de Deus (Hb 12.6-7).

            Nós só vemos o que somos capazes de ver.[1] A título de exemplo: antes, o arco-íris era apenas um amontoado de cores; uma sinfonia, simplesmente o som de vários instrumentos. Agora, como o salmista Davi, podemos dizer: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois expuseste nos céus a tua majestade” (Sl 8.1). “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19.1).

          MacArthur escreve com agudez bíblica: “Aquele cujo coração é purificado por Jesus Cristo vê frequentemente a glória de Deus. (…) A pureza de coração purifica os olhos da alma para que Deus seja visível”.[2]

            b) Ao mesmo tempo ‒ e este é o ponto que queremos destacar e relacionar com o que estamos comentando ‒, esta bem-aventurança aponta para o futuro, de forma mais plena, quando nós nos encontraremos com o Senhor.

            Agora vemos a Deus pela fé. Na eternidade, o veremos face a face. Desse modo, por meio de Cristo veremos a Deus.[3] Aqui ainda temos a influência do pecado que obscurece os nossos olhos; na eternidade já não mais teremos este tipo de impedimento, contudo, continuaremos sendo criaturas. Nesta condição poderemos ter uma visão perfeita dentro da grandeza e limitação do que nos for revelado. Ou seja: não conheceremos tudo ‒ Deus é infinito e inesgotável ‒, no entanto, o que pudermos conhecer, o conheceremos com toda intensidade e legitimidade, sem a contaminação do pecado (1Jo 3.2).

            Quando Cristo concluir a sua obra, consumando a aplicação de nossa salvação por meio do seu Espírito, poderá então concretizar o motivo pelo qual orou antes de se entregar em sacrifício pelo seu povo:

24Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam (qewre/w) (percebam, considerem, contemplem, experimentem) a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo. 25 Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci, e também estes compreenderam que tu me enviaste. 26 Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja. (Jo 17.24-26).

            Calvino comentando sobre esta passagem, escreve:

Seu desejo não será satisfeito até que tenham sido recebidos no céu. De igual forma explico a contemplação da glória. Naquele tempo viram a glória de Cristo, assim como uma pessoa fechada no escuro obtém, através de pequenas frestas, uma luz tênue e sombria. Cristo então deseja que eles façam um progresso tal que cheguem a desfrutar do pleno esplendor do céu. Em suma, ele pede ao Pai que os conduza, por ininterrupto progresso, à plena visão de sua glória.[4]

            Nas palavras de Cristo temos o consolo de uma esperança que nos alimenta enquanto aguardamos o pleno cumprimento de sua promessa. Seja como for, a nossa felicidade e alegria quer nesta vida quer na morte, estará sempre em Cristo (Fp 1.21).[5]

            Devemos nos aproximar de Deus com o desejo de ser purificado por Ele mesmo. Somente Ele pode fazer isso e nos conduzir ao céu: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai (kaqari/zw) as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai (a(gni/zw) o coração” (Tg 4.8).

            Pedro exorta a igreja a ser achada assim pelo Senhor quando Este regressar em glória: “Por essa razão, pois, amados, esperando (prosdoka/w)[6] estas coisas, empenhai-vos (spoud/a/zw)[7] por serdes achados por ele em paz, sem mácula (a)/spiloj)[8] e irrepreensíveis (*a)mw/mhtoj = “sem mancha”, “inocente”) (2Pe 3.14).

            Deste modo, entendamos que a maior de todas as heranças que teremos, é o próprio Senhor Jesus Cristo.

           Storms comenta sobre alguns aspectos do pensamento de Calvino: “O que tornava o céu celestial para Calvino era Cristo!”.[9]

            Nós estaremos para sempre com Ele, em comunhão e plenitude de sua gloriosa presença. Esta será a nossa maior riqueza. “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque havemos de vê-lo como ele é”(1Jo 3.2).

            Esta perspectiva selada em nosso coração pelo Espírito, confere um novo sentido à nossa vida hoje, aqui e agora: “E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1Jo 3.3).

Portanto, se desejamos de fato ver a Deus devemos lutar para nos conservar puros.

            Paulo, quando se despede dos presbíteros de Éfeso, entregando a Igreja aos seus cuidados, apresenta o caminho seguro para a perseverança da igreja: confiar em Deus, obedecendo a sua Palavra: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.32).

           Este é o caminho que devemos seguir. O apóstolo orou neste sentido. O mesmo devemos fazê-lo, buscando na Palavra a direção de nosso caminhar.

Maringá, 17 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Hendriksen e especialmente Barclay (1907-1978) desenvolvem este conceito com variações estimulantes. Vejam-se: William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, v. 1, (Mt 5.8), p. 387-388; William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, v. 1, (Mt 5.8), p. 116-117.

[2] John MacArthur Jr., O Caminho da Felicidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 148.

[3]Veja-se: R.C. Sproul, A Alma em Busca de Deus: Satisfazendo a fome espiritual pela comunhão com Deus, São Paulo: Eclesia, 1998, p. 171ss.

[4] João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2015, v. 2, (Jo 17.24), p. 204. Anos mais tarde, pregando sobre Ap 21.28,  Jonathan Edwards (1703-1758) intitula seu sermão de, “Nada na Terra pode representar as glórias do céu”. À certa altura diz:

            “Parece que os cristãos serão de tal forma extremamente abençoados e gloriosos, porque desfrutarão de Deus como sua própria porção e desfrutarão plenamente da posse de todas as coisas. O Deus infinito dá-lhes a si mesmo para que desfrutem dele tanto quanto puderem. Certamente, portanto, a doutrina deve ser verdadeira, de que nada terrestre pode nos dar uma representação de sua glória; então certamente nem prata, nem ouro, nem pedras preciosas, nem coroas, nem reinos podem ser em qualquer medida comparados ao Deus infinito. Outrossim, eles também possuirão com ele, plenamente, todas as coisas. Pois eles verão a face de Deus e desfrutarão de Deus como seus próprios filhos queridos” (Jonathan Edwards, et. al., The Works of Jonathan Edwards, vol. 14: Sermons and Discourses: 1723–1729. New Haven: Yale University Press, 1997, p. 154. Apud Albert Mohler Jr., O Credo dos Apóstolos, Rio de Janeiro: Pro Nobis Editora, 2021, p. 216-217).

[5] “Com toda certeza, é somente Cristo que nos faz felizes, quer na morte, quer na vida; de outro modo, se a morte for miserável, a vida de modo algum é mais feliz; de modo a ser difícil determinar se é mais vantajoso viver ou morrer fora de Cristo. Em contrapartida, se Cristo está conosco, e abençoar nossa vida, tanto quanto nossa morte, então ambas nos serão felizes e desejáveis” (João Calvino, Gálatas-Efésios-Filipenses-Colossenses,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, (Fp 1.21), p. 393).

[6] O verbo prosdoka/w tem o sentido de olhar com expectação, “antever alguém ou algo”, “esperar ou aguardar por”. Pedro emprega a mesma palavra nos versos 12,13 e 14.

[7] Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT (* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14). Significa: ser diligente, esforçar-se, ser solícito, ser zeloso com entusiasmo ardente. O termo empregado é da mesma raiz da palavra usada no verso 12, traduzida por “apressando” (ARA). Spouda/zw denota uma diligência, um “entusiasmo ardente” que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. Apenas para ampliar a compreensão da palavra, cito o fato de que Paulo, preso em Roma, pede a Timóteo esta urgência em encontrá-lo (2Tm 4.9,21). Depois, em outro contexto, solicita o mesmo a Tito (Tt 3.12). Esta palavra tem também uma implicação ética, visto que está associada, por exemplo, ao esforço que os crentes devem despender em manter a unidade (Ef 4.3), ao zelo em socorrer a outros irmãos (Gl 2.10; 2Co 8.7,8,16) e, em corrigir uma injustiça (2Co 7.11-12).

[8]*1Tm 6.14; Tg 1.27; 1Pe 1.19; 2Pe 3.14. Significa imaculado, incontaminado.

[9] Sam Storms, Com um pé levantado: Calvino, a glória da ressurreição final e o céu: In: John Piper; David Mathis, Com Calvino no teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 96.

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