Uma fé que investiga e uma ciência que crê (5)
1.2. Pensamentos inatingíveis
“Quão grandes (ld;G”) (gadal), SENHOR, são as tuas obras! Os teus pensamentos (hb’v’x]m;) (machashabah) (desígnios,[1] intentos) que profundos!” (Sl 92.5).[2]
Os seus desígnios, por serem verdadeiros e provenientes do Deus santo, justo e soberano, são inumeráveis e eternos: “O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios (hb’v’x]m;) (machashabah) do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33.11).
Aqui já nos deparamos com algo grandioso demais para nós. Pensamos sempre em termos de causa e efeito e, dentro da categoria tempo e espaço repletos de circunstâncias temporais, geográficas, culturais e pessoais.
Curiosamente foi dentro dessas categorias tão importantes para nós, que Deus se revelou. Deus se dá a conhecer também na história onde desenvolve o seu propósito glorioso. As Escrituras se constituem em grande parte em uma narrativa inspirada dos efeitos decorrentes da obediência e desobediência do povo Deus. ***A história vivencia a doutrina, a ilustrando em suas narrativas.
Por exemplo, no Salmo 1, que prefacia o livro de Salmos,[3] vemos narrados os efeitos da obediência à Lei e as consequências de seguir um caminho totalmente autônomo.
O salmista inicia o Salmo falando sobre o homem bem-aventurado, estabelecendo uma distinção entre os “piedosos” e “pecadores”. “O primeiro salmo encontra-se no pórtico da coleção dos salmos como um guia que em linhas claras indica a direção da vida”.[4] Temos aqui, portanto, uma reflexão sobre as escolhas humanas e as suas consequências. Ou, positivamente: “O Livro dos Salmos é um manual de instruções para viver uma vida verdadeiramente feliz”.[5]
Os homens buscam a felicidade por meio de seus expedientes terrenos ou mesmos transcendentes, contudo, sempre partindo daqui de baixo. Deus propõe em sua Palavra o caminho da felicidade. A sua origem está em cima, o caminho começa pelo eterno passando pelo tempo. Deus sabe o que desejamos, sabe o melhor para nós e, ao mesmo tempo, apresenta-nos o caminho para alcançar o que Ele tem para nós. A felicidade é-nos proposta por Deus não de forma automática, mas, pelo caminho da obediência aos seus preceitos.[6] O divisor de águas sempre terá uma linha. As consequências podem não ser vistas ali, contudo, elas aparecerão.[7]
Conforme citado, o salmista no salmo 33.11 nos diz que os desígnios de Deus permanecem para sempre. Ou seja: muito do que podemos ver nessa vida não esgota nem mesmo aspectos do seu governo e propósito. Por isso, muitas vezes nos angustiamos com o que consideramos passividade, indiferença, demora de Deus ou, por presumir um fim de julgamos ser o melhor.
Tempo e espaço determinam muitas de nossas prioridades conforme as circunstâncias. Em boa parte das vezes tais circunstâncias são elaboradas pela mistura de ambos os elementos conforme a nossa fórmula caseira de relacionar tempo e espaço.
Por isso, em nossa incompreensão e incertezas diante desses elementos, o tempo pode nos parecer como ao angustiado poeta argentino Jorge L. Borges (1899-1986), uma “ilusão”.[8] No entanto, sabemos, que ele é implacável em sua caminhada e transitoriedade.[9] Mas, está sob a direção de Deus.
Tempo, espaço e circunstâncias
Quando estamos apressados, tudo parece demorado. Quando estou com tempo disponível, as distâncias ficam mais curtas. O relógio, em nossa mente, pode ser romanticamente domesticado, o que de fato não ocorre objetivamente.
Conforme a nossa base de avaliação comparativa circunstancial, posso dizer que algo é longe ou perto. Rápido ou demorado. Já observaram como uma viagem de duas horas é longa a partir, digamos da primeira hora de percurso? Já uma viagem de 8 horas, você nem sequer considera a primeira hora porque ainda faltam muitas outras.
E a refeição servida no restaurante? Faz diferença o tempo de espera quando você está com fome, sozinho e, sem celular (Talvez seja por isso que as pessoas “roteadas” tendem a pedir a senha do Wi-Fi antes do prato). A sua percepção é diferente se estiver tranquilo, sem muita fome e com uma boa prosa ou conversando no zap?
Da mesma forma, como temos uma dimensão mais imediatamente material da realidade, tendendo a circunscrevê-la a isso apenas, os propósitos de Deus podem nos parecer demasiadamente demorados – incrementados e fortalecidos pela nossa ansiedade material ou materialista – ainda que estejam perfeitamente sob o seu domínio e controle.
Maringá 25 de março de 2020.
Rev. Hermisten Maia
Pereira da Costa
[1] Sl 40.5.
[2]Curiosamente, um filósofo pagão, Xenófanes (c. 580-c.460 a.C.), criticando a religiosidade de sua época, propõe uma visão próxima ao monoteísmo ou pelo menos, um “politeísmo não antropomórfico” (W.K.C. Guthrie, Os Sofistas,São Paulo: Paulus, 1995, p. 211), mas, ainda assim, cosmológico, identificando, conforme pontua Aristóteles, o uno, ou seja, o universo (Ver: Giovanni Reale; Dario Antiseri, História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 1990, v. 1, p. 49.), como sendo Deus (Aristóteles, Metafísica,São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.5, p. 223). Escreve tendo uma visão grandiosa de deus: “Um único deus, o maior entre deuses e homens, nem na figura, nem no pensamento semelhante aos mortais” (Xenófanes, Frag.,23: In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977. (Tradução um pouco diferente: In: José Cavalcante de Souza, org., Os Pré-Socráticos, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 1), 1973, p. 71).
[3] Conforme expressão de Spurgeon (C.H. Spurgeon, El Tesoro de David, Barcelona: CLIE., (1989), v. 1, p. 13. Do mesmo modo: Walter Brueggemann, The Psalms the life of Faith, Minneapolis: Fortress Press, 1995, p. 190; A.F. Kirkpatrick, The Book of Psalms, Cambridge: University Press, © 1902, 1951 (Reprinted), p. 1.
[4]Artur Weiser, Os Salmos, São Paulo: Paulus, 1994, p. 69. “O salmo usa a forma poética do paralelismo para criar um apogeu. A primeira coisa que é dita sobre essa pessoa abençoada é que ela não anda no conselho dos ímpios. Ela é surda aos conselhos dos pagãos, que nos induzem a participar dos caprichos deste mundo” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 12). Veja-se: Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 47-48.
[5] Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 54.
[6] Veja-se: Peter C. Craigie, Psalms 1-50, 2. ed. Waco: Thomas Nelson, Inc. (Word Biblical Commentary, v. 19), 2004, (Sl 1), p. 60.
[7] Veja-se a oportuna figura empregada por Schaeffer concernente aos Alpes Suíços (Francis A. Schaeffer, O grande desastre evangélico: In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 269ss.).
[8]“O tempo, se podemos intuir essa identidade, é uma ilusão: a indiferenciação e a inseparabilidade de um momento de seu aparente ontem e de outro de seu aparente hoje, bastam para desintegrá-lo” (Jorge L. Borges,Historia de la Eternidad,Buenos Aires: Emecé Editores, (6. impresión), 1969, p. 29).
[9]Agostinho (354-430) escreveu de forma magistral sobre o tempo em diversos lugares. Destaco aqui duas proposições do autor: “A brevidade dos dias estende-se até o fim dos séculos. Brevidade porque a totalidade do tempo, não digo de hoje até o fim dos séculos, mas de Adão até o fim dos séculos, é uma exígua gota d’agua, se comparada à eternidade” (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl 101), v. 3, p. 36). “Todos os dias do tempo vêm para não existirem mais. Toda hora, todo mês, todo ano: nada disso permanece. Antes de vir, será; quando vier, não será mais” (Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl 101), v. 3, p. 37).