Uma fé que investiga e uma ciência que crê (15)
1.4. Senhor e Rei de toda Terra (Continuação)
Deus sabe do que necessitamos
Deus sabe das nossas necessidades. O saber de Deus não é apenas intelectual: Deus sabe e por isso cuida (Mt 6.8). Ele não dorme, antes, sabe do que necessitamos antes mesmo que tenhamos consciência das nossas necessidades. A Bíblia também nos ensina que Deus nem sempre nos dá aquilo que pedimos; entretanto, sempre nos dá aquilo de que necessitamos de fato e de verdade, mesmo que nem ainda tenha penetrado em nosso coração a realidade da carência. A nossa demorada consciência de nossas próprias carências não escapa à providência de Deus, nem à sua graciosa provisão.
Foi assim desde o início. No Éden a constatação de Deus é que não seria bom para o homem permanecer só. É Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda imperceptível ao homem. Tudo na criação era bom, exceto a solidão do homem (Gn 2.18). “Deus pôs o dedo na única deficiência existente no Paraíso”, interpreta Ortlund Jr.[1] Waltke acentua que a declaração “é altamente enfática. Essencialmente, é ruim para Adão viver sozinho”.[2]
Gênesis inicia-se com uma belíssima descrição do cuidado de Deus para com suas criaturas. Nas palavras de Waltke,
As cenas da criação são pintadas como se um artista as visualizasse: Deus, como o oleiro, formando o homem; como jardineiro, designando um jardim de beleza e abundância; e como um edificador de templo, tomando a mulher da costela do homem.[3]
O paraíso não era o céu.[4] O homem ainda não havia percebido isso, no entanto, Deus sabia que a solidão lhe faria mal. A carência vai se tornar evidente. O mesmo Deus que o criou, propõe-se, então, a criar uma companheira para sua obra prima (Gn 2.21-22).
Deus não nos é indiferente
Deus nos deu a sua Palavra e, nos empresta seus ouvidos para que possamos falar com Ele. Ele nos ouve em todas as circunstâncias. A sua Palavra deve ser o estímulo e o conteúdo de nossas orações.
Os salmistas, entre tantos outros servos de Deus, em suas angústias, diversas vezes se alimentavam na certeza de que Deus ouve as suas orações: “Tens ouvido ([m;v‘) (shama),[5] SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás” (Sl 10.17).
Ainda que sejamos tentados em nossa precipitação a achar que Ele está distante ou muito ocupado, Deus sempre ouve com atenção as nossas súplicas. É o que demonstra Davi em outro Salmo: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste ([m;v’) (shama) a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22).[6]
Como Pai, Deus nos escuta atentamente quando nos dirigimos a Ele com fé e, até mesmo, por vezes, em nossos desatinos e confusões espirituais.
Davi nos ensina e consola na certeza de que “os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor”(Sl 34.15).
Ele cuida permanentemente de nós: “Ele não permitirá que os teus pés vacilem: não dormitará aquele que te guarda. É certo que não dormita nem dorme o guarda de Israel” (Sl 121.3-4).
O seu cuidado é pessoal. Deus, o nosso Pai, cuida de cada um de nós como se fôssemos o único que Ele teria para cuidar. Ele cuida “pessoalmente” de nós.[7] As nossas orações são o testemunho desta certeza. O Deus que preservou a Elias, enviando os corvos para lhe levarem alimento (1Rs 17.1-6), é o mesmo que é o nosso Pai onisciente e providente. Portanto, podemos fazer eco ao testemunho de fé e vida de Davi: “O Senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando Ele à minha direita não serei abalado”(Sl 16.8).
Oração como antídoto para ansiedade
Muitas de nossas angústias resultantes de pequenas coisas e algumas incertezas são o resultado da nossa falta de confiança em Deus e do seu cuidado.
Um dos pontos distintivos do Cristianismo é a certeza de que Deus não nos deixa à mercê de nossa sorte, antes, que ele cuida pessoalmente de nós, amparando-nos, disciplinando, consolando, estimulando e fortalecendo.
O Deus Todo-Poderoso cuida de nós. Jesus Cristo nos instrui e consola:
29 Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. 30 E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. 31 Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais. (Mt 10.29-31/Mt 6.25-34).[8]
Portanto, o melhor antídoto[9] contra o veneno da ansiedade que, aparentemente sem motivo, domina o nosso coração pecador em meio aos problemas próprios de nossa existência,[10] é a oração sincera e confiante, por meio da qual expomos a Deus as nossas dúvidas, temores e confiança.[11]
Não podemos combater a ansiedade apenas argumentando contra ela. A oração sincera e submissa é o caminho para a paz em nossa mente e coração. Paulo instrui os filipenses:
6 Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. 7 E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus. (Fp 4.6-7).
Quando confiamos em Deus e depositamos sobre ele as nossas angústias, podemos usufruir da sua paz que guarda a nossa mente e o nosso coração. A paz de Deus não significa, necessariamente, o escape do problema, ou um estado ideal de imperturbabilidade, ataraxia, como queriam os gregos;[12] mas, a paz em meio à dificuldade resultante da nossa confiança em Deus.
De certo modo, a oração é educativa na escola da adversidade. Portanto, “a oração é um antídoto para todas as nossas aflições”.[13] Por meio da oração podemos encontrar o lenitivo para as nossas almas.
Desse modo, orar é exercitar a nossa confiança no Deus da Providência, sabendo que nada nos faltará, porque Ele é o nosso Pai. Esse Pai é o Senhor. O Senhor é o nosso Pastor.
Calvino nos orienta: “Sempre que o Senhor nos mantém em suspenso e retarda seu socorro, não significa que Ele esteja inativo, mas, ao contrário, que regula suas operações de tal modo que só age no tempo determinado”.[14]
Maringá, 06 de abril de 2020.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Raymond C. Ortlund Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade,São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 38.
[2]Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 104.
[3]Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 94.
[4]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 584.
[5] A palavra quando se refere a Deus como aquele que ouve, tem o sentido de ouvir e responder.
[6]“8Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (Sl 6.8-9).
[7]Agostinho (354-430) exulta: “Ó bondosa Onipotência que olhais por cada um de nós como se dum só cuidásseis, velando por todos como por cada um!” (Agostinho, Confissões,São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 6), 1973, III.11.19, p. 67). (Ver também, J. Calvino, As Institutas,I.17.6).
[8] Bridges desenvolve bem as implicações desta compreensão. Veja-se: Jerry Bridges, A Vida Frutífera, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 75-77.
[9] “A oração é o nosso principal meio de combater a ansiedade” (John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 31). “Este [a oração] é o único remédio que pode aplacar nossos temores, a saber, lançar sobre ele todas as preocupações que nos atribulam” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 3.1-2), p. 82).
[10] Aqui não estou discutindo a respeito da “ansiedade único”.
[11]Calvino comentando essa passagem Rm 12.12, enfatiza que “a diligência na oração é o melhor antídoto contra o risco de soçobrarmos” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.12), p. 438). “O grande antídoto para ansiedade é aproximar-se de Deus em oração” (Jerry Bridges, A Vida Frutífera, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 76).
[12] Veja-se: W. Foerster, Ei)rh/nh: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 400-402.
[13]John Calvin, Commentary of the Book of Psalms, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 6/4), 1996 (Reprinted), (Sl 118.5), p. 379.
[14]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.4), p. 91.