Teologia da Evangelização (75)
2.4.5. A suficiência e eficácia da obra sacrificial de Cristo
Somente Jesus Cristo, por meio da sua justiça, obtida na sua encarnação, morte e ressurreição, poderia satisfazer as exigências de Deus para a nossa salvação. Portanto, como escreve Packer: “Quando Deus justifica pecadores à base da obediência e da morte de Cristo, está agindo com toda equidade. Dessa maneira, longe de comprometer sua retidão judicial, esse método de justificação em realidade a exibe”.[1]
Em Deus a graça não se opõe à justiça, antes se concretiza em atos de justiça. Como a santidade permeia todo o ser de Deus, não existe contradição intrínseca e, também em suas expressões. AbasedenossoperdãoéaobraexpiatóriadeCristo,coroadacomasuaressurreição(Lc24.45-47;Rm4.25;1Co15.17;2Co5.15).[2]Aqui vemos graça e justiça.
Calvino de modo surpreendente afirma: “Deus se paga a Si mesmo por Sua misericórdia manifestada em Seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo, que uma vez por todas se ofereceu ao Pai para ser Ele próprio a satisfação que Lhe deveríamos prestar”.[3]
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AsEscriturasinsistemnesteponto:
No qual (Jesus) temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados segundo a riqueza da sua graça. (Ef1.7).
Antes sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Cristo vos perdoou. (Ef4.32).
Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus. (Rm3.24).
O perdão concedido por Deus é em nome de Cristo (At 10.43/Cl 1.14/1 Jo 2.12). (Vejam-se também: Mt 26.28; Jo 1.29; At 5.31; 18.38).
Mesmo no Antigo Testamento, os patriarcas, os profetas e o povo em geral foram perdoados, não porque ofereceram sacrifícios, mas sim, pela fé no Cristo que viria. A obra de Cristo envolve todos os crentes: todos os fiéis do passado, presente e futuro. “A única maneira de alguém ser perdoado, antes de Cristo, depois de Cristo e em qualquer ocasião, é através de Cristo, e este crucificado”, enfatiza Lloyd-Jones.
A eficácia da obra de cristo envolve todo o seu povo, ninguém ficará de fora nem jamais houve ou haverá redenção fora do sacrifício único e vicário de Cristo: a obra de Cristo é completa e suficiente.
Calvino explica a necessidade de expiação e a obra completa e eficaz de Cristo:
Em cada época, desde o princípio, houve pecados que necessitavam de expiação. Portanto, a menos que o sacrifício de Cristo fosse eficaz, nenhum dos [antigos] pais haveria obtido a salvação. Visto que se achavam sujeitos à ira divina, qualquer remédio para livrá-los teria resultado em nada, se Cristo, ao sofrer uma vez por todas, não sofresse o suficiente para reconciliar os homens com a graça de Deus, desde o princípio do mundo e até ao fim. A não ser que desejemos muitas mortes, contentemo-nos com um só sacrifício. (…) Não está no poder do homem inventar sacrifícios como lhe apraz. Eis aqui uma verdade expressa pelo Espírito Santo, a saber: que os pecados não são expiados por um sacrifício, a menos que haja derramamento de sangue. Por conseguinte, a ideia de que Cristo é sacrificado muitas vezes não passa de uma invenção diabólica.
O que poderia parecer um fracasso, foi, na realidade, a consecução do propósito santo, perfeito e amoroso de Deus. Paulo, surpreendentemente nos diz que o triunfo de Cristo em nos perdoar, concedendo-nos vida, foi manifesto na cruz do Calvário:
E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões, e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. (Cl 2.13-15).
Nunca é demais insistir no ponto de que o perdão que nos vem pela graça, custou um alto preço para o nosso Salvador: o Seu precioso sangue. A graça é o benefício das obras de Cristo. “….Sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9.22). “….O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7). Por isso, já não há condenação para todos aqueles que estão em Cristo (Rm 8.1). O perdão está associado de forma dependente à autoentrega graciosa de Deus em Cristo (Rm 8.32/2Co 5.21).
O perdão não torna Deus indiferente ao pecado, nem revela uma frouxidão ou atenuação no padrão de Deus (Ex 34.6-7); mas, sim, o Seu amor ativo em Cristo que teve como trajetória eternamente definida a cruz, o sacrifício. Por isso, Paulo diz: “Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). “O perdão é obra exclusiva de Deus, é dom de Deus”, explica Aulén (1879-1977).
Jesus Cristo, nosso Mediador, cumpriu de forma cabal e vicária as demandas da Lei em favor do Seu povo. Se a Obra de Cristo não fosse plenamente satisfeita, não haveria “bênção” alguma a ser aplicada (Jo 17.4; 19.30; Hb 9.23-28; 1Pe 3.18). Isto nos conduz à historicidade da sua ressurreição.
A ressurreição de Cristo dá sentido à genuína pregação da Igreja (1Co 15.14). A pregação não se baseia em fábulas e mitos por ela inventados (Ver: 2Tm 4.3,4), mas sim, naquilo que Deus disse e realizou, conforme registrado nas Escrituras.
Por isso, a mensagem apostólica enfatizou juntamente com a morte expiatória de Cristo , a realidade histórica da Sua ressurreição (Vejam-se: At 1.22; 2.24; 3.15; 4.10,33; 5.30; 10.39-41; 17.2,3,17,18; 26.23).
Paulo nos diz que era corrente tal testemunho (1Co 15.12), sendo ele mesmo um dos pregadores desta verdade (1Co 15.14,15/At 17.18). Pois bem, se Cristo não ressuscitou toda esta pregação está fundamentada num erro, numa mentira. Sem a ressurreição de Cristo a mensagem cristã seria uma “falsidade monstruosa”. Entretanto, Cristo ressuscitou; portanto, toda a proclamação tem sentido; sem a ressurreição, não haveria boa nova, não haveria evangelho nem atos salvadores de Deus para serem anunciados.
Kuiper (1886-1966), observa que a declaração do Cristo ressurreto: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18), prefacia o mandamento evangelístico. “Isso torna a Grande Comissão uma afirmação da soberania mediatária de Cristo”. Aqui vemos estampada parte da esfera do domínio de Cristo. Ele manda a Igreja evangelizar todo o mundo, porque o mundo todo lhe pertence; Ele é o Senhor! A Boa Nova do Evangelho envolve a mensagem de ambos os testamentos: Deus é o Senhor.
Maringá, 27 de setembro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] J.I. Packer, Justificação: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1966, v. 2, p. 899b.
[2] “Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc 24.45-47). “O qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4.25). “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Co 15.17). “E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5.15).
[3]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 129. “Imaginamos que Deus nos é favorável porque nos tem considerado dignos de seu respeito. A Escritura, porém, por toda parte enaltece sua misericórdia, que pura e simplesmente abole todo e qualquer mérito” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.16), p. 131).
[4] “Quando o Filho de Deus sofreu e morreu, Ele assim expiou os pecados de todos os que o aceitaram ou iriam aceitá-lo por meio de uma fé viva, ou seja, por todos os crentes de ambas as dispensações. Os méritos da cruz estendem-se tanto para trás como para adiante” (W. Hendriksen, Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm 3.25-26), p. 178).
[5] D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: FIEL., 1984, p. 359. “Ninguém pode dizer, nem por um momento, que pessoas como Davi, Abraão, Isaque e Jacó não foram perdoadas. Mas não o foram por causa daqueles sacrifícios que ofereceram. Eles foram perdoados porque olhavam para Cristo. Não percebiam isso claramente, mas criam no ensinamento e faziam essas ofertas pela fé. Criam na Palavra de Deus, que Ele um dia no porvir, proveria um sacrifício, e pela fé se mantiveram firmes nisso. Foi a fé em Cristo que os salvou, exatamente como é a fé em Cristo que salva agora” (D.M. Lloyd-Jones, A Cruz: A Justificação de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, [s.d.], p. 9-10).
[6]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 9.26), p. 245-246. “A razão pela qual Deus ordenara que se oferecessem vítimas como expressão de ações de graça foi, como é bem notório, para ensinar ao povo que seus louvores eram contaminados pelo pecado, e que necessitavam de ser santificados exteriormente. Por mais que proponhamos a nós mesmos louvar o nome de Deus, outra coisa não fazemos senão profaná-lo com nossos lábios impuros, não houvera Cristo se oferecido em sacrifício com o propósito de santificar a nós e às nossas atividades sagradas [Hb 10.7]. É através dele, como aprendemos do apóstolo, que nossos louvores são aceitos” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 1999, v. 2, (Sl 66.15), p. 631).
[7] G. Aulén, A Fé Cristã, São Paulo: ASTE, 1965, p. 258.
[8]Vejam-se: Confissão de Westminster, (1647), VIII.1,5,8; Catecismo Maior de Westminster, Questões: 36, 37 e 59; J. Calvino, As Institutas, II.17.1ss.
[9] Donald Macleod, A Pessoa de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 74.
[10]R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 46. Do mesmo modo: John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 408-409.