Teologia da Evangelização (60)
2.4.3.2.2.9.1. Uma bendita convicção (Continuação)
Devido às nossas limitações, que incluem falta de planejamento, previsão orçamentária, inconstância e vários outros impedimentos, muito do que idealizamos não se concretiza. Podemos falar isto no plano institucional – grandes obras inacabadas, por exemplo – e no campo pessoal – cursos incompletos, projetos abandonados, empreendimentos interrompidos, economia insuficiente, etc.
Todos estamos sujeitos a determinadas indefinições e, certamente, não é estranho a nenhum de nós em alguma medida, a frustração na concretização de algum projeto ainda que bastante modesto.
Quando Paulo estava preso em Roma, escreveu uma carta à igreja de Filipos. Esta igreja era bastante generosa. Vivia agora um tempo de perseguição (Fp 1.29). Diz então: “Estou plenamente certo (pei/qw)[1] de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la (e)pitele/w)[2] até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).[3]
Paulo se refere à “boa obra” de quem? Ele fez uma obra notável em Filipos. Pelo Espírito ele desviou a sua rota, levou o Evangelho para a Europa, pregou, pessoas se converteram, começou uma igreja na cidade e, agora, cerca de 10 anos depois, permanecia viva e atuante. A igreja também fazia uma boa obra cuidando do apóstolo e das igrejas necessitadas na Judeia (Fp 1.5,7; 4.10-18; 2Co 8.1-4).
No entanto, ele não está se referindo à sua “boa obra” ou à “boa obra” dos filipenses, antes, trata da boa obra de Deus. Deus podia ter operado, como de fato fez, por meio dele e Silas, contudo, a obra é sempre de Deus.[4] Esta é a sua convicção e alegria.
Paulo está inteiramente convicto de que Deus, aquele que começou a obra por nós, há de completá-la também em nós. Ele sabe quem é o seu Deus. Quando olha a história do surgimento da igreja de Filipos, além do modo excepcional como o Espírito o encaminhou para ali, certamente há algo muito específico que aconteceu que é uma amostragem concreta da forma ordinária de Deus agir. A boa obra de Deus, mesmo em nós, tem início muito antes de nossa consciência de sua operação.
A graça preveniente ou preparatória – que pessoalmente a classifico como externa e interna – externamente se antecipa a nós em amor e bondade, preparando as ocasiões e circunstâncias para que ouçamos o Evangelho e, regenerados inteiramente pelo poder de Deus em graça, creiamos na mensagem de salvação.
Ainda que não possamos incutir fé em nossos filhos, como em mais ninguém, podemos, dentro de nossas limitações, instruí-los na Palavra, rogando a Deus que conforme a sua vontade, opere poderosamente em sua vida (Interna).[5] A graça preparatória, que opera somente nos eleitos, não determina a conversão, mas, dispõe todas as circunstâncias para a recepção e fé no Evangelho. A graça amorosa de Deus se antecipa a nós e torna o nosso amor possível (Jo 3.16; Rm 5.6-10; 2Co 8.9; 1Jo 4.7,10,19).
Como vimos, a vocação é um ato exclusivo de Deus. O seu chamado não é ineficaz. Ele é poderoso para levar adiante o seu decreto redentor (Rm 8.30; 1Co 1.9; 2Tm 1.9; Jo 6.44; 10.27; 16.13-14; Rm 4.17).
Retornando ao texto (Fp 1.6), destacamos que a palavra grega (e)pitele/w) além do sentido de completar (Fp 1.6; 2Co 8.6,11), tem também o de concluir (Rm 15.28); levar a termo (2Co 8.11); aperfeiçoar (2Co 7.1; Gl 3.3); construir (Hb 8.5); realizar (Hb 9.6); cumprir (1Pe 5.9).
Paulo está persuadido, convencido, confiante e tranquilo[6] no que concerne ao aperfeiçoamento e consumação da salvação dos filipenses. O Espírito que habita em nós, cuida de sua casa em nós, preservando-a em santidade.[7]
Uma convicção que podemos e devemos ter quanto à nossa salvação é que Deus, aquele que começou a boa obra a nosso favor (elegendo, vocacionando, concedendo-nos fé, justificando, adotando, etc.), nos aperfeiçoará, nos confirmando pela graça até o fim (Fp 1.6/Jo 10.28; 1Pe 1.5).
Ninguém será deixado no meio do caminho![8] Ninguém será deixado para trás ou abandonado. “A salvação é obra de Deus do princípio ao fim; portanto, onde ela começou, certamente se completará”, conclui Bruce (1910-1990)[9]
A doutrina da perseverança dos santos nos fala não de uma perseverança de alguns dias, meses, ou muitos anos, antes, a de sermos preservados em santidade até o fim, unido a Cristo em obediência à sua Palavra.[10]
Uma figura que pode refletir bem o que Paulo, inspirado por Deus nos ensinou, é a utilizada por Meyer (1847-1929):
Entramos no ateliê do artista e lá encontramos pinturas inacabadas cobrindo grandes telas e sugerindo grandes projetos, mas que foram abandonados, seja porque o gênio não foi competente para concluir o trabalho ou porque a paralisia pôs morte em sua mão; mas quando entramos na grande oficina de Deus, não encontramos coisa alguma que possua uma marca de pressa ou de insuficiência de poder para terminá-la e temos a certeza de que a obra que Sua graça começou há de ser completada pelo braço de sua força.[11]
Vejamos alguns aspectos desta perseverança que nos falam de um grandioso conforto resultante da graça de Deus e de nossa responsabilidade como povo de Deus.
Maringá, 09 de setembro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Curiosamente onde Paulo mais usa este verbo é na Epístola aos Filipenses (Fp 1.6,14,25; 2.24; 3.3,4).
[2]Conforme já indicamos, a palavra grega além do sentido de completar (Fp 1.6; 2Co 8.6,11), tem também o de concluir (Rm 15.28); aperfeiçoar (2Co 7.1; Gl 3.3); construir (Hb 8.5); realizar (Hb 9.6); cumprir (1Pe 5.9).
[3] “A graça começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma pessoa” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 45). “… Em sua inteireza a nossa salvação procede do Senhor. É sua realização. Ele mesmo apresenta Sua noiva a Si mesmo por que ninguém mais pode fazê-lo, ninguém mais é competente para fazê-lo. Somente Ele pode fazê-lo. Ele fez tudo por nós, do princípio ao fim, e concluirá a obra apresentando-nos a Si mesmo com toda esta glória aqui descrita” (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.27), p. 137). Do mesmo modo acentua Murray: “A salvação é do Senhor, tanto em sua aplicação como em sua concepção e realização” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 98). Vejam-se, R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo,Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1985, p. 169ss; 177ss.; C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação,p. 12ss.
[4] A ênfase é no que Deus está fazendo neles (filipenses), e não por meio deles (Paulo e Silas). (Veja-se: Gordon D. Fee, Comentario de la Epístola a Los Filipenses, Barcelona: Editorial CLIE, 2004, (Fp 1.6), p. 135).
[5]São muito instrutivos os capítulos 17 e 18 da obra de Kuyper. Veja-se: Abraham Kuyper, A obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 302-311.
[6] O mesmo verbo, peiqw, é traduzido em 1Jo 3.19 por “tranquilizaremos”.
[7] Veja-se: Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 322-323.
[8]Veja-se: C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 12.
[9]F.F. Bruce, Filipenses, Florida: Editora Vida, 1992, (Fp 1.3-6), p. 42. “Deus jamais começa uma obra e a deixa inacabada; seria uma contradição do Seu Senhor” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Vida de Alegria, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 47).
[10]“A prova crucial de fé verdadeira é perseverar até ao fim, permanecendo em Cristo e se conservando em sua palavra” (John Murray,Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 168).
[11]F.B. Meyer, The Epistle to the Philippians: A devotional commentary, Fourth impression, London: The Religious Tract Society, © 1905, 1912, p. 28.