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Teologia da Evangelização (57) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (57)

2.4.3.2.2.9. Perseverança   

Essa graça Ele [Deus] colocou “em Cristo em quem nós ganhamos uma herança, sendo predestinados de acordo com o propósito daquele que opera todas as coisas”. E assim como Ele trabalhou para que fôssemos a Ele, do mesmo modo Ele trabalhou para que dele não nos afastemos. – Agostinho (354-430).[1]

A graça cria a fé não somente quando a fé nasce numa pessoa, mas por todo o tempo em que a fé dura. (…) Assim, a graça não é menos eficaz quando se trata de um crente do que quando trata de um incrédulo: uma vez que causa a fé em ambos, no primeiro por confirmação e aperfeiçoamento. Neste último por criá-lo de novo. – Tomás de Aquino (1225-1274).[2]

A vida cristã é um andar de fé, é uma vida de fé. Os sentimentos vêm e vão, mas o andar de fé persevera. – D.M. Lloyd-Jones.[3]

          Lembro-me de há uns 30 anos ou mais, ser comercializado um aparelho de ginástica que mais me parecia uma cama. O sujeito se deitava e essa cama mecanizada levantava o seu abdômen e/ou as suas pernas. Ele podia ficar tranquilo sem maiores esforços. O seu “exercício” estava garantido. Era uma espécie de abdominal passiva. Creio que o produto não deu certo.

          Usei esta figura para ilustrar o que por vezes as pessoas pensam sobre perseverança, como que ficando acomodadas em sua vida espiritual, cultivando os seus pecados de estimação – que envolvem, por vezes, uma justificação de temperamento, genética, educação, etc. – e, o Espírito vai os conduzindo em santificação enquanto permanecem totalmente inativas.

Não há nada de mais enganoso do que entender essa doutrina dessa forma.

Uma compreensão equivocada da doutrina nos conduz a um comportamento distante das Escrituras.[4] Não dá para separar aquilo que cremos do que somos e, consequentemente vivemos.[5] Por sua vez, o supérfluo e fútil se dissiparam diante da verdadeira doutrina fundamentada na Palavra.[6]

Portanto, o antídoto para isso é o constante exame das Escrituras. Não é à toa que Paulo, sob a direção do Espírito, exorta a Timóteo quanto à necessidade de ler individual e publicamente as Escrituras com o fim de exortar (encorajar) e ensinar à igreja (1Tm 4.13).[7] Esta ênfase tinha como propósito, entre outras coisas, combater os falsos ensinamentos satânicos que conduziam cristãos – por vezes sinceros, porém ignorantes da Palavra –, à apostasia (1Tm 4.1),[8] que tende a contaminar todo o corpo.[9]

Sabemos que a perspectiva frouxa da vida cristã é uma excelente porta de acesso para as tentações de satanás.[10]

Por isso, é necessário que entendamos que a nossa conversão a Deus estará sob um grande e intenso combate, já que satanás envidará todos os esforços para nos afastar de Deus, nos cercando, e com sua astúcia, procurar hábil e insistentemente, nos seduzir, adornando com a verbosidade enganosa a sua prisão com o nome de liberdade plena (Jo 8.34).

Se isso não for eficaz, variará as suas técnicas, fazendo pressão para que desistamos de nossa fidelidade a Deus. “O diabo usa os truques das alcoviteiras e as astúcias dos facínoras, quando ele entra em cena com o intuito de afastar-nos da doutrina do evangelho”, comenta Calvino.[11]

Watson (c. 1620-1686), resume:

Satanás tem inveja de nossa felicidade  e organiza sua milícia agitando uma perseguição. Ele lança seus dados inflamados de tentações, que são chamados de dardos por causa da rapidez deles e inflamados por causa do dano terrível que fazem. Somos diariamente atacados por demônios de todos os lados. Como foi algo misterioso Daniel ser mantido vivo dos leões rugidores, também há muitos demônios rugidores ao nosso redor, e não somos estraçalhados. De onde vem isso que nos mantém em pé contra as poderosas tentações? Somos mantidos pelo poder de Deus.[12]

          À frente: “Satanás organiza a ostensiva de sua tentação para explodir a fortaleza da graça dos santos, mas não pode ser bem-sucedido”.[13]

          O alvo constante de satanás é a Palavra de Deus. Ele procura tirá-la de nós, ou, senão, dar-nos uma visão distorcida do seu teor.  No seu argumento sempre há algo de verdadeiro, contudo,  a sua dialética, que pode se valer das Escrituras, tem um referencial totalmente excludente, o qual ele dilui muito bem a fim de dar-nos a impressão de que a sua conclusão é coerente com a Palavra.[14]  Como bem disse Bonhoeffer (1906-1945): “A fraude, a mentira do diabo consiste na sua tentativa de fazer o homem acreditar que poderia viver sem a Palavra de Deus”.[15]

          Permanece, portanto, a admoestação de João: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1Jo 4.1).

          É preciso que redobremos o nosso cuidado quanto a esta armadilha. Para isto faz-se necessário que aprendamos a subordinar a nossa inteligência a Deus e à sua Palavra.[16] Não creiamos nem divulguemos ensinamentos que nos chegam, simplesmente porque são “agradáveis” ou, porque quem nos ensinou falou com “convicção”, “simpatia” ou “emoção”.

          É necessário que confrontemos todas as doutrinas com a Palavra de Deus. É Ela, e somente Ela, mediante a iluminação do Espírito que nos fornece segurança para interpretar a realidade e a veracidade de toda doutrina.

          A Palavra e somente a Palavra é o solo de onde brota, pelo Espírito, a genuína fé. É somente na Palavra que devemos buscar o nosso alimento e consolo.

          A intercessão de Cristo em nosso favor, mesmo nas vésperas de sua crucificação, aponta para a severidade da nossa condição.[17] Contudo, temos aqui um grande conforto. O Senhor cuida de nós. Ele jamais se esquece do seu povo: “Pois o necessitado não será para sempre esquecido, e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente” (Sl 9.18).

Calvino conclui o seu comentário de 1 Timóteo, com estas palavras: “Caso não queiramos ser terrificados pela ideia de apostasia da fé, então que nos apeguemos à Palavra de Deus em sua integridade e detestemos a sofística e com ela todas as sutilezas que são odiosas corrupções da piedade”.[18]

  Maringá, 08 de setembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] St. Agostinho,  On the gift of perseverance, Cap. 14. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, (First Series), 2. ed. Peabody, Massachusetts:Hendrickson Publishers, 1995, v. 5, p. 530.

[2]Thomas Aquinas, Summa Theologica, II-II, (Q) Pergunta 4, (A) Argumento 4, (RO) Resposta à objeção 3: In: Christian Library, AGES Software Rio, USA., Version 1.0, 2000, v. 3, p. 65.

[3]D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: v. 4), p. 13.

[4] “Satanás labora muito mais do que imaginamos para banir de nossas mentes, por todos os meios possíveis, a fé na sã doutrina; e visto que nem sempre é fácil fazer  isso através de um franco ataque à nossa fé, ele se arma contra nós secretamente e pelo uso de métodos indiretos e a fim de destruir a credibilidade de seu ensino, ele desperta suspeitas acerca da vocação dos santos mestres” (João Calvino, As Pastorais,  São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.11), p. 210).

[5]Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 113-114.

[6] Veja-se: João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998 (Tt 2.1), p. 326.

[7] Até à minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino (1Tm 4.13).

[8] Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios (1Tm 4.1).

[9]“A maioria dos apóstatas procura permanecer na igreja e busca ativamente aceitação entre o povo de Deus” (John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 75). “Se a apostasia não for resistida com vigor, ela se propagará como fermento por meio dos seminários, das denominações, das agências missionárias e de outras instituições cristãs” (John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 77).

[10] Veja-se: João Calvino, As Pastorais,  São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.6), p. 201.

[11]João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 22 (Edição do Kindle). “Satanás é um inimigo terrível. E por isso não nos convém ser negligentes, visto que ele jaz sempre à espreita contra nós, buscando de todos os lados apoderar-se de nós; e, como se nunca espiasse por um orifício tão pequeno, daqui a pouco tira vantagem de entrar, sem aparentar que lhe haja alguma fresta aberta; e, no entanto, podemos ser levados tardiamente antes de ter consciência disso” (João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 18 (Edição do Kindle). “Nosso inimigo procura constantemente nos destruir, e, quando achamos estar totalmente seguros, esse poderá ser o tempo de maior perigo” (Philip G. Ryken, Quando os problemas aparecem, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2018, p. 71-72).

[12]Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 327.

[13]Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 328. Veja-se: R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 117.

[14] “O credo alternativo do diabo contém, frequentemente, alguns elementos  da verdade, escolhidos com cuidado – mas sempre diluídos e totalmente misturados com falsidades, contradições, deturpações, distorções e qualquer outra perversão imaginável da realidade. E, somando tudo isso, o resultado final é uma grande mentira” (John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 71).

[15] D. Bonhoeffer, Tentação, Porto Alegre, RS.: Editora Metrópole, 1968, p. 60.

[16]“Quanto tem avançado aquele homem que tem aprendido a não pertencer-se a si mesmo, nem a ser governado por sua própria razão, mas que rende e submete sua mente a Deus!” (João Calvino,  A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 30).

[17] D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 147ss.

[18] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.21), p. 187.

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