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Teologia da Evangelização (28) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (28)

2.4.3.2.2.1. Eleição (Continuação)

Qualquer tentativa de se encontrar um motivo em nós que “justifique” a escolha de Deus, além de limitarmos a liberdade de Deus, conforme vimos, equivale a negar os ensinamentos da Palavra, colocando a nossa salvação condicionada a algum mérito humano. Aliás, merecimento humano e graça são conceitos excludentes (Rm 11.6).

O amor gracioso de Deus é proveniente dele mesmo sem qualquer estímulo externo que o faça surgir ou se manifestar: o seu amor é soberano e santo. Deus não se fez cativo de seu amor. O amor de Deus está sempre em perfeita harmonia com seus demais atributos.

            A nossa salvação, fruto da nossa eleição, é por Deus, porque é Ele quem faz tudo. Por isso, o homem não pode criar a graça, antes, ela lhe é outorgada, devendo ser recebida sem torná-la vã em sua vida (2Co 6.1; 8.1/1Co 15.10). (Vejam-se: Dt 7.6-8; At 15.11; Ef 2.8-10; Tg 2.5).

            “Que outra coisa poderá Deus encontrar em nós, que o induza a amar-nos, a não ser aquilo que ele já nos deu?”, indaga Calvino.[1] “Deus ama os homens porque escolheu amá-los (…) e nenhum motivo para o seu amor pode ser dado salvo o seu soberano prazer”, interpreta Packer.[2] (Dt 7.7-8; Sl 144.3; Tt 3.3-7).

            Em outros lugares, Calvino (1509-1564) dá um golpe definitivo em todo e qualquer conceito de merecimento:

É preciso lembrar que sempre que atribuímos nossa salvação à graça divina, estamos confessando que não há mérito algum nas obras; ou, antes, devemos lembrar que sempre que fazemos menção da graça, estamos destruindo a justiça [procedente] das obras.[3]

As pessoas são muitíssimas insensatas ao suporem que existe algum mérito ou dignidade nos homens que preceda a eleição divina.[4]

Que ninguém conclua que os eleitos o são em virtude de serem eles merecedores, ou porque de alguma forma conquistaram para si o favor divino, ou ainda porque possuíam alguma semente de dignidade pela qual Deus pôde ser movido a agir. A ideia simples, que devemos levar em conta, é esta: o fato de sermos contados entre os eleitos independe tanto de nossa vontade quanto de nossos esforços – pois o apóstolo substituiu correr por esforço ou diligência. Ao contrário, deve ser atribuído totalmente à benevolência divina, a qual, por si mesma, recebe graciosamente aqueles que nada empreendem, nem se esforçam, nem mesmo tentam.[5]

Em toda a Escritura se faz evidente que não existe outra fonte de salvação exceto a graciosa mercê divina.[6]

Se ele houvesse achado algum mérito ou valor, se ele houvesse achado qualquer disposição, bondade ou virtude, ou, em suma, se ele houvesse achado uma gota de algo de que gostasse e aprovasse, não nos teria elegido em si mesmo, mas nós próprios teríamos tido alguma parceria com ele.[7]

Portanto, sempre que o querer divino é mencionado acima, isso se dá para mostrar que os homens não podem, de si próprios, anteciparem-se em coisa alguma. Sem embargo, Paulo registra aqui um termo de superabundância e diz, conforme o bom prazer; como se tivesse dito: “É verdade que o querer de Deus é a causa de nossa salvação; não devemos partir para cá e para acolá procurando outras razões ou meios para ela. Entretanto, visto que os homens são tão ingratos e iníquos que sempre querem obscurecer a glória de Deus e continuamente tomarem para si mesmos mais do que lhes pertence se não forem persuadidos o bastante da vontade de Deus, que entendam que ela vem do bom prazer de sua vontade, isto é, de um querer livre que não depende de coisa alguma senão de si mesmo, nem tem qualquer consideração por um modo ou por outro, mas condescende em nos escolher livremente porque se agrada de assim fazer”.[8]

            Cristo é o representante e o fiador eterno do seu povo. A eleição não ocorre de forma independente da Pessoa de Cristo.[9] Fora de Cristo não há salvação (At 4.12), porque, de fato, fora dele não há eleição. Ele é ao mesmo tempo o Deus que elege e o Verbo Encarnado, Eleito de Deus. Jesus Cristo é o fundamento e o único meio de salvação. Fomos eleitos nele e para Ele. “O Escolhido de Deus é o agente divino da escolha”, resume Coenen.[10] (At 4.12; 2Tm 1.9/Ef 1.4-6/1Pe 1.18-20; Ap 13.8).

            A nossa eleição repousa em Cristo, a quem o Pai nos confiou (Jo 17.2,6,9). Jesus Cristo não frustrou nem frustrará a confiança de seu Pai (Jo 17.4/Jo 19.30). Tudo que é do Pai também pertence ao Filho (Jo 16.15/Jo 17.9-10). A obra do Pai é a obra do Filho. O propósito do Pai é também do Filho. Somos salvos dentro de um propósito harmonioso, santo e eterno, como escreve o apóstolo Paulo: O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gl 1.4).

            Calvino (1509-1564) conclui:

A fonte donde nos advêm todas as bênçãos que Deus nos concede consiste em que ele nos escolheu em Cristo.[11]

Dos que Deus escolheu para serem Seus filhos não se diz que os escolheu neles mesmos, mas em Seu Cristo (Ef 1.4), visto que não os poderia amar senão nele, e não os poderia honrar com a Sua herança, a não ser fazendo-os primeiro partícipes dele. Pois bem, se fomos eleitos em Cristo, não encontramos em nós a certeza da nossa eleição; nem mesmo em Deus, o Pai, a encontramos, se é que podemos imaginá-lo nua e cruamente sem Seu Filho.[12]

            A nossa eleição é a mais bela expressão do pacto da graça. Jesus Cristo, o Cordeiro eterno, se encarnou, morreu e ressuscitou na história para resgatar o que lhe fora confiado na eternidade, cumprindo assim, uma das demandas do Pacto da Graça (Jo 6.39,44; 17.2,9,11,24).

            A salvação e todas as bênçãos decorrentes dela, são-nos comunicadas em Cristo. Fora de Cristo não há herdeiros, porque só podemos ser “coerdeiros” de Deus, sendo Cristo o primogênito[13] de Deus entre muitos irmãos (Rm 8.17/Rm 8.29).

            Aparte do Filho ninguém seria digno da eleição, por isso, Jesus Cristo é o Eleito de Deus[14] e, por intermédio dele, e somente assim, também o somos. (Ef 1.4).[15] Jesus Cristo é o princípio, meio e fim da eleição. Fomos eleitos para Ele, tendo-o como modelo para onde a bendita Trindade nos conduz de forma santificadora (Rm 8.29-30).

            Cristo é também o “espelho em que se impõe e se pode sem engano contemplar nossa eleição”, interpreta Calvino.[16] Uma evidência da eleição ampara-se em nossa comunhão com Cristo. A garantia de nossa eleição está em Cristo e na sua obra eficaz: “Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cristo”, exulta Calvino.[17]

            São Paulo, 05 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, Exposição de Hebreus,(Hb 6.10), p. 159.

[2] J.I. Packer, O Conhecimento de Deus,São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 111. “O perfeito amor de Deus é produzido por Ele mesmo; não depende de coisa alguma de fora dele; é um amor que principia dentro dele e sai para outros” (D.M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 179).

[3]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 11.6), p. 389.

[4]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 1.28), p. 70.

[5]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 9.16), p. 333.

[6]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 6.10), p. 158.

[7]João Calvino, Sermões em Efésios, p. 72-73.

[8]João Calvino, Sermões em Efésios, p. 73-74.

[9] Vejam-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,p. 180-181; Anthony A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, especialmente, p. 62-64.

[10] L. Coenen, Eleger: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1982, v. 2, p. 34.

[11]João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 28.8), p. 609.

[12] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8), p. 61.

[13]Primogênito aqui deve ser entendido como um título de honra, indicando a sua majestade e prioridade (Cl 1.15,18; Hb 1.6; Ap 1.5).

[14]Comentando o Salmo 2, Calvino assim se expressa: “Cristo era verdadeiramente o eleito do Pai, a quem o Pai deu todo o poder para que tão-somente seja preeminente acima dos homens e dos anjos” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 2.12), p. 76). Ver: S. Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 187ss., 190.

[15] Veja-se: J. Calvino, As Institutas,III.22.1.

[16] João Calvino, As Institutas,III.24.5.

[17]João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.

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