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Teologia da Evangelização (197) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (197)

5.7. Devemos ter consciência de que o nosso trabalho depende inteiramente do Espírito da Graça de Deus

                        Como temos enfatizado, sem a operação do Espírito da Graça (Hb 10.29), toda a nossa reflexão, todo o nosso esforço, todos os nossos métodos, toda a nossa oratória e capacidade de persuasão serão vãos. O poder do Evangelho está no conteúdo da sua mensagem, que somente é compreendido mediante a ação do Espírito, que nos capacita a enxergar o Evangelho da Glória de Deus.

            Aos imaturos coríntios que disputavam para saber quem era o maior entre aqueles que lhes haviam servido, Paulo lhes mostra que todos são servos:

1Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. 2Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais. 3Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? 4Quando, pois, alguém diz: Eu sou de Paulo, e outro: Eu, de Apolo, não é evidente que andais segundo os homens? 5Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. 6Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. 7 De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. 8Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho. 9Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós. (1Co 3.1-9). (Vejam-se também: Hb 10.29/1Co 1.17; 2.1-5/1Ts 1.5).

O que é Apolo? O que é Paulo?

            Algo interessante nessa questão é que Paulo desviou a atenção da pessoa de Paulo e de Apolo por meio da pergunta que poderia ser traduzida assim: “O que[1] é Apolo? e o que[2] é Paulo?” (5).[3] A resposta, então, enfoca o seu serviço: ambos são servos (dia/konoj). “Paulo e Apolo não são nada mais que instrumentos por meio de quem Deus realiza sua obra. Estes ministros só podiam agir conforme o Senhor concedeu a cada um deles”, comenta Morris (1914-2006).[4]

            Quando Paulo refere-se a Apolo e a si mesmo como “servos”, tem em vista o serviço que prestaram, pois, foi por meio deles, de seu trabalho, que os coríntios creram (5).[5] (1Co 9.1-2; 4.15).[6]

            Aqui vemos a humildade característica de Paulo no desempenho de sua vocação: “… nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega…” (7). Percebemos por outro lado, o que comenta Calvino: “Quando Deus resolve, por si mesmo, levar avante as coisas, ele nos toma, seres insignificantes que somos, como seus auxiliares e nos usa como seus instrumentos”.[7]

            “Ora, o que planta e o que rega são um…” (8). Há uma unidade de propósito. Todos, no exercício de nossa vocação, cooperamos juntamente, uns com os outros no serviço de Deus. A  mútua cooperação é essencial no desenvolvimento de nosso serviço. A obra é de Deus. Ele graciosamente nos chama e dispõe conforme a sua vontade. Os serviços não são estanques, nem têm diferenças qualitativas, antes, um completa o outro de forma necessária. Esta unidade é decorrente da unidade do Corpo de Cristo pela qual ele orou: todos unidos a Deus e, consequentemente, unidos entre si (Jo 17.22-23).[8]

Cooperadores quase anônimos

            Paulo realça a igualdade dos cooperadores de Deus, demonstrando que a importância do nosso serviço está naquilo que fazemos para a glória de Deus: “Porque de Deus somos cooperadores(sunergo/j) (9)(1Co 9.23). A cooperação mais do que, politicamente correta, é necessária dentro do Corpo de Cristo no exercício de nossa vocação. Paulo nos fala de diversos cooperadores que foram fiéis às suas vocações – muitos dos quais pouco conhecemos – utilizando-se da mesma expressão: Priscila e Áquila (Rm 16.3); Urbano e Estáquis (Rm 16.9); Timóteo (Rm 16.21); Tito (2Co 8.23); Epafrodito (Fp 2.25); Evódia, Síntique, Clemente (Fp 4.3); Aristarco, Marcos, Jesus, conhecido por Justus (Cl 4.10-11; Fm 24); Filemon (Fm 1); Demas e Lucas (Fm 24).

            Eusébio (c. 260-c. 340) de Cesaréia, pai da História Eclesiástica, sumariou o trabalho missionário de inúmeros anônimos servos de Deus:

Empreendiam viagens longe de casa e faziam a obra de evangelistas, tendo o propósito de pregar a todos quantos ainda não tivessem ouvida a palavra da fé e de lhes dar por escrito os divinos evangelhos. Esses homens  se limitaram a meramente deitar os alicerces  da fé em alguns lugares estrangeiros e a nomear outros como pastores, aos quais confiavam os cuidados do que acabaram de ser trazidos à fé; em seguida, partiam para outras regiões e a outras pessoas com a graça e a cooperação de Deus….[9]

            O valor daquele que serve só lhe é conferido realmente quando reconhecemos a proporção do seu trabalho: nem mais, nem menos.[10]

            Paulo, recorrendo à outra metáfora, a do construtor, demonstra reconhecer a provisão de Deus no desempenho de vocações diferentes. É Deus quem nos capacita para trabalharmos com sabedoria e eficiência: “Segundo a graça (xa/rij) que me foi dada, lancei o fundamento como prudente (sofo/j)construtor (a)xite/ktwn) (“Construtor-mór”, “mestre construtor”)(10).

            Portanto, o que Deus exige de nós é fidelidade no desempenho de nosso chamado: “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4.1-2).

            Por sua vez, não devemos buscar simplesmente agradar, ou esperar o reconhecimento de homens. A recompensa virá do Senhor, o reto juiz que nos chamou e nos preservou fielmente em seu trabalho. A recompensa aqui, que é proveniente da graça, está associada ao trabalho, não ao sucesso: “Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho” (1Co 3.8).

 

Maringá, 19 de março de 2023. Rev. Hermisten Maia Pereira da Cos


[1] Ti/j: Pronome interrogativo neutro.

[2]Ti/j: Pronome interrogativo neutro.

[3] Paulo “imediatamente esvazia a controvérsia sobre o culto à personalidade” (David Prior, A Mensagem de 1Coríntios: a vida na igreja local, São Paulo: ABU., 1993, p. 60).

[4]Canon L. Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981, (1Co 3.5), p. 52.

[5] Cf. R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistles to the Corinthians, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, (Commentary on the New Testament), p. 126.

[6] “Não sou eu, porventura, livre? Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor? Acaso, não sois fruto do meu trabalho no Senhor? 2 Se não sou apóstolo para outrem, certamente, o sou para vós outros; porque vós sois o selo do meu apostolado no Senhor” (1Co 9.1-2). “Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus” (1Co 4.15).

[7]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 3.9), p. 107.

[8]Veja-se: Jay E. Adams, Uma Herança Garantida. In: Burk Parsons, ed. João Calvino: Amor à devoção, doutrina e glória de Deus, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 204-205. É bastante iluminadora a aplicação que Kuyper faz de figuras aplicadas à igreja (Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 208).

[9]Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos, 349), 1973, v. 1, III.37.2-3.

[10]Veja-se: Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102.

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