Teologia da Evangelização (181)
5.2. A Pregação é responsabilidade e privilégio de todo o cristão (Continuação)
c) Ter o senso de urgência[1]
Devemos trabalhar com urgência dentro da esfera que nos foi confiada por Deus. O que não nos pertence deixemos onde está de modo firme e seguro: sob os cuidados de Deus.
O senso de urgência da Igreja deve ser derivado do senso de urgência de Deus. A Missão é de Deus. Ele soberana e graciosamente se agencia por meio da Igreja,[2] onde Ele manifesta de forma especial a sua glória a homens e aos anjos: “Ainda que Deus seja suficiente a si mesmo e se satisfaça exclusivamente consigo mesmo, não obstante quer que sua glória se manifeste na Igreja”, conclui Calvino.[3]
O papel da Igreja é fundamental na evangelização, continua Calvino:
A Igreja é a mãe comum de todos os piedosos, a qual suporta, nutre e governa, no Senhor, tanto a reis como a seus súditos; e tal coisa é feita através do ministério. Os que negligenciam ou fazem pouco desta ordem pretendem ser mais sábios do que Cristo. Ai de sua soberba![4]
A eleição do povo de Deus é para o serviço de Deus na sociedade. A doutrina da vocação é o fundamento da teologia da vida cristã. Deus em seu amor eterno urgencia com a igreja a que compartilhe com todos, de forma “centrífuga” esta mensagem.[5]
Conforme vimos, Jesus Cristo exerce o seu poder nos atraindo para si e, no segundo momento, nos conduz de forma poderosa a anunciar os seus atos gloriosos e misericordiosos a todos os povos.
Como o Evangelho é centrado em Cristo, sem a sua Pessoa e obra não haveria boa nova a ser anunciada. Sem Cristo, o Deus encarnado, não haveria Evangelho (Lc 2.9-11).[6]
No Novo Testamento, Paulo instrui a Timóteo: “Prega a palavra (…) Pois haverá tempo (kairo/j) [7] em que não suportarão a sã doutrina” (2Tm 4.2,3). Hoje ainda temos ouvintes; mas, até quando? Hoje temos aqueles ouvintes; mas por quanto tempo? “Pois haverá tempo (kairo/j) em que não suportarão a sã doutrina”.
Aquelas pessoas que hoje ouvem a Palavra com interesse e avidez poderão não ouvir em outras épocas ou circunstâncias, daí a nossa responsabilidade de anunciar hoje a Palavra de Deus. “A Escritura nos adverte que, na perspectiva de Deus, o tempo é curto, a necessidade é grande e a tarefa é urgente”, destaca Stott.[8]
O senso de urgência deve nos levar a falar como se aquela fosse a última vez. A mensagem cristã deve ter sempre uma conotação de apelo ao homem para que assuma, pela graça de Deus, uma posição favorável e submissa à sua Palavra. Contudo, devemos nos lembrar de que “o motivo da urgência da evangelização jaz em Deus. Porque Ele é quem é, insiste urgentemente com os pecadores para que se convertam a Ele”, pontua Kuiper.[9]
d) Ensinar com simplicidade[10]
O homem é convertido não pela força de nossos argumentos, mas, pelo Espírito de Deus. Devemos nos esforçar por apresentar uma mensagem persuasiva, todavia, que seja simples, a fim de que a fé de nossos ouvintes não seja estimulada a se amparar em nossa suposta sabedoria, que, aliás, não salva ninguém nem a nós mesmos. Não pretendamos substituir o poder de Deus por nossas técnicas supostamente persuasivas. O poder de Deus se manifesta no Evangelho puro e simples. Paulo relembra aos coríntios:
1Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. 2 Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. 3E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós.4 A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus. (1Co 2.1-5).
e) Estar comprometido com Deus
O nosso compromisso é com Deus; portanto, a nossa mensagem não visa agradar homens, mas sim a Deus, que conhece os nossos corações. “Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração” (1Ts 2.3-4).
Devemos nos lembrar, no entanto, que este texto não serve de desculpa para justificar a nossa frustração quanto aos frutos visíveis de nossa mensagem. Não podemos simplesmente dizer que se os homens não gostaram do que ouviram é simplesmente porque fomos fiéis a Deus. Este tipo de raciocínio é muito simplista e contraria o ensino da Escritura.
Cuidado para não usarmos textos das Escrituras, selecionados fora do contexto para diminuir a nossa responsabilidade ou ocultar a nossa omissão.
Deus prova os nossos corações; Ele sabe de nossa sinceridade, preparo, disposição e amor. Façamos o melhor; usemos dos recursos disponíveis; confiemos em Deus. Estes são os nossos limites. A conversão é obra de Deus. Descansemos nesta certeza.
São Francisco do Sul, 26 de fevereiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Vejam-se: J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, p. 67-68; R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 67-74; A. N. Martin, O Que há de Errado com a Pregação de Hoje?, p. 40-42.
[2] “Todos nós deveríamos concordar que a missão surge primariamente da natureza de Deus e não da natureza da Igreja” (John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 24). “A missão primordial é a de Deus, pois foi Ele quem mandou seus profetas, seu Filho, seu Espírito” (John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, p. 25).
[3]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100). “A igreja (…) é um espelho no qual os anjos contemplam a portentosa sabedoria de Deus, a qual anteriormente não conheciam. Contemplam uma obra totalmente nova para eles, cuja forma estava oculta em Deus” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 3.10), p. 94).
[4] João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 125.
[5] Vejam-se: J. Blauw, A Natureza Missionária da Igreja, São Paulo: ASTE., 1966, p. 34ss.; John R.W. Stott, A Missão Cristã no Mundo Moderno, A Missão Cristã no Mundo Moderno, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 24ss.
[6]“E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.9-11).
[7]A ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Vejam-se: Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Este termo que ocorre 85 vezes no NT é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes, indicando a ideia de oportunidade. Assim temos (Almeida Revista e Atualizada): Tempo e tempos: Mt 8.29; 11.25; 12.1; 13.30; 14.1; Lc 21.24; At 3.20; 17.26; “Devidos tempos”: Mt 21.41; “Tempo determinado”: Ap 11.18; “Momento oportuno”: Lc 4.13; “Tempo oportuno”: Hb 9.10; 1Pe 5.6; Oportunidade: Lc 19.44; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15; Devido tempo: Lc 20.10; Presente: Mc 10.30; Lc 18.30; “Circunstâncias oportunas”: 1Pe 1.11; Algum tempo: Lc 8.13; Hora: Lc 8.13; 21.8; Época: Lc 12.56; At 1.7; 1Ts 5.1 (Xro/nwn kai\ tw=n kairw=n); 1Tm 6.15; Hb 9.9; Ocasião: Lc 13.1; 2Ts 2.6; 1Pe 4.17; Estações: At 14.17; Vagar: At 24.25; Avançado: Hb 11.11.
[8] John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 417.
[9]R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 71.
[10]Vejam-se: John R.W. Stott, O Perfil do Pregador, p. 120-125; Billy Graham, O Evangelista e Sua Pregação: In: J.D. Douglas, ed. O Evangelista e o Mundo Atual, São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 62-63.