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Teologia da Evangelização (177) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (177)

5. Os proclamadores: uma palavra final

            Temos ao longo deste estudo falado sobre o significado do Evangelho, o seu conteúdo, as suas reivindicações e fruto. Para concluir a nossa exposição, queremos deixar alguns lembretes aos “Evangelistas”; ou seja: a todos os cristãos; já que todos somos necessária e essencialmente missionários-evangelistas.

            Os cristãos do Novo Testamento eram reconhecidos como aqueles que eram do Caminho. Saulo, antes de convertido, pediu cartas ao sumo sacerdote “a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém” (At 9.2). Lucas relata que Priscila e Áquila, após ouvirem uma pregação de Apolo, o chamaram e, “com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (At 18.26).

            O Cristianismo é essencialmente um caminho de vida (At 9.1-2; 22.4) fundamentado na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo por intermédio da sua Palavra. As Escrituras nunca nos apresentam atalhos circunstanciais, obscuros com pavimentação incerta. Devemos prosseguir nele até a nossa carreira se findar.[1] Portanto, lembremo-nos:

       5.1. Não negligenciar a manifestação profética (1Ts 5.19-21) [2]

             Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é por meio dela que Deus nos fala.[3] Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e por meio da Palavra: “No princípio era o Verbo”(Jo 1.1). “No princípio, não era a música, nem o teatro. Deus identifica seu Filho, que é Deus, com a Palavra. Isso é tremendamente importante”, interpreta Piper.[4]

            A pregação não deve ser rejeitada; ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (Cf. 1Ts 4.8).[5] No culto Deus nos alimenta por meio de sua Palavra, ministração dos sacramentos e pela oração, para a qual o Espírito nos guia.

            O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5).[6] Há uma carência frenética por ouvir experiências daquilo que conduz a um sucesso fácil, ainda que não real e, portanto, não duradouro (Sl 73.1-10).

Perseverar no caminho sólido dos princípios da Palavra pode se tornar muito difícil quando os resultados não são perceptíveis. Sempre há a tentação, mesmo para os fiéis, de não perseverarem “com firmeza na verdade reta”.[7]

Provando os espíritos

            Devemos dar crédito à verdade procedente de Deus (1Ts 2.10-13). Contudo como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado; exercitar o “ceticismo cristão” – que não aceita tudo, contudo, não rejeita a procura da verdade[8]

O apóstolo João instrui a Igreja:

Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai (dokima/zw)[9] os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade (a)lh/qeia) e o espírito do erro. (1Jo 4.1-6).[10]

A verdade não gera mentira: “…mentira alguma jamais procede da verdade (a)lh/qeia) (1Jo 2.21).

No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada frequência – mesmo assinando o seu obituário –, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios,[11] ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloquência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”;[12] o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética.[13]

            O nosso desejo de servir a Deus não nos deve tornar presas fáceis de qualquer ensinamento ou doutrina. Precisamos cientificar-nos se aquilo que é-nos transmitido procede ou, não, de Deus. Para este exame, temos as Escrituras Sagradas como fonte de todo conhecimento revelado a respeito de Deus e do que Ele deseja de nós.

Foi assim que a nobre Igreja de Beréia procedeu ao ouvir Paulo e Silas. Ainda que aqueles irmãos tenham recebido a Palavra com avidez, isto não os impediu de examinar “as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (At 17.11). “Eles combinavam receptividade com questionamento crítico”, infere Stott.[14]

Maringá, 20 de fevereiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 143.

[2] Este tópico está mais amplamente desenvolvido em Hermisten M.P. Costa, Princípios Bíblicos de Adoração Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 243-254.

[3] Vejam-se: Segunda Confissão Helvética,XXIII. In: Livro de Confissões,São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, § 5.220; Confissão de Westminster,21.5; João Calvino, As Institutas,IV.1.5.

[4] John Piper, O Lugar da Pregação na Adoração: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 11, 2001, p. 20.

[5]Dessarte, quem rejeita estas coisas não rejeita o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo” (1Ts 4.8). Veja-se: J. Calvino, As Institutas,I.9.3.

[6]“Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve” (1Jo 4.5).

[7] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3,(Sl 73.10), p. 102. Sobre a perseverança, em outro lugar Calvino escreveu: “A melhor evidência da genuína piedade é quando anelamos por Deus sob a pressão de nossas aflições, e mostramos, mediante nossas orações, uma santa perseverança na fé e na paciência; enquanto a seguir damos vazão à nossa gratidão” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 66.13), p. 630). “Todos os homens reconhecem que o mundo é governado pela providência divina; mas quando daí surge uma lamentável confusão de coisas a perturbar a tranquilidade deles e os envolve em dificuldades, poucos são os que conservam em sua mente a inabalável convicção dessa verdade” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 11.4), p. 240).

[8] Vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 233; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 129-131.

[9]Dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10).

[10]Archibald Alexander (1772-1851), um dos fundadores do Seminário de Princeton e seu primeiro professor de Teologia Sistemática, resumiu:

       “Na avaliação da experiência religiosa é de todo importante manter continuamente à vista o sistema de verdade divina contido nas Sagradas Escrituras; caso contrário, nossa experiência, como ocorre muito frequentemente, se degenerará em entusiasmo. (…) Em nossos dias não há nada mais necessário que estabelecer na religião, uma cuidadosa distinção entre as experiências verdadeiras e as falsas; para ‘provar os espíritos se procedem de Deus.’ E ao fazer esta discriminação, não há outro padrão de prova senão a infalível Palavra de Deus. Tragamos cada pensamento, motivo, impulso e emoção, ante esta pedra de toque. ‘À lei e ao testemunho, se não falam de acordo com estes, é porque não há luz neles’” (Archibald Alexander, Thoughts on Religious Experience,Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1989 (Reprinted), p. xviii).

[11] R.B. Kuiper, com indisfarçável e justa tristeza, diz: “Os membros das igrejas querem que lhes falem do púlpito sobre o que fazer, mas raramente sobre o que crer. A maioria deles não se interessa por teologia, e dos poucos que se interessam, cada qual quer o seu próprio doutor em teologia. Seus pastores de boa vontade os deixam seguir seu caminho. Houve tempo em que os filhos da aliança eram instruídos por seus pastores nas verdades da religião cristã. Hoje são poucos os que tentam fazer isso” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 146)

[12]Veja-se: D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, p. 52.

[13]Veja-se: D. Martyn Lloyd-Jones,Do Temor à Fé, Miami: Vida, 1985, p. 46-47.

[14] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, (At 17.11), p. 308.

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