Teologia da Evangelização (166)
4.4. A universalidade da proclamação
A palavra “católica”, é uma transliteração do grego kaqoliko/j, que é traduzida por “universal”, “geral”. Ela só ocorre uma vez no Novo Testamento e, mesmo assim, na forma adverbial, acompanhada de um advérbio de negação, sendo traduzida por “absolutamente não” (At 4.18)
O termo “católico” dispunha de grande emprego na literatura secular.[1] No entanto, o primeiro homem a usar a palavra “católica” para se referir à Igreja, foi Inácio de Antioquia (30-110 AD), na sua carta à Igreja de Esmirna, escrita por volta do ano 110, quando diz: “Onde quer que se apresente o bispo, ali também esteja a comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus também nos assegura a presença da Igreja católica”.[2]
Aqui, Inácio designa de católica a Igreja universal, representada em cada uma das igrejas locais.[3] Posteriormente, por volta do ano 155 AD., encontramos a mesma expressão na Carta Circular da Igreja de Esmirna, redigida por um escritor anônimo, que conta como foi o martírio de Policarpo, bispo de Esmirna.
Na introdução ele escreve: “A Igreja de Deus estabelecida em Esmirna à Igreja de Deus estabelecida em Filomélio e às Igrejas de todos os lugares em que são partes da Igreja santa e católica….”.[4] A expressão “católica”, só é encontrada no Credo Apostólico a partir do ano 450 AD.[5]
Terminadas essas ligeiras observações históricas e terminológicas, analisemos alguns aspectos da catolicidade da Igreja.
4.4.1. Uma só Igreja
A Catolicidade da Igreja traz a certeza de que existe apenas uma única Igreja. Cristo não está dividido. Ele tem somente um corpo. Por isso mesmo, só há uma Igreja de Cristo.
O Espírito congrega o povo de Deus constituindo a Igreja de Cristo que não está mais circunscrita a uma nação, mas, abrange o mundo inteiro. O Espírito é quem propicia a união de todos os genuínos crentes à Igreja. A membresia a uma igreja local, na realidade, nos associa primária e fundamentalmente, à Igreja de Cristo em sua catolicidade.[6]
Essa realidade aponta para o fato de que a Igreja de Cristo não é uma igreja…
- Apenas de um determinado período da história: Ela envolve todas as épocas da história.
- Étnica: De uma raça ou cultura.
- Geográfica: Determinado território ou nação.
- Gênero: Homens ou mulheres.
- Elites intelectuais e sociais: Ricos e poderosos.
- Pobres ou de minorias sociais: Desfavorecidos economicamente e tribos sociais de costumes não adotados pela maioria.
A Igreja de Cristo envolve a todos os eleitos. A chamada do Evangelho envolve todos os povos da terra. O seu fundamento é a eleição eterna de Deus. Obviamente, esta perspectiva traz consigo diversas implicações, sendo que algumas delas já foram analisadas.
Calvino resume:
Essa companhia é chamada católica, ou universal, porque não há apenas dois ou três na igreja, mas, ao contrário, todos os eleitos de Deus estão de tal forma unidos e ligados em Cristo que, como dependem de uma só Cabeça, também são incorporados num só corpo, entrelaçados como verdadeiros membros. E realmente formam muito bem um só, e assim, com uma mesma fé, esperança e amor, eles vivem do mesmo Espírito de Deus, e são chamados, não somente para [receberem] uma mesma herança, mas também para [desfrutarem] uma mesma comunhão com Deus e com Jesus Cristo.[7]
Quando um grupo ou denominação advoga para si a catolicidade exclusiva, incorre num equívoco de termos e, ao mesmo tempo, está implicitamente dizendo que as outras denominações não fazem parte da Igreja de Cristo; estão fora de sua universalidade.[8] Assim sendo, a designação “Igreja Católica Romana”, é uma impropriedade terminológica que se torna ainda mais visível em sua teologia que, em muitíssimos aspectos, está divorciada da Palavra de Deus[9] (Vejam-se: Ef 1.20-23; 5.25-27).[10]
São Paulo, 09 de fevereiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Vejam-se: Kaqoliko/j: In: William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature,2. ed. Chicago: University Press, 1979, p. 391; J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos,Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 454.
[2] Inácio de Antioquia, Carta de S. Inácio aos Esmirnenses,8.2. In:Cartas de Santo Inácio de Antioquia,3. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1984, p. 81.
[3] Veja-se: J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos,Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 454ss.
[4] O Martírio de Policarpo: In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, p. 35. Do mesmo modo, O Martírio de Policarpo, VIII.1: In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, p. 37.
[5]Cf. Philip Schaff, The Creeds of Christendom,6. ed. (Revised and Enlarged), Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1998 (Reprinted), v. 2, p. 55.
[6]Veja-se: James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 61-72.
[7]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 92.
[8] Veja-se: James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 28-29.
[9] “Os romanistas (ainda que sejam qualquer coisa, menos a verdadeira igreja de Cristo) ainda se gabam de serem eles os únicos possuidores do nome de igreja e não se coram de ostentar a bandeira daquilo a que se opõem” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 18).
[10]“O qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, 21 acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. 22 E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23 a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.20-23). “25 Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, 26 para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, 27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-27).