Teologia da Evangelização (160)
4.3.7. O reto juízo de Deus por meio de Cristo (Continuação)
Deus é o padrão absoluto
Portanto, quando falamos de Deus, afirmando que Ele julga com justiça, significa que há um padrão ético e moral para os seus atos. O padrão de Deus é o seu caráter santo e perfeito. A manifestação externa de seu juízo é perfeitamente conforme à sua justiça essencial; ou seja: é sempre uma expressão coerente do seu caráter santo. Por isso, a justiça consiste na constante vontade de Deus de dar a cada um o que lhe é devido.[1]
A retidão de Deus é consoante à sua justiça. Em Deus não há injustiça porque Ele sempre age de modo coerente com a sua própria natureza que é santa, perfeita e justa. Portanto, o juízo de Deus não é presunçoso ou leviano, antes é resultado do seu governo soberano. “A justiça de Deus nunca está separada de sua retidão. (…) Sua justiça é perfeita”, resume Sproul (1939-2017).[2]
Ele é Rei autônomo
Ele é Rei. O seu trono está fundamentado na sua autonomia eterna. O trono é de Deus, não é derivado de autoridade alguma fora dele mesmo. Existe trono porque Deus é o Rei. É Ele quem sustenta o direito e se assenta no seu trono com autoridade própria para julgar: “no trono te assentas e julgas” (Sl 9.4).
Por isso, toda autoridade está sob a autoridade de Deus. Existe autoridade porque Deus é o seu Autor. (Jo 10.18; Rm 9.21; 13.1).
Pilatos com sentimentos confusos diante do nosso Senhor, o adverte prepotentemente em seu interrogatório: “Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade (e)cousi/a) para te soltar e autoridade (e)cousi/a) para te crucificar?” (Jo 19.10).
Ao que o Senhor Jesus, totalmente confiante na soberania de Deus e fiel no cumprimento do Pacto da Graça, responde ressaltando a injustificada arrogância de Pilatos que tinha autoridade delegada por seus superiores – que na mesma condição dele – , teriam de prestar contas a Deus: “Nenhuma autoridade (e)cousi/a) terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11).
Mesmo as maldades dos homens não escapam ao propósito de Deus. Todos são responsáveis pelos seus atos. Isso traz grande consolo para nós e, ao mesmo tempo, uma advertência: os nossos possíveis atos de perseguição, difamação e calúnia, não passam desapercebidos diante do reto Juiz.
Retidão consoante com sua justiça
A retidão de Deus é consoante à sua justiça. A justiça é a manifestação do caráter essencialmente santo de Deus. Deus é justo em todos os seus atos, não se desvia de seu próprio padrão que é decorrente de sua santidade. A prática da justiça, que pode ser chamada de retidão, significa agir conforme o caráter de Deus, aquele que é justo absolutamente.
Como temos enfatizado, Deus é o próprio padrão: “Deus é fidelidade, e não há nele injustiça: é reto e justo (qyDIc;) (tsadiyq)”(Dt 32.4).
O trono do Senhor está fundamentado em sua própria natureza santa, verdadeira e justa. É deste modo que ele governa: “Justiça (qd,c) (tsedeq) e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem”(Sl 89.14).
Deste modo, conforme já citamos, “a maior desonra que alguém poderia lançar sobre seu nome é a de contestar sua justiça”, interpreta Calvino.[3]
“Ele mesmo julga (jp;v) (shaphat) o mundo com justiça; administra (!yD) (diyn) os povos com retidão (rIv’yme.) (meshar)”(Sl 9.8), escreve o salmista.
Não há injustiça nos mandamentos de Deus. Não há contradição, equívocos ou parcialidade. Todos são igualmente justos. Essa convicção bíblica deve estimular o nosso louvor conforme vivenciou o salmista: “A minha língua celebre a tua lei, pois todos os teus mandamentos são justiça (qd,c,) (tsedeq)” (Sl 119.172).
Podemos, portanto, dizer que a justiça é a exteriorização da santidade de Deus em suas relações com as suas criaturas conforme revelada nas Escrituras.
A justiça de Deus se caracteriza por sua ação coerente com a sua natureza eterna e perfeita. Ele nos instrui por meio de caminhos justos. Os caminhos do Senhor são coerentes com a sua natureza justa e correta. Os seus atos são sempre retos.
Deus julga com justiça porque Ele, como o seu Filho, ama a justiça e aborrece a iniquidade: “Amas a justiça (qd,c) (tsedeq) e odeias a iniquidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros” (Sl 45.7/Hb 1.8-9).
Deísmo, Panteísmo e Panenteísmo
O salmista parte de uma certeza: o mundo não está entregue ao acaso ou ao governo dos homens. Como vimos, Deus compartilha com o homem o seu poder, contudo, não renunciou a sua soberania. Aqui não há espaço para nenhum tipo de Deísmo (Deus distante da Criação), Panteísmo (Deus se confunde com a matéria), Teísmo Finito(Deus é bom, mas, limitado pelo mal) ou Panenteísmo[4](pa=n-e)n-Qeo/j) (“Tudo está em Deus”).[5]
Como criador, preservador e proprietário de todas as coisas, Ele governa e julga com justiça: “Justo (qyDIc;) (tsadiyq) é o Senhor em todos os seus caminhos, benigno em todas as suas obras” (Sl 145.17).
O salmista, confiante na justiça de Deus, ora: “Julga-me, SENHOR, Deus meu, segundo a tua justiça (qd,c) (tsedeq); não permitas que se regozijem contra mim” (Sl 35.24).
Os servos de Deus em todos os momentos têm a certeza de quem é o seu Senhor e, portanto, que Ele “Justo (qyDIc;) (tsadiyq) és, SENHOR, e retos, os teus juízos” (Sl 119.137). “4Porque sustentas o meu direito e a minha causa; no trono te assentas e julgas (jp;v’) (shaphat) retamente (qd,c) (tsedeq). (…) 8Ele mesmo julga o mundo com justiça (qd,c) (tsedeq); administra os povos com retidão (rIv’yme.) (meshar)[6]” (Sl 9.4,8).
A certeza de que há leis e de que somos governados por meio delas, não basta para nos fazer sentir confiantes em todo tempo.
Muitas vezes as nossas causas nos parecem tão pequenas – perdidas entre tantas e tantas outras de maior proporção ou de maior importância conforme o grau de interesse de quem compete julgar -, que nem alimentamos grande esperança, tendendo a assumir uma inércia lastimosa.
Nesses casos cultivamos uma espécie de ceticismo resultante da convicção, sempre ilustrada, de que não há espaço para a justiça. A generalização indevida é pródiga na fomentação do ceticismo que, por sua vez, só retroalimenta a nossa insatisfação e a satisfação de a disseminarmos de forma corrosiva entre os crentes.
O salmista, no entanto, afirma que o Deus que rege as nações e julga o mundo com justiça, também sustenta o seu direito e a sua causa (Sl 9.4). Ou seja: Deus cuida pessoalmente de nós e de nossas causas; nada fica esquecido ou perdido em meio aos “papeis” e “processo”. Por isso, o salmista dizer:“Sei que o SENHOR manterá a causa (!yD) (diyn) do oprimido (ynI[‘) (`aniy) e o direito (jP’v.mi) (mishpat) do necessitado (!Ayb.a) (‘ebyon)” (Sl 140.12). Em outro salmo, o escritor exulta: “Reina o SENHOR. Ele firmou o mundo para que não se abale e julga (!yD) (diyn) os povos com equidade” (Sl 96.10).
Boice (1938-2000) comenta:
Há dois aspectos sobre os quais esta estância fala do reinado de Deus. 1. Deus governa toda a história atualmente. Às vezes é difícil apreciar este fato porque há muita injustiça e violência no mundo. Não obstante, Deus de fato governa no sentido de que, tanto põe em cheque o mal, como também intervém de tempo em tempo para julgá-la na história. (…) 2. Deus vai julgar as nações do mundo com perfeita justiça no futuro.[7]
Maringá, 30 de janeiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Cf. François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 315.
[2] R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 121.
[3]João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 50.21), p. 417.
[4] Termo criado pelo filósofo alemão, discípulo de Kant, Friedrich Krause (1781-1832) em 1828. Com esse termo ele desejava identificar o seu sistema distinguindo-o do panteísmo e do teísmo. Tudo estaria em Deus mas, Deus não se limitaria ao mundo.
[5]Veja-se: W. Gary Crampton; Richard E. Bacon, Em Direção a uma Cosmovisão Cristã, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 93-106; Cosmovisão: In: Norman Geisler, Enciclopédia de apologética, São Paulo: Vida, 2002, (2. impressão), p. 188-189. Horton sugere que o panteísmo/panenteísmo tem sido o rival mais dominante da fé bíblica desde a Antiguidade (Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 41).
[6]A palavra retidão significa, entre outras coisas: Sinceridade (1Cr 29.17); Equidade (Sl 17.2; 96.10; 98.9; 99.4; Pv 1.3; 2.9); Retamente (Sl 75.2); Coisas retas (Pv 8.6; 23.16); Suavidade (Pv 23.31; Ct 7.9); Caminho plano (Metaforicamente) (Is 26.7); Reto (Is 33.15); Direito (Is 45.19); Concórdia (Dn 11.6).
[7] James M. Boice, Psalms 42-106, Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1996, v. 2, p. 786-787.