Teologia da Evangelização (140)
4.3.3.3. Nossa responsabilidade (Continuação)
Como temos insistido, a Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra, consciente que Deus age por meio das Escrituras produzindo frutos de vida eterna (Rm 10.8-17; 1Co 1.21; 1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14).[1]
É uma tentação por demais sutil, nem sempre perceptível, “amenizar”, torcer a Palavra de Deus, para – num desejo pretensioso –, tornarmo-nos mais “agradáveis” aos nossos ouvintes. Contudo, como mestres cristãos que somos, devemos ter como preocupação primordial ser instrumentos de Deus para que a sua Palavra fale por meio de nós; que o texto se torne mais expressivo por intermédio da explicação que apresentamos amparada na análise do contexto, numa boa exegese e em harmonia com a Bíblia em seu todo, tendo o Espírito como o nosso iluminador na compreensão e transmissão da verdade.
Deste modo, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Palavra,[2] anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito.
Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho”.[3] Na mesma linha, Calvino escrevera: “A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela tudo o que eles expõem diante do seu rebanho”.[4]
Lloyd-Jones (1899-1981), numa série de sermões pregados (1963) sobre Isaías 1.1-18, declarou corretamente: “Não estou aqui para ventilar minhas próprias ideias e teorias, porém para expor a Palavra de Deus”.[5]
Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de refrigério para as suas necessidades mais imediatamente percebidas.[6] Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
Lloyd-Jones é enfático:
Se a mensagem da Bíblia nunca lhe deixou desconfortável, então você nunca a ouviu de verdade. Muitas pensam que o cristianismo é meramente algo que nos dá um tapinha nas costas dizendo: “Não se preocupe nem se angustie, já tudo irá dar certo”. Contudo isso não é cristianismo: isso é das seitas, isso é psicologia.[7]
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o seu povo, preservando a sã doutrina por intermédio da Igreja que é o baluarte da verdade.[8]
Pedro indicando o poder e a perenidade da Palavra, diz:
Fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus (lo,gou zw/ntoj qeou/),[9] a qual vive e é permanente. Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor; palavra do Senhor (r`h/ma kuri,ou),[10] porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada. (1Pe 1.23-25).
Relembra também que a sua mensagem foi justamente esta: “Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada (r`h/ma to. euvaggelisqe.n)” (1Pe 1.25).
Evangelizar significa pregar a Palavra de Deus, não as nossas interpretações, insights ou nossas preferências. Não podemos adulterar a Palavra de Deus (2Co 4.2). A evangelização consiste na exposição da Palavra de Deus e na sua aplicação às necessidades ontológicas e existenciais de nossos ouvintes.[11]
Somente pela Palavra de Deus, que permanece em nós, poderemos vencer o maligno: “Filhinhos, eu vos escrevi, porque conheceis o Pai. Pais, eu vos escrevi, porque conheceis aquele que existe desde o princípio. Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus (lo,goj tou/ qeou/) permanece em vós, e tendes vencido o Maligno” (1Jo 2.14). Sem a Palavra a nossa luta seria apenas uma rendição incondicional. Neste confronto, sem a Palavra, estaremos sempre totalmente despreparados.
Paulo no final da segunda carta aos tessalonicenses, roga àqueles irmãos que conheciam o poder e glória do Evangelho: “Finalmente, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague e seja glorificada (doca/zw), como também está acontecendo entre vós” (2Ts 3.1).
Maringá, 11 de janeiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedeceram ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.8-17). “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (1Co 1.21). “Portanto, seja eu ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes” (1Co 15.11). “Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de Deus na verdade” (Cl 1.3-6). “Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes. Tanto é assim, irmãos, que vos tornastes imitadores das igrejas de Deus existentes na Judéia em Cristo Jesus; porque também padecestes, da parte dos vossos patrícios, as mesmas coisas que eles, por sua vez, sofreram dos judeus” (1Ts 2.13-14). (Destaques meus).
[2] Agostinho (354-430), o grande bispo de Hipona, em sua obra De Doctrina Christiana(397-427), tomando Paulo como “modelo de eloquência” (Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.7.15), seguiu de perto a Aristóteles e Cícero. Ele estabeleceu uma relação entre os princípios da teoria retórica com a tarefa da pregação, fazendo as adaptações necessárias (Veja-se: Por exemplo, Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.19.35 e 37). Insistiu, também, – seguindo a Cícero –, que a pregação tem três propósitos: Instruir (docere); Agradar (delectare) e Persuadir (flectere), enfatizando este último. (Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.12.27ss.). Agostinho, afirmou – e é este ponto que queremos destacar –, que “O pregador é o que interpreta e ensina as verdades divinas” (Agostinho, A Doutrina Cristã,São Paulo: Paulinas, 1991, IV.4.6. p. 217).
[3] Alexander R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189.
[4] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.13), p. 123.
[5] D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 67.
[6]A constatação de Carson é de grande gravidade. Talvez devêssemos levá-la a sério, nós, costumeiramente tão ávidos por modismos: “A cultura terapêutica invadiu tanto a igreja que agora alguns seminários têm mais alunos matriculados em programas de aconselhamento que treinando para ser pregadores do Evangelho” (D.A. Carson, O Deus amordaçado: o Cristianismo confronta o pluralismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2013, p. 51).
[7]D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 84.
[8]Como já fizemos menção, MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “…. Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura’ (1Co 1.21) é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem” (Ibidem.,p. 130).
[9] Na realidade a tradução seria a “Palavra viva de Deus”
[10] Contrastando o uso de r(h=ma e lo/goj, Betz diz que “Ao passo que logos muitas vezes pode designar a proclamação cristã como um todo no NT, rhêma usualmente diz respeito a palavras e expressões vocais individuais: o homem terá que prestar contas por toda palavra injusta (Mt 12.36); Jesus não respondeu palavra alguma a Pilatos (Mt 27.14); os seres celestiais falam palavras inefáveis (2Co 12.4)” (O. Betz, et. al. Palavra: In: Colin Brown, ed. ger. ONovo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 3, p. 419). Ilustrando esta tese, podemos perceber que na passagem que estamos analisando, Pedro está citando o texto de Isaías 40.6-9.
[11]Vejam-se: A.R. Vinet, Pastoral Theology; or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co., 1874, p. 189; D.M. Lloyd Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 98.