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Teologia da Evangelização (14) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (14)

2.4.2.3. A perda da dimensão da gravidade do pecado

2.4.2.3.1. Desconsideração do que éramos e do que nos tornamos    

Por outro lado, o que nos torna tantas vezes indiferentes, é a nossa total incapacidade de perceber quem somos:[1] o que éramos e no que agora nos tornamos; o nosso pecado e a sua gravidade, como observou Ryle (1816-1900) com tons fortes:

Os próprios animais, cujo odor nos é bastante ofensivo, não têm a menor  ideia de que são tão mau cheirosos, e nem parecem tais uns para os outros. E o homem, o homem caído, segundo creio, não tem noção de quão vil coisa é o pecado aos olhos de Deus, cujas obras são absolutamente perfeitas.[2]

            A Bíblia no relato da Criação nos mostra que os seres criados por Deus (peixes, aves, animais domésticos, animais selváticos, etc.) o foram conforme as suas respectivas espécies. O homem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio Deus Criador (Gn 1.26; Ef 4.24), sendo distinto assim, de todo o resto da Criação, partilhando com Deus de uma identidade desconhecida por todas as outras criaturas, visto que somente o homem foi criado “à imagem e semelhança de Deus”.

            Somente o homem pode partilhar de um relacionamento pessoal, voluntário e consciente com Deus.

            Bavinck comenta:

Embora todas as criaturas exibam vestígios de Deus, somente o ser humano é a imagem de Deus. Ele inteiro é essa imagem, alma e corpo, em suas faculdades e capacidades, em todas as condições e relações. O ser humano é a imagem de Deus porque, e na medida em que, é verdadeiramente humano; e é verdadeiro e essencialmente humano porque, e na medida em que, é a imagem de Deus.[3]

            No homem, como reflexo de seu Criador, Deus deve ser visto, quer em sua natureza que expressa Deus, quer em seus atos, visto que ele está comprometido com os interesses de Deus. O seu propósito é glorificar a Deus, a quem ama e obedece.[4]

Por isso,   quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com quem ele possa se relacionar de forma pessoal – já que não se encontra em todo o resto da criação uma à altura – a solução foi uma nova criação. Não mais a partir do pó da terra, mas tirada da costela de Adão, e transformada por Deus em uma auxiliadora idônea. Adão se completará nela,[5] passando a haver uma “fusão interpessoal”, “unidade essencial”, constituindo-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24; Mc 10.8), unidos por Deus (Mt 19.6).

            A imagem e semelhança refletem, em Adão, características próprias por intermédio das quais ele poderia relacionar-se consigo mesmo, com o mundo e com Deus.

            A imagem de Deus é uma precondição essencial para o seu relacionamento com Deus, e expressa, também, a sua natureza essencial: o homem é o que é por ser a imagem de Deus. Não existiria humanidade senão pelo fato de ser a imagem de Deus. Essa compreensão traz profundas implicações éticas na teologia de Calvino[6] e de Schaeffer (1922-1984).[7]

            Esta é a nossa existência autêntica e toda inclusiva.  Deste modo, escreve Spykman (1926-1993): “Ser humano é ser a imagem de Deus. Portanto, imago Dei descreve nosso estado normal. Não assinala algo que está dentro de nós, ou a algo acerca de nós, senão a nossa humanidade”.[8]

            A imagem de Deus não é algo colado ou anexado a nós podendo ser tirado ou recolocado. Antes, é algo essencial ao nosso ser. Interpreta Erickson: “A imagem de Deus é intrínseca à humanidade. Não seríamos humanos sem ela. De toda a criação, somente nós somos capazes de ter um relacionamento pessoal consciente com o Criador e de reagir a Ele”.[9]

            Por conseguinte, o homem não simplesmente possui a imagem de Deus, como algo externo ou acessório, antes, ele é a própria imagem de Deus.[10]

            O homem foi criado como um ser pessoal que tem consciência e determinação própria.[11] Diferentemente de todos os outros animais, faz a distinção entre o eu, o mundo e Deus. Daí a capacidade de se relacionar com Deus (Gn 3.8-14; Jr 29.13; Mt 11.28-30) e com o seu semelhante, e pode entender (racionalmente) a vontade de Deus, fazer-se entender e avaliar todas as coisas (Gn 1.28-30; 2.18,19).[12]

            Desde a criação o homem foi colocado numa posição acima das outras criaturas, cabendo-lhe o domínio sobre os outros seres criados, sendo abençoado por Deus com a capacidade de procriar-se (Gn 1.22)[13] e dispondo de grande parte da criação para o seu alimento (Gn 1.26-30; 2.9).

            Esse domínio de Deus é voluntariamente partilhado com o homem. Foi assim desde o início, conforme descreve o livro de Gênesis. Deus delega a Adão e a Eva poderes para cultivar (db;[‘) (‘abad) (lavrar, servir, trabalhar o solo) e guardar (rm;v’) (shãmar) (proteger, vigiar, manter as coisas)[14] o jardim do Éden (Gn 2.15/Gn 2.5; 3.23), validando a sua relação de domínio, não de exploração e destruição, antes, um cuidado consciente, responsável e preservador da natureza:[15]

6Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: 7 ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; 8 as aves do céu, e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares. (Sl 8.6-8).

            Aqui o primeiro casal, atendendo ao mandato cultural (civilizatório), em uma atividade familiar exclusivamente humana, pode desenvolver e aprimorar a sua capacidade e potencialidades, refletindo a sua condição de imagem e semelhança de Deus. “Cabe-lhe desenvolver não somente a agricultura, a horticultura e a criação de animais, mas também, a ciência, a tecnologia e a arte”, pontua Hoekema (1913-1988).[16]

            Na sequência, continua Hoekema:

Mas o homem ‒ isto é nós mesmos ‒, deve dominar a natureza de tal modo que seja também seu servo. Devemos preservar os recursos naturais e fazer o melhor uso possível deles. Devemos evitar a erosão do solo, a destruição temerária das florestas, o uso irresponsável da energia, a poluição dos rios e dos lagos e a poluição do ar que respiramos. Devemos ser mordomos da terra e de tudo o que há nela e promover tudo o que venha a preservar a sua utilidade e beleza para a glória de Deus.[17]

            Todavia, todas essas atividades envolvem o trabalho compartilhado por Deus com o ser humano. O nomear, procriar, dominar, guardar e cultivar refletem a graça providente e capacitante de Deus.[18]  É neste particular – domínio – que o homem foi bastante aproximado de Deus pelo poder que lhe foi outorgado.

            No processo de nomeação, vemos o exercício da inteligência e não arbitrariedade do homem, conforme o Senhor lhe concedera.[19]  E, é digno de menção que neste pioneiro trabalho científico, havia, sem dúvida, limitações humanas, mas, não o pecado.

            O homem percebia a essência da coisa, criando, assim, a linguagem. Ele tinha clareza, discernimento e unidade de pensamento incomparáveis. Sem dúvida, perdemos muito disso com a queda.[20]

            O salmista escreve: “Os céus são os céus do SENHOR, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.16).

Maringá, 16 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A tragédia do mundo é que as pessoas não conhecem seu próprio ser; eles não sabem o que deveriam ser” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus, não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 43).

[2] J.C. Ryle, Santidade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1987,p. 26.

[3]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 564.

[4] Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 81-83.

[5]Ver: O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.

[6] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, João Calvino 500 anos: introdução ao seu pensamento e obra, São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

[7] “Estou convencido de que uma das grandes fraquezas na pregação evangélica nos últimos anos é que nós perdemos de vista o fato bíblico de que o homem é maravilhoso. (…) O homem está realmente perdido, mas isso não significa que ele não é nada. Nós temos que resistir ao humanismo, mas classificar o homem como um zero não é o caminho certo para resistir a ele. Você pode enfatizar que o homem está totalmente perdido e ainda ter a resposta bíblica de que o homem é realmente grande. (…) Do ponto de vista bíblico, o homem está perdido, mas é grande” (Francis A. Schaeffer, Morte na Cidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 60,61). “Jamais estaremos em condições de tratar as pessoas como seres humanos, de atribuir a elas o mais alto nível de humanidade verdadeira, a menos que realmente conheçamos a sua origem – quem essas pessoas são. Deus diz ao homem quem ele é. Deus nos diz que Ele criou o homem à sua imagem. Portanto, o homem é algo maravilhoso. (…) A Bíblia diz que você é maravilhoso porque foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas que você é imperfeito, porque em certo espaço-temporal da História, o homem caiu” (Francis A. Schaeffer, A Morte da razão, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 34). São muito oportunas e sensíveis as analogias feitas por Olyott. (Veja-se: Stuart Olyott, Jonas – O missionário bem-sucedido que fracassou, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012,  p. 75).

[8]Gordon J. Spykman, Teología Reformacional: Un Nuevo Paradigma para Hacer la Dogmática,Jenison, Michigan: The Evangelical Literature League, 1994, p. 248-249. Do mesmo modo: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 542,564.

[9]Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 207.

[10]Veja-se: Morton H. Smith, Systematic Theology,Greenville, South Carolina: Greenville Seminary Press, 1994, v. 1, p. 238.

[11]“O caráter eternamente pessoal de Deus forma o fundamento último para o significado das pessoas finitas que Ele criou” (Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 55).

[12]28 E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. 29 E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. 30 E a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez” (Gn 1.28-30). 18 Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. 19 Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles” (Gn 2.18-19).

[13] “Embora aos homens seja de natureza infundido o poder de procriar, Deus quer, entretanto, que seja reconhecido a Sua graça especial que a uns deixa sem progênie, a outros agracia com descendência, pois que dádiva Sua é o fruto do ventre” (Sl 127.3). (João Calvino, As Institutas,I.16.7).

[14] Vejam-se: Gn 3.24; 30.31; 2Sm 15.16; Sl 12.7; Is 21.11-12.

[15]Vejam-se: Francis A. Schaeffer, Poluição e a Morte do Homem, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 48-50; Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 90.

[16]Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 95.

[17] Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, p. 96.

[18] Ver: Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 97.

[19] É muito interessante a abordagem deste exercício de Adão analisado pelo campo da semiótica. Veja-se: Umberto Eco, A Busca da Língua Perfeita na Cultura Europeia, 2. ed. Bauru, SP.: EDUSC, 2002, p. 25ss.

[20] Cf.  Abraham Kuyper,  Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte,  Brasília, DF.: Monergismo, 2018, p. 47-62.

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