Teologia da Evangelização (139)
4.3.3.3. Nossa responsabilidade
Conforme já detalhamos acima, o conteúdo de nossa pregação é a palavra de Deus, a palavra de nosso Senhor. O modo como pregamos indica o nosso comprometimento fiel como o propósito de Deus em anunciar a sua Palavra.
Portanto, lembremo-nos de que o pregador não “compartilha” experiências, não simplesmente dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, prega a Palavra.[1] Ele nada deve acrescentar que seja seu.[2] Não deseja chamar a atenção para si. Seu objetivo é expressar o que Deus disse por meio de seus servos. Tudo o que desvia nossos ouvintes da Palavra de Deus deve ser rejeitado. Não temos nada a dizer fora da Palavra.[3]
Insistimos: Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o seu povo. “Quando nos propomos a expor um texto, precisamos declarar exatamente o que o texto afirma”, advoga Macrae[4] Devemos entender que a pregação da Palavra é a Palavra de Deus.
Sei que muitas vezes nos tornamos mais encantados com nossas teorias do que com as Escrituras. Isso é simples de explicar: somos pecadores e vaidosos! Contudo, Deus transforma vidas por meio do Evangelho; este sim é o seu poder (Rm 1.16). As nossas hipóteses, por mais “brilhantes” que sejam, devem ser submetidas às Escrituras, mais ainda: devem partir da Palavra.
Chapell fala-nos de forma contundente:
Apenas pregadores comprometidos em proclamar o que Deus diz têm o imprimatur da Bíblia sobre sua pregação. Desse modo, a pregação expositiva se empenha em descobrir e propagar o significado preciso da Palavra. A Escritura exerce domínio sobre o que os expositores pregam, pois eles esclarecem o que ela diz. O significado da passagem é a mensagem do sermão. O texto governa o pregador. Pregadores expositivos não esperam que outros reverenciem suas opiniões. Tais ministros aderem às verdades da Escritura e esperam que seus ouvintes tenham o mesmo cuidado.[5]
Num cristianismo brasileiro repleto de superstições e sincretismos, assim como foi o caso no período da Reforma Protestante, a teologia deve ter o sentido de resgatar a pureza dos ensinamentos bíblicos a fim de purificar a mensagem que tem sido transmitida ao longo dos séculos.[6] Notemos, portanto, que a teologia tem um compromisso com a edificação da Igreja (Ef 4.11-16): A Igreja é enriquecida espiritualmente com os ensinamentos da Palavra, os quais cabem à teologia organizar.
“A teologia é o sustento da vida cristã”. Ela “alicerça a vivência cristã”, enfatizam Grenz e Olson.[7] Deste modo, vale a pena lembrar a observação de Barth (1886-1968): “O pregador (…) com toda modéstia e seriedade, deve trabalhar, lutar para apresentar corretamente a Palavra, sabendo perfeitamente que o recte docere só pode ser realizado pelo Espírito Santo”.[8] Lutero (1483-1546) já recomendara: “A pregação e a oração estão sempre juntas”.[9]
Todavia, quando nos distanciamos da Palavra terminamos por substituí-la por elementos que julgamos poder entreter ou instruir intelectualmente o povo. A teologia contemporânea que, em determinados grupos, cada vez mais se confunde com uma ciência social, tende simplesmente a apresentar uma mensagem puramente intelectualizada.
Veith constata com acerto:
Para se tornar intelectualmente respeitável, e ser aceita como instrução acadêmica legítima, a teologia contemporânea com frequência rejeitou a sua substância tópica. A teologia contemporânea muitas vezes deixa de ser Teologia. Em vez disso, torna-se Psicologia, Sociologia, Filosofia ou Política. O sobrenatural é excluído em favor de explicações naturalistas a ponto que a Teologia ter de, por sua própria metodologia, excluir Deus.[10]
Maringá, 11 de janeiro de 2023.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “O Evangelho não é algo inventado pelas percepções dos profetas ou pregadores, mas esse Evangelho vem do próprio Deus. Ele o possui. É sua propriedade. Portanto, quando proclamamos o Evangelho, estamos proclamando uma mensagem que não é nossa” (R.C. Sproul, O Pregador Mestre: In: R. Albert Mohler, Jr., et. al. Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 95). Hoje (03.11.22) deparei-me com uma compreensão semelhante à minha: “Não somos chamados a ‘compartilhar’ a Palavra e certamente não fomos chamados a fazer ‘parte do discurso’ sobre a Palavra. Somos chamados a proclamar a Palavra e para fazer isso com autoridade” (Tom Pennington, Pregando no poder do Espírito: In: John, MacArthur, ed. O Pastor como Pregador. Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, [p. 147-163], p. 151).
[2] “Eu mesmo não estou aqui por minha própria conta. Nada declaro por mim mesmo. Nada adiciono que seja meu. Quando falo, faço-o em nome de Deus. Portanto, por mais que os homens objetem, todos se submeterão; todo orgulho será abatido; nenhuma criatura erguerá a cabeça ou olhará com olhar desafiante para aquele a quem grandes e pequenos obedecerão” (João Calvino, Sermões sobre Tito, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, (Tt 2.15-3.2), p. 210. (Edição do Kindle).
[3] Vejam-se as pertinentes ponderações de Packer. (J.I. Packer, Havendo Deus falado, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 37ss.).
[4]Kenneth A. Macrae, A Pregação e o Perigo do Comprometimento: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 7, 2000, p. 4.
[5]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 24. “Nosso comprometimento com a eficiência única da Escritura significa que desejamos estar seguros de estar dizendo o que a Bíblia diz” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 40).
[6] Cf. Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 24.
[7]Stanley J. Grenz; Roger E. Olson, Quem Precisa de Teologia? Um convite ao estudo sobre Deus e sua relação com o ser humano, São Paulo: Editora Vida, 2002, p. 46 e 47.
[8] Karl Barth, La Proclamacion del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 46.
[9]M. Luther, Luther’s Works, Saint Louis: Concordia Publishing House, 1960, v. 2, (Gn 13.4), p. 333.
[10] Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 54.