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Teologia da Evangelização (138) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (138)

4.3.3.2. A Mente Cativa: A Palavra de outro “senhor” (Continuação)

Aos judeus que queriam ver sinais (shmei=on) e aos gregos que queriam sabedoria,[1] Paulo anunciava a Cristo crucificado (1Co 1.22-23). A mensagem da cruz nunca soou como algo simpático aos ouvidos que já dispunham de seu filtro cultural e teológico. Por isso, ela tem um duplo significado: Para os judeus, soava como escândalo[2] e pedra de tropeço visto que esta realidade não era compatível com as suas crenças; para os gregos, era loucura.[3]

          No entanto, esta era a mensagem de Paulo (1Co 1.22-23). “A base da ofensa causada por Jesus é a cruz (1Co 1.23), que anula toda a sabedoria humana, e exclui toda a cooperação humana para a salvação”, escreve Guhrt.[4]

          O que soava como loucura e escândalo revelava da glória de Cristo: Na cruz a glória do Filho é manifestada.

          Hendriksen comenta:

Jesus é glorificado quando o resplendor de seus atributos é demonstrado. Certamente que na cruz de Cristo e também na coroa divisamos essa glória. Na cruz, vista como sendo a culminação e o clímax de toda a obra da redenção, pela qual Ele salva Seu povo, o Filho manifesta Sua perfeita obediência, Seu infinito amor pelos pecadores e Seu poder sobre o príncipe deste mundo. Essa obediência, esse amor e esse poder redundam em glória para si mesmo. E também o faz a gratidão da multidão salva pela dádiva da salvação eterna”.[5]

          Aqui temos o segundo significado: Paulo mostra que a pregação da Palavra foi o método prazerosamente estabelecido por Deus para alcançar os seus.

          A Palavra é o resultado da revelação de Deus. Ele se torna conhecido por este intermédio: “…. aprouve (eu)doke/w)[6] a Deus salvar aos que creem, pela loucura (mwri/a)[7] da pregação” (1Co 1.22).      

          Pelo fato de os homens não conseguirem entender salvadoramente a mensagem do Evangelho dentro do seu quadro de referência naturalista ou simplesmente deísta, consideram-na loucura: Tudo que não se adéqua ao seu padrão de pensamento é escândalo (pedra de tropeço) ou loucura.

          Isso não significa que o homem natural, não regenerado, não possa entender a mensagem do Evangelho e até mesmo explicá-la a outros; o problema é que esta mensagem não faz sentido espiritual para ele. Ou seja: eu consigo entender o que você quer dizer só que não creio no que você diz.[8]

          A mensagem da cruz é considerada loucura pelos que estão a perecer, justamente porque ela não possui qualquer atrativo de sabedoria humana que a recomende às suas mentes.[9]  

          Barclay (1907-1978), comenta que “os gregos estavam intoxicados com palavras bonitas; e o pregador cristão com sua tosca mensagem lhe parecia um personagem cru e inculto, do qual podiam mofar-se e ridicularizar em lugar de escutá-lo e respeitá-lo”. [10] 

          A fé cristã é para ser vivida e proclamada. A pregação caracteriza essencialmente a fé cristã e a sua proclamação. Paulo, então indaga:

Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! (Rm 10.14-15).

          No final de sua vida, Paulo, com a consciência certa de ter concluído fielmente o seu ministério, exorta ao jovem Timóteo:

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito). Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).

          A despeito da irracionalidade moderna, inclusive entre nós, ditos evangélicos que temos ignorado não impunemente as grandes batalhas acadêmicas e consequentemente éticas, com as quais nos deparamos[11] – o desafio de Deus para nós não é para nos tornarmos irracionais ou ignorantes, antes é para que submetamos a nossa inteligência à Palavra.

          Aqui não se pede nenhum sacrifício lógico-racional, antes o que se requer, é a humildade para reconhecer a nossa limitação diante da majestosa sabedoria de Deus (Rm 11.33-36), exercitando deste modo, por graça, a humanamente louca sabedoria de Deus em nossa vida, reconhecendo a nossa suficiência não em nossa inteligência ou valores, mas em Deus.

          A pregação do Evangelho revela a insensatez de nossa sabedoria e a verdadeira sabedoria de Deus, que, em princípio, parece loucura. Isto é altamente ofensivo aos sábios deste mundo tão convictos de seus conhecimentos e métodos.

          Calvino (1509-1564) comenta:

O fato de que o Evangelho é aroma de morte para os ímpios não vem tanto de sua própria natureza, mas da própria perversidade humana. Ao determinar um caminho de salvação, ele elimina a confiança em quaisquer outros caminhos.[12]

          À frente:

Toda verdade proclamada referente a Cristo é completamente paradoxal pelo prisma do juízo humano. Entretanto, o nosso dever é prosseguir em nossa rota. Cristo não deve ser suprimido só porque para muitos ele não passa de pedra de ofensa e rocha de escândalo. Ao mesmo tempo que ele prova ser destruição para os ímpios, em contrapartida ele será sempre ressurreição para os fiéis.[13]

          Quero dizer mais uma palavra. A pregação fundamenta-se no princípio de que a Palavra de Deus é infalível e que Deus continua a falar por meio dela. Ou seja: A voz de Deus não se esgotou quando o cânon foi reconhecido,[14] mas, Deus continua a falar por meio de sua Palavra escrita e por meio dos pregadores que expõem esta Palavra com fidelidade. O Deus que falou no passado continua a falar hoje.[15]

          A mente cativa a Cristo é aquela que na proclamação traz pura e simplesmente o Evangelho de Cristo: “Porque não ultrapassamos os nossos limites como se não devêssemos chegar até vós, posto que já chegamos até vós com o evangelho de Cristo” (2Co 10.14).

          Deus opera poderosamente por intermédio da sua Palavra, não de nossos argumentos, por melhores que sejam; por isso o nosso testemunho deve ser avaliado à luz da Palavra, em submissão ao Espírito. A nossa compreensão e aceitação da mensagem do Evangelho não indica a nossa superioridade ou inteligência, antes manifesta a soberana graça de Deus em salvar aqueles que são considerados irrelevantes diante do mundo e, que, como todos os demais, por si só jamais creriam. Portanto, não há lugar para vanglória, mas sim, gratidão a Deus (1Co 1.29).

          Paulo faz um contraste entre a sua aparente fraqueza, conforme seus inimigos diziam (2Co 10.10),[16] com a força de suas armas, que eram poderosas não por si mesmas, mas “poderosas em Deus” (2Co 10.4); portanto, “o poder de suas armas depende de Deus e não do mundo”, resume Calvino.[17]

Maringá, 06 de janeiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Quanto à questão da retórica, veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Confluências e divergências, Goiânia, GO.: Cruz, 2022)

[2]O substantivo “escândalo”, no grego: ska/ndalon tem o sentido de “pedra de tropeço” (Mt 16.23), “tropeço” (Rm 11.9; 1Jo 2.10); “ofensa” (1Pe 2.8). “cilada” (Ap 2.14). Do mesmo modo, o verbo skandali/zw é utilizado com o sentido de: fazer tropeçar (Mt 5.29,30; 18.6,8,9; Mc 9.42,43,45,47; Lc 17.2) ou causa de tropeço (Mt 26.33); gerar maliciosamente escândalos (Rm 16.17; Ap 2.14). No grego secular, a  ideia da palavra no sentido literal é a de uma isca para atrair alguém para uma armadilha. Figuradamente refere-se às “armadilhas verbais” elaboradas para derrotar o oponente através de um argumento. Na LXX, o sentido básico é de ”tropeço” (Sl 119.165) e também de “armadilha” (Js 23.13; Jz 2.3; 8.27; 1Sm 18.21; Sl 69.22; 106.36; 140.5; 141.9). (Ver: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 182-184; J. Guhrt, Ofensa: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,v. 3, p. 311-314)

[3] Barclay escreve: “para a mentalidade grega a primeira característica de Deus era a apatheia. Esta palavra significa mais que apatia: significa incapacidade total de sentir. Os gregos sustentavam que Deus não poderia sentir. Se pudesse sentir alegria ou tristeza, aborrecer-se ou apiedar-se, significava que nesse momento alguém o havia afetado. Se isto era assim, significava que o homem havia influído em Deus; portanto, era mais poderoso que ele. Deste modo, pois, sustentavam que Deus deve ser incapaz de todo sentimento e que nada pode afetá-lo jamais. Um Deus que sofria era para os gregos uma contradição” (William Barclay, 1 y 2 Corintios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p. 30-31). Isto é fato pelo menos para determinada vertente da filosofia grega representada por Epicuro (341-271 a.C.). Veja-se: Diôgenes Laêrtios, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, 2. ed. Brasília, DF.: Universidade de Brasília, 1977, X.139. Quanto aos filtros judeus, gregos e romanos, vejam-se, por exemplo: James M. Boice, A Loucura da Pregação: In: R. Albert Mohler, Jr., Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 33ss.

[4]J. Guhrt, Ofensa: In: Colin Brown, ed. ger.O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 3, p. 312.

[5]William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004(Jo 17.1), p. 753.

[6] Tanto o verbo (eu)doke/w) quanto o substantivo (eu)doki/a) enfatizam aquilo ou aquele que é prazeroso, considerando a essência da coisa ou o que se tem em vista. Assim, vemos que Deus Se compraz em Jesus Cristo, o Filho amado (Mt 3.17; 12.18; 17.5; 2Pe 1.17), em quem reside, conforme a vontade de Deus, toda a plenitude da divindade (Cl 1.19/2.9). Deus tem prazer em revelar a Sua vontade aos “pequeninos” (Mt 11.25-26; Lc 10.21), concedendo o Seu Reino (Lc 12.32). Ele nos predestinou para adoção conforme o seu “beneplácito” (eu)doki/a) (Ef 1.5,9), assim como vocaciona os Seus servos conforme Sua vontade (Gl 1.15-16). Deus tem prazer em salvar o Seu povo através da pregação da Palavra (1Co 1.21). Deus opera em nós conforme a Sua liberdade soberana e prazerosa (Fp 2.13). No entanto, estas palavras não são utilizadas somente para Deus, elas também descrevem atitudes e aspirações humanas, como o desejo de Paulo pela salvação dos judeus (Rm 10.1); a sua oração em favor dos tessalonicenses (2Ts 1.11); a voluntariedade prazerosa da Igreja em socorrer os irmãos necessitados (Rm 15.26-27); o desejo de deixar o corpo para estar com Cristo (2Co 5.8); a abnegação de Paulo em prol dos tessalonicenses, compartilhando a sua própria vida (1Ts 2.8 “estávamos prontos” (eu)doke/w)/1Ts 3.1-5: Verso 1: pareceu-nos bem (eu)doke/w) ficar sozinhos em Atenas”); sofrer pelo testemunho de Cristo, a quem amava (2Co 12.10). O Evangelho deve ser pregado: “de boa vontade(eu)doki/a)(Fp 1.15).

[7]A  ideia da palavra é de algo “imbecil”, “tolo”, “insensato”. Na literatura clássica está relacionada à falta de conhecimento e discernimento. Dentro do aspecto da insensatez, esta figura é aplicada ao sal que, se se tornar “insípido” (mwrai/nw) (Mt 5.13; Lc 14.34-35) para nada mais serve. No emprego feito por Paulo: a loucura da mensagem da cruz de Cristo está justamente pela sua falta de sentido intelectual para aqueles que querem avaliar o seu conteúdo dentro de seus pressupostos viciados. Em síntese, o Evangelho soa como algo “simplório”. Paulo diz que Deus tornou “louca” (mwrai/nw) a sabedoria deste mundo (1Co 1.20). Por sua vez, os ímpios se considerando sábios, “tornaram-se loucos(mwrai/nw) (Rm 1.22/Jr 10.14 (“estúpido” (mwrai/nw)), em sua idolatria, recebendo o justo castigo de Deus (Rm 1.23-27)). Deste modo, a sabedoria de Deus será sempre loucura (mwri/a) para os sábios deste mundo que querem simplesmente adequar o Evangelho aos seus pressupostos (1Co 1.18,23; 2.14). Dentro desta perspectiva, Deus escolheu então as cousas loucas (mwro/j) do mundo” (1Co 1.27). Por outro lado, os que creem na loucura (mwri/a) da pregação serão salvos (1Co 1.21). A loucura (mwro/j) de Deus é mais sábia do que a sabedoria deste mundo (1Co 1.25). A sabedoria deste mundo é loucura (mwri/a) diante de Deus (1Co 3.19). Deus sabe que os pensamentos destes “sábios” são “vãos” (= “nulos”, “fúteis” (ma/taioj) *At 14.15; 1Co 3.20; 15.17; Tt 3.9; Tg 1.26; 1Pe 1.18)(1Co 3.20) Portanto, se quisermos nos tornar sábios para Deus, tornemo-nos loucos (mwro/j) para as cousas deste mundo (1Co 3.18). De certa forma, somos os loucos de Cristo (1Co 4.10). Por sua vez, ilustrando que a “loucura” ou “insensatez” não são boas em si mesmas, Paulo faz recomendações práticas para que rejeitemos as questões “sábias” deste mundo que consistem em discussões e questões “insensatas” que produzem contendas, não tendo utilidade (2Tm 2.23; Tt 3.9 (“fúteis” (ma/taioj)). Portanto, o Evangelho não tem a “loucura” e “insensatez” como virtudes (Mt 23.16-17; 25.1-13). A verdadeira sabedoria consiste em ouvir a Palavra de Deus e praticá-la. Loucura é desprezá-la (Mt 7.24-27).

[8] Ver: James M. Boice, O Evangelho da Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 108-109.

[9] Cf. João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 1.18), p. 56.

[10] William Barclay, 1 y 2 Corintios, p. 32.

[11]“A igreja está hoje perecendo por falta de pensamento, não por excesso do mesmo” (J.G. Machen, Cristianismo y Cultura, Barcelona: Asociación Cultural de Estudios de la Literatura Reformada, 1974, p. 19). “O empobrecimento intelectual em relação à fé pode levar ao empobrecimento espiritual” (William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 14). “Quero também mostrar que os cristãos não precisam ter medo de pensar; que, na verdade, os cristãos têm vantagens sobre não-cristãos quando se trata de usar o intelecto” (Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 13). Vejam-se também as oportunas observações de Craig. (William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 11-16).

[12]João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 1.16), p. 58.

[13]João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 6.1), p. 201-202.

[14] Quanto à questão do reconhecimento do cânon, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

[15] Veja-se uma boa exposição deste ponto in: John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 106ss.

[16] “As cartas, com efeito, dizem, são graves e fortes; mas a presença pessoal dele é fraca, e a palavra, desprezível” (2Co 10.10).

[17] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 10.4), p. 202.

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