Teologia da Evangelização (130)
4.3.2.1.4.3. A Posição Bíblico-Reformada
Na história da Igreja houve dois Concílios que foram fundamentais para definir a questão das duas naturezas de Cristo; o primeiro deles foi o de Nicéia, reunido em 325 e, o segundo – o mais importante –, foi o de Calcedônia, reunido de 8 a 31 de outubro de 451, com a presença de mais de 500 bispos e vários delegados papais, que como de costume o representavam. Calcedônia ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381). O seu objetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja.
O seu Credo foi rascunhado em 22 de outubro por uma comissão presidida por Anatólio de Constantinopla († 458), encontrando a sua redação final, possivelmente na 5ª Sessão, na quinta-feira, de 25 de outubro.[1] Calcedônia rejeitou o Nestorianismo (duas pessoas e duas naturezas) e o Eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus Cristo é uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas)
Berkouwer (1903-1996) resume: “….Calcedônia pronunciou-se não só contra a separação como contra a fusão”[2] das duas naturezas de Cristo. Todavia, a noção de mistério esteve presente nesta confissão, por isso, ela não tentou explicar o que as Escrituras não esclareciam.[3]
Berkhof (1873-1957) resume as “mais importantes implicações” da declaração teológica de Calcedônia, como se segue:[4]
1) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só Pessoa, como por exemplo, onisciência e conhecimento limitado;
2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real e verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível de sofrimento;
3) É a divindade, e não a humanidade, que constitui a raiz e a base da personalidade de Cristo;
4) O Logos não se uniu a um indivíduo distinto, e sim à natureza humana. Não houve primeiro um homem já existente com quem se teria associado a segunda Pessoa da Deidade. A união foi efetuada com a substância da humanidade no ventre da virgem.
Como sabemos, os documentos confessionais da Igreja elaborados e/ou sancionadas, por vezes, em Concílios, não são Palavra de Deus, contudo, ao longo da história Deus tem propiciado e capacitado a Igreja a se pronunciar desta forma em resposta à Revelação, podendo deste modo aprofundar a sua fé na sã doutrina, tendo uma compreensão mais abrangente da Palavra e, consequentemente, ser um porto seguro contra todas as ondas de heresias que surgem, tentando seduzir os fiéis com o som de variados ventos de doutrina que em seu cerne sempre reduzem ou negam a glória de Cristo, que no final das contas, é a mesma coisa.[5]
Os Credos da Igreja foram fundamentais na compreensão mais profunda e preservação da doutrina bíblica. Os quatro Concílios Ecumênicos, reunindo as igrejas do Oriente e do Ocidente, foram de extrema relevância na compreensão da Divindade, Humanidade e Unipersonalidade de Cristo.
Stott (1921-2011) assim resume:
Assim, o Concílio de Nicéia (325) garantiu a verdade de que Jesus é verdadeiro Deus, enquanto o Concílio de Constantinopla (381) garantiu que Jesus é verdadeiro homem. Em seguida, o Concílio de Éfeso (431) garantiu que, apesar de Deus e homem, Jesus é só uma pessoa, enquanto o Concílio de Calcedônia (451) garantiu que, apesar de uma única pessoa, ele tinha duas naturezas, divina e humana.[6]
Um decreto ou uma declaração teológica, por mais relevantes que seja , não põe fim imediatamente a um sistema; a ortodoxia, por sua vez, não é criada por intermédio de pronunciamentos oficiais, embora saibamos que todos eles sejam necessários e relevantes para nortear a Igreja e enriquecer a sua fé.[7]
Com isso, estamos apenas querendo indicar que, do mesmo modo que Nicéia não colocou um ponto final na questão Trinitária, Calcedônia, não determinou o fim dos problemas Cristológicos. As heresias permaneceram em diversas regiões, especialmente na Igreja Oriental.[8] Contudo, Calcedônia se constitui num marco decisório na vida da Igreja, estabelecendo uma compreensão Cristológica que, se não é a final, é a que pôde ser alcançada, pelo Espírito, dentro da revelação. No entanto, a Palavra é a fonte de toda a genuína teologia, portanto, se Calcedônia estabeleceu balizas, e graças a Deus por isso, devemos permanecer sempre atentos à Palavra de Deus, à luz da qual nós e a nossa teologia seremos julgados.
Maringá, 23 de novembro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]Compare as informações de J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã: Origem e Desenvolvimento, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 257; P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, v. 1, p. 29; Lorenzo Perrone, De Nicéia (325) a Calcedônia (451): In: Giuseppe Alberingo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São Paulo: Paulus, 1995, p. 97-98.
[2]G. C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, São Paulo: ASTE, 1964, p. 55. Bavinck comenta que “Somente em Calcedônia a tendência nestoriana de separar o divino e o humano e a tendência eutiquiana de misturar os dois receberam uma formulação definitiva” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 240).
[3]Veja-se: G.C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, São Paulo: ASTE, 1964, p. 67ss; Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS. Sinodal, 1990, v. 1, p. 492; Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 307-308.
[4] Louis Berkhof, História das Doutrinas Cristãs, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 98. Esquema bem parecido pode ser encontrado também, em Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976, (Reprinted), v. 2, p. 391-392.
[5] Como nos diz Bavinck a respeito de Calcedônia, o que pode ser dito a respeito de todos os Concílios e pronunciamentos eclesiásticos: “A linguagem de Calcedônia não é sacrossanta e está aberta a reformulação. Porém, até agora, todos os esforços para melhorá-la falharam, e a igreja não pode fazer nada melhor hoje em dia do que manter a doutrina das duas naturezas” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 243).
[6] John Stott, O Incomparável Cristo, São Paulo: ABU., 2006, p. 83.
[7]“Uma confissão teológica pobre pode, em última análise, conduzir apenas à vida cristã empobrecida” (Carl R. Trueman, O imperativo confessional, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2012, p. 254).
[8] Além das indicações já feitas, Vejam-se: Louis Berkhof, História das Doutrinas Cristãs, p. 99-102; J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã: Origem e Desenvolvimento, p. 258; B. Lohse, A Fé Cristã Através dos Séculos, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1981, p. 101-106; P. Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE., 1988, p. 91ss.; J.L. Gonzalez, A Era das Trevas, São Paulo: Vida Nova, (Uma História Ilustrada do Cristianismo), 1980-1988, p. 102ss.; Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, v. 1, p. 492ss.