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Teologia da Evangelização (129) - Hermisten Maia

Teologia da Evangelização (129)

4.3.2.1.4.2. A Unipersonalidade de Cristo

Temos aqui  (Jo 1.14) dois importantes artigos da fé. Primeiro: em Cristo as duas naturezas foram unidas numa só pessoa, de tal forma que um e o mesmo Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Segundo: a unidade de sua pessoa não impede suas naturezas de permanecerem distintas, de tal modo que a divindade retém o que lhe é inerente, e a humanidade, de igual modo, mantém separadamente o que lhe pertence. – João Calvino.[1]  

Com esse nome, queremos dizer que Jesus Cristo mesmo tendo duas naturezas, possuía apenas uma personalidade, a qual reunia perfeitamente as suas duas naturezas, sem haver fragmentação no seu comportamento.

          Jesus Cristo sempre agiu como Deus-Homem. “O que importa é sustentar que todos e quaisquer atos de Cristo são atos da única Pessoa do Verbo encarnado: mesmo na sangrenta paixão e na morte é ilícito separar a natureza humana da Divina”, destaca Berkouwer.[2]

          As Escrituras evidenciam a unipersonalidade de Cristo da seguinte forma:

          1) Jesus Cristo fala de si mesmo como uma única pessoa; não havendo o intercâmbio entre um “Eu” e um “Tu” entre as duas naturezas:

Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti. (…) 4 Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer;  5 e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo.  (…) 22 Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos;  23 eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.1,4,5,22,23).

          2) Os pronomes pessoais atribuídos a Ele são sempre referentes a uma pessoa.

          3) Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo uma preponderância do divino sobre o humano nem do humano sobre o divino. Não podemos falar biblicamente – como muitas vezes somos tentados a pensar –, em Jesus agindo, pensando e falando como homem em alguns textos e, em outros como Deus. Jesus é o verbo de Deus encarnado que vive, sofre, morre e ressuscita como tal. Jesus Cristo não tem personalidade fragmentada, sendo em alguns momentos Deus e em outros, homem. Por isso, os atributos da sua divindade bem como de sua humanidade, são atribuídos a uma só pessoa. Ilustremos isso biblicamente:

          a) Isabel dirigindo-se a Maria que a visitara, refere-se a ela como Mãe do Senhor: “E de onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor? (Lc 1.43).

          b) O anjo enviado por Deus anuncia o nascimento de Jesus Cristo:   “É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11).

          c) João Batista dá testemunho de Jesus Cristo: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).

          d) Jesus Cristo referindo-se a si mesmo: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que está no céu” (Jo 3.13).

          e) Jesus Cristo falando aos seus discípulos:“Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava?” (Jo 6.62).

          f) Pedro discursando no templo diz que os judeus mataram o Autor da vida: “Dessarte, matastes o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas” (At 3.15).

          g) Paulo instruindo os presbíteros de Éfeso em Mileto, fala do sangue de Deus: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

          h) Paulo refere-se a Cristo como Deus bendito:  “Deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém!” (Rm 9.5).

          i) Paulo diz que os homens em sua ignorância crucificaram o Senhor da glória:

             A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[3]

          Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória” (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5).

          “O paradoxo é surpreendente [Jo 1.14]. O Criador assumiu a fragilidade humana de suas criaturas. O eterno entrou no tempo. O onipotente fez-se vulnerável. O santíssimo expôs-se à tentação. E por fim o imortal morreu”, constata Stott (1921-2011).[4]

          j) Paulo afirma que em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade:8Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo;  9 porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.8-9).[5]

          Além dos textos citados, leiam também: Mt 1.21; Lc 1.31-33; Gl 4.4; Fp 2.6-11, Cl 1.13-20; Hb 1.1-2.

          4) Todos os que se referiam a Jesus Cristo, faziam menção de apenas uma só pessoa:

          À pergunta de Jesus Cristo a respeito de sua identidade. Pedro responde de forma confiante e incisiva: “….Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16).

          No final do primeiro século, como vimos, João combatendo ensinamentos de falsos mestres que penetravam a igreja, instrui:

          “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora.  2 Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1Jo 4.1-2).

          Lloyd-Jones apresenta um quadro profundo e sensível:

Se alguma vez você tiver dificuldade sobre a encarnação, só esta oração [Jo 17.1], a oração da vida do nosso Senhor em geral deveria colocá-lo imediatamente em paz, e mantê-lo em paz. Ele é verdadeiramente homem. Não é o caso de Deus numa espécie de corpo de fantasma, não é uma teofania, é a encarnação, a Palavra feita carne e habitando entre nós. Ele é verdadeiramente Deus, sim, mas é verdadeiramente homem. (…) Portanto, observar o nosso Senhor enquanto ora é talvez uma das portas mais maravilhosas de entrada ao grande mistério da Sua bendita Pessoa.[6]

          5) Em muitos textos a sua divindade e humanidade aparecem concomitantemente com clareza cristalina.

          a) O mesmo Jesus que participa socialmente de uma festa de casamento em Caná, é  Aquele que ao ser informado sobre o término do vinho, transforma a água em vinho, sendo este de melhor qualidade do que o anterior (Jo 2.1-11). Como a composição de todas as coisas foi criada e é preservada por Ele, as transformações podem ser feitas conforme a sua soberana e poderosa vontade (Cl 1.17; Hb 1.3).[7]

          b) Ele é o mesmo mestre que cansado depois de um dia de curas, ensinamentos e caminhadas, adormece profundamente no barco. Desperto pelos seus discípulos, assustados com a tempestade, repreende o mar e os ventos, havendo grande bonança (Mt 8.23-26). “E maravilharam-se os homens, dizendo: Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mt 8.27).

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.14),  p. 50.

[2] G.C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, São Paulo: ASTE, 1964, p. 221.

[3] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

[4]John Stott, O Incomparável Cristo, São Paulo: ABU., 2006, p. 33.

[5]“A plenitude do ser de Deus é revelada nele. Ele não apenas nos apresenta o Pai e nos revela Seu nome, mas Ele nos mostra o Pai em Si mesmo e nos dá o Pai. Cristo é a expressão de Deus e a dádiva de Deus. Ele é Deus revelado a Si mesmo e Deus compartilhado a Si mesmo, e portanto Ele é cheio de verdade e também cheio de Graça” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26).

[6] D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, p. 31,32.

[7] Veja-se: John Piper, Um homem chamado Jesus Cristo, São Paulo: Vida, 2005, p. 45-46.

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