Teologia da Evangelização (128)
4.3.2.1.4.1. A visão dos escritores do Novo Testamento (Continuação)
Os escritores do Novo Testamento, em nenhum momento demonstraram preocupações com as implicações metafísicas (transcendentes) concernentes à Pessoa de Cristo. Quando eles falam de Cristo, fazem-no de modo suficientemente claro demonstrando que a divindade e a humanidade de Cristo são verdades que se constituem em condição básica e essencial para a sua obra expiatória. Paulo diz que Jesus se fez semelhante na aparência da carne pecaminosa, porém, essencialmente sem pecado. Ele é paradoxalmente essencialmente humano, porém, sem pecado:
Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança (o(moi/wma) de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado (Rm 8.3).
Em favor do seu povo, Jesus Cristo, no seu estado de humilhação, se priva temporariamente da manifestação de sua glória.[1]
Paulo, em passagem magistral traça aspectos fundamentais da vida de Cristo, uma única pessoa, de eternidade a eternidade:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, 6 pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. 9Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. (Fp 2.5-11).
Aqui não há nenhum docetismo. Jesus Cristo não é apenas um ser celestial com aparência exterior humana, antes, é verdadeira e plenamente humano, porém, sem pecado.[2] (Vejam-se, também: Jo 1.18; Cl 1.13-22; Hb 1 e 2; 4.4-5.10; 7.1-10.18; 1Jo 1.1-2.2).
Jesus Cristo encarnado é tão essencialmente Deus como essencialmente homem. Ele não pode deixar de ser Deus e, após a encarnação, não deixará de ser essencialmente homem. (Mt 26.64; Jo 3.13; At 7.56).[3]
Deus não pode deixar de ser o Deus glorioso. Na encarnação Ele ocultou externamente a sua glória aos olhos dos homens.[4] De certa forma, a sua glória foi envolta em nuvens, velada na própria encarnação, como uma expressão de seu estado de humilhação.
Nosso Senhor privou-se também da alegria de estar diante do Pai, sem as limitações próprias da encarnação, com todos os agravantes resultantes do pecado humano: Fez-se pobre por amor a nós (2Co 8.9).[5]
Todavia, já na metade do primeiro século da Era Cristã, surgiram alguns homens dispostos a negar a verdadeira humanidade de Cristo, contra os quais João escreveu veementemente:
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. (Jo 1.14).
1Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. 2 Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; 3 e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. 4 Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. 5 Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. 6 Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro. (1Jo 4.1-6).
Se formos sinceros em nossa investigação bíblica, não restam muitas alternativas para nós. Ou Jesus Cristo é de fato Deus conforme o seu próprio testemunho e, assim, podemos então considerá-lo de forma decorrente como um grande mestre, um bom homem, justo e misericordioso ou, senão, Ele é um farsante não merecendo a nossa fé nem mesmo o nosso respeito.
Barth (1886-1968) coerentemente afirma que a Escritura não nos deixa vagueando em nossa fé, antes, quando nos fala de Deus, aponta para Jesus Cristo, em Quem nossa atenção e pensamentos devem se concentrar.[6]
Stott (1921-2011) coloca a questão nestes termos: “Jesus deve ser adorado ou apenas admirado? Se Ele é Deus, é digno de nossa adoração, fé e obediência; se não é Deus, dedicar a ele essa devoção é idolatria”.[7]
Maringá, 23 de novembro de 2022.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] “Não estou dizendo que Ele pôs de lado a Sua Deidade, porque Ele não fez isso. O que Ele pôs de lado foi a glória da Sua deidade. Ele não deixou de ser Deus, mas deixou de manifestar a glória de Deus” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 75). “A encarnação – e o entendimento de seu propósito, a crucificação – é o clímax da graça condescendente de Deus”(William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 1.14), p. 117). “A majestade de Deus não foi aniquilada, ainda que estivesse circunscrita pela carne. Ela ficou, de fato, oculta pela vil condição da carne, mas de modo a não impedir a manifestação de sua glória” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.14), p. 51).
[2]Veja-se: J. Schneider, o(/moioj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds.Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 5, p. 196.
[3]“Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26.64). “Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que está no céu” (At 3.13). “E disse: Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, em pé à destra de Deus” (At 7.56).
[4]Veja-se: F. Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 383-384.
[5]“Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).
[6]Karl Barth, Church Dogmatics, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2010, II/2, p. 52-53.
[7]Timothy Dudley, Cristianismo autêntico: 968 textos selecionados das obras de John Stott, São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 44.