Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (60)
3) Santificação
O perdão não é produzido por boas obras nossas, no entanto, é um forte estímulo a que procuremos viver em consonância com a vontade de Deus. O pecador perdoado é motivado a procurar se harmonizar com o propósito de Deus revelado nas Escrituras.
John Owen (1616-1642) escreveu:
O perdão não é merecido por obras piedosas realizadas antes, porém, é o mais forte motivo para se viver piedosamente depois de recebê-lo (…). Aquele que presume tê-lo recebido, e não se sente obrigado a ser obediente a Deus por causa do perdão que recebeu, na verdade não goza dele![1]
Deus nos diz na sua Palavra, que Ele nos redimiu para si mesmo a fim de vivermos para Ele, em harmonia com a sua vontade, encontrando assim a felicidade decorrente da nossa obediência.
Desfaço as tuas transgressões como a névoa, e os teus pecados como a nuvem; torna-te para mim, porque eu te remi. (Is 44.22).
Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque ele é rico em perdoar”.(Is 55.7).
O perdão de Deus não nos torna imunes ao pecado, antes, nos conduz a uma batalha confiante contra tudo aquilo que desagrada a Deus; em outras palavras: “O homem que recebeu o perdão de Deus prossegue numa luta contínua e incessante contra o pecado”, escreveu Aulén (1879-1977).[2]
A Palavra de Deus demonstra enfaticamente que a nossa salvação não é um fim em si mesma, antes é o início da vida cristã, por meio da qual nos tornamos filhos de Deus e progredimos em santificação até a consumação de todo propósito de Deus em nossa vida.
Devemos estar atentos para o fato de que a salvação (justificação, regeneração, união com Cristo), não é a linha de chegada da vida cristã; antes, é o ponto de partida. Nós não nascemos espiritualmente “acabados”,[3] antes, fomos gerados espiritualmente para o nosso crescimento, amadurecimento completo. O perdão indica a nossa restauração, para que possamos agora, neste estado de convalescência, nos alimentar da Palavra em oração, nos fortalecendo espiritualmente. O Deus que nos regenera é o mesmo que nos preserva saudável nesta nova vida.[4]
D.M. Lloyd-Jones (1899-1981) exorta-nos quanto a isso:
Cristianismo não é você parar na conversão e no conhecimento de que os seus pecados estão perdoados, e, então, contentar-se com isso pelo resto da vida; cristianismo é ingressar e desenvolver-se rumo à medida da estatura da plenitude de Cristo. Precisamos desenvolver nossas mentes e nossas faculdades, se é que desejamos tomar posse disso. Se nos contentamos com menos que isso, não passamos de crianças em Cristo, e somos indignos deste glorioso evangelho.[5]
Árvores altas com raízes profundas
O nosso crescimento externo deve ser acompanhado pelo aprofundamento e solidificação de nossas raízes. Altura exige profundidade e solidez. Por isso, o nosso crescimento profissional, social, econômico, cultural etc., deve vir acompanhado necessariamente de um alimento mais sólido, buscado não na mera superfície, para que possamos ter, não simplesmente, uma aparência espiritual teatral e cosmética, mas real e verdadeira.
Árvores mais altas necessitam de raízes mais profundas e vigorosas. A nossa projeção em geral vem acompanhada de tentações mais sofisticadas e sutis, às quais se configuram de maneira diferente. Possivelmente o nosso arsenal espiritual, se não estiver em constante sincronia com a Palavra, estará desatualizado para uma batalha na qual já entramos vencidos porque nem sequer a percebemos como tal…
Berkhof (1873-1957) usa uma figura para ilustrar a nossa nova condição:
Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual.[6]
O crente é chamado a uma caminhada constante. O Cristianismo é um caminho de vida, fundamentado na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo. A santificação é, portanto, um desafio a perseguirmos este caminho, empenhando-nos por fazer a vontade de Deus. Por isso, a santificação nos fala de caminharmos sempre em direção ao alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos em agradar a Deus, de fazer a vontade dele com o sentimento adequado.
São Paulo, 28 de outubro de 2019.
Rev. Hermisten Maia
Pereira da Costa
[1] John Owen, Apud A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 33.
[2] G. Aulén, A Fé Cristã, São Paulo: ASTE, 1965, p. 252.
[3] “O novo nascimento não produz o produto acabado. A nova coisa nascida de Deus acha-se tão longe de estar completa como o bebê recém-nascido uma hora atrás. Esse novo ser humano, no momento em que nasce, é colocado nas mãos de poderosas forças modeladoras que em grande medida determinarão se ele será um cidadão correto ou um criminoso. A única esperança para ele é poder escolher mais tarde as forças que o modelarão, e, pelo exercício do seu poder de escolha, colocar-se nas mãos certas. Nesse sentido ele se modela a si próprio, e finalmente é responsável pelo resultado” (A.W. Tozer, O Poder de Deus, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1986, p. 115).
[4] Vejam-se algumas boas analogias sobre a justificação e a santificação em Augustus H. Strong, Teologia sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 2, p. 606-607
[5] D.M. Lloyd-Jones, As insondáveis riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 254. Do mesmo modo, Veja-se: J.C. Ryle, Santidade, São José dos Campos, SP.: FIEL., 1987, p. 39.
[6] L. Berkhof, Teologia sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990,p. 541.