Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (49)
Essa é a palavra condenatória de Deus aos sacerdotes e profetas de Israel: “Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz” (Jr 6.14; Jr 8.11).
Psicologia e Pregação
Culpa é um conceito legal resultante de uma condenação pelo fato de ter-se quebrado uma lei.[1] Não há genuína culpa sem um padrão, e a sua transgressão. As Escrituras nos ensinam que todos nós como seres responsáveis que somos, tornamo-nos culpados por transgredir a sua lei (Jo 8.34; Rm 5.12; 6.23; Ef 2.1).
A psicologia que invadiu os nossos púlpitos, em parte pela ausência de pessoas habilitadas para expor as Escrituras com autoridade e integridade, se misturou com a teologia de tal forma, que conceitos totalmente estranhos à Palavra são difundidos com naturalidade sem que nem ao menos percebamos.
Culpa e autoestima
Um desses conceitos é de que devemos eliminar o sentimento de culpa. Outro ensinamento associado a esse, é da importância de cultivarmos uma autoestima. Como se sensação de não termos culpa ou um alto conceito de nós mesmos mudasse a realidade do que somos.
Sem dúvida, a culpa psicológica, que pode perdurar pela falsa ideia de pecado ou, pela compreensão equivocada da obra expiatória de Cristo e do completo perdão de Deus, deve ser superada.[2]
No entanto, a autoestima não irá vencer o genuíno sentimento de culpa resultante de um pecado real. Somente o Evangelho pode fazer por nos mostrar o que somos e como podemos nos tornar em Cristo.
Martin Buber (1878-1965), tem um insight muito perspicaz:
Se Deus faz essa pergunta [“Onde você está?], Ele não quer saber algo que ainda não saiba sobre a pessoa; Ele quer provocar alguma coisa nessa pessoa, algo que só pode ser provocado dessa maneira – com a condição de que a pergunta atinja o coração da pessoa, de que a pessoa se permita ser atingida no coração.
Adão se esconde para não ter de dar satisfações, para escapar da responsabilidade em relação à própria vida. Dessa maneira, todos os homens se escondem, pois todos são Adão e estão na situação de Adão. Para escapar da responsabilidade por sua vida, a existência é transformada num sistema de esconderijos.[3]
Sentimento de culpa como bênção
O pecado não é uma invenção cristã, antes é a realidade do homem após a Queda, quando nossos primeiros Pais desobedeceram a Deus resultando tal ato em vergonha e culpa.[4]
“A verdadeira culpa tem somente uma causa: o pecado. Até que o pecado seja tratado, a consciência lutará para acusar. E o pecado – e não a baixa estima – é o que o Evangelho veio derrotar”, enfatiza MacArthur.[5]
O Cristianismo não é uma religião de doença e enfermidade com ênfase patológica no pecado. Mas, sem dúvida, o Cristianismo trata essencialmente com doentes e, sincera e misericordiosamente apresenta com clareza o seu diagnóstico terminal. Porém, ao mesmo tempo, apresenta a cura definitiva na expiação de Cristo Jesus.
Portanto, não podemos falar de perdão sem considerarmos o pecado.
Mohler Jr., coloca bem a questão:
Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho.[6]
Jesus Cristo veio salvar os enfermos, não os supostamente sãos: “31 Respondeu-lhes Jesus: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. 32 Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lc 5.31-32).
“O Cristianismo é a religião do coração ferido”, resume Machen.[7]
Considerar-nos sãos quando na realidade estamos em um estado terminal é algo terrivelmente nocivo a todos nós.
Por isso, o sentimento de culpa pode ser uma das bênçãos de Deus para que não nos entreguemos totalmente ao pecado. “A culpa que sentimos como pecadores é legítima, natural e até mesmo apropriada”, conclui MacArthur.[8]
Culpa é graça
A culpa, nestes casos, é graça! Por exemplo, a sensação indesejada de dor, como quando tocamos distraidamente em um ferro quente, propicia um alerta para evitar um mal maior.[9] O painel do carro que com tanta frequência em nosso país acende indicando problemas na “injeção”, é indesejado, porém, passa a ser um sinal importantíssimo até então imperceptível, de que algo está errado. Em geral, para nossa alegria (não é a “injeção”) e tristeza, é o combustível do posto “confiável” com bandeira, que não atende às especificações da mistura, já por si só, bastante generosa…. Portanto, a luz vermelha não é o problema. Ela apenas indica que algo está errado.
A culpa não é o fim, mas, por vezes, é o meio utilizado por Deus para restringir o mal e nos conduzir, no momento próprio, de volta a Ele pela Palavra.[10]
A nossa consciência, não cauterizada, tem um papel importante nesse processo (1Tm 4.2/1Co 4.3-5).[11]
Somente a Palavra pode curar nossas feridas restaurando a nossa alma. Não há restabelecimento espiritual sem o retorno a Deus; à nossa restauração primeira; à comunhão com Deus.
Maringá, 11 de outubro de 2019.
Rev.
Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Veja-se: Culpa: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 152-153.
[2] Sobre esses pontos, veja-se: Francis A. Schaeffer, Verdadeira espiritualidade, São Paulo: Editora Fiel, 1980, p. 144-156.
[3]Martin Buber, O caminho do homem segundo o ensinamento chassídico, São Paulo: É Realizações, 2011, p. 10.
[4]“Quando Adão e Eva cometeram sua primeira transgressão, a vergonha e a culpa foram sentidas pela primeira vez na história humana” (R.C. Sproul, Estudos bíblicos expositivos em Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 109).
[5]John F. MacArthur, O aconselhamento e a pecaminosidade humana: In: John F. MacArthur, et. al., eds. Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 130.
[6]Albert Mohler Jr., O desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32.
[7]J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 71.
[8] John F. MacArthur, O aconselhamento e a pecaminosidade humana: In: John F. MacArthur, et. al., eds. Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 138. Do mesmo modo, escreveu Stott: “Se os seres humanos pecaram (o que aconteceu), e se são responsáveis por seus pecados (o que são), então são culpados perante Deus. A culpa é dedução lógica das premissas do pecado e responsabilidade. Erramos por nossa própria falta, e, portanto, devemos arcar com a justa penalidade de nosso erro” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo,Miami: Editora Vida, 1991, p. 86).
[9] Veja-se: Jay E. Adams, Teologia do aconselhamento cristão, Eusébio, CE.: Editora Peregrino, 2016, p. 202-203.
[10]“Estejamos seguros de que quando Deus nos faz sentir Sua mão, de modo a humilhar-nos sob ela, que Deus nos está fazendo um favor especial, e que se trata de um privilégio que Ele não concede a ninguém, senão a seus próprios filhos” (Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 49).
[11]“Pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência” (1Tm 4.2). “Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós ou por tribunal humano; nem eu tampouco julgo a mim mesmo. 4Porque de nada me argúi a consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga é o Senhor. 5 Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações” (1Co 4.3-5).
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