Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (1)
Introdução
O desafio da teologia é fazer justiça a todos os atributos de Deus revelados na Escritura. – Herman Bavinck.[1]
Se nos recusarmos a honrar a Deus como Deus, toda nossa visão sobre a vida e o mundo torna-se distorcida. – R.C. Sproul.[2]
Como é bom poder aprender! Amo aprender com todos e em todas as circunstâncias. Considero isso um privilégio de grande relevância que Deus nos oportuniza em nossa vida cotidiana.
Podemos aprender com pessoas diferentes, coisas simples da vida, como um segredinho que nos possibilita furar a parede com uma furadeira sem deixar que uma quantidade maior de poeira caia no chão, como também, aprender algo sofisticado que nos transmita um princípio de vida que pode moldar e redirecionar a nossa perspectiva e comportamento.
Tenho tido o privilégio de aprender muitas coisas com meus colegas, familiares, irmãos, pessoas desconhecidas, leituras, analisando as minhas reações, observando o comportamento de pessoas, alguns animais e assim por diante. Muito disso tem sido significativo para mim.[3]
É salutar aprender em lugares suspeitos (onde suspeitamos que vamos aprender) e, em lugares insuspeitos (onde não suspeitamos que podemos aprender algo). Confesso que por vezes, aprendo mais nos lugares insuspeitos, ainda que não necessariamente alguém quisesse me ensinar aqui e outros quisessem fazê-lo acolá… Mas, aprendamos com o que pretendem nos ensinar e com o que ninguém pensou em fazê-lo.[4]
Observo que ainda que seja admirável, em muitas circunstâncias, aprender positiva e negativamente com as experiências de outras pessoas, ou seja: como fazer ou não fazer, podendo, assim, evitar alguns dissabores desnecessários ou ganharmos tempo sem maiores tropeços, tais experiências são intransferíveis.
Essas experiências quando muito, podem compor parte de um quadro teórico de nossa mente, fazendo, portanto, sentido − já que as associamos ao que ouvimos ou lemos a partir de determinada fonte − às nossas outras experiências, ao que nos parece lógico e, também, não menos importante, ao grau de perda a que estarei sujeito se insistir em contradizer tudo isso apenas para fazer um teste e experimentar o que aprendemos, mas, não estamos tão convencidos assim. Aprender e praticar tem o seu ônus próprio.
Dentro dessa perspectiva, posso me arriscar a fazer um churrasco com sal refinado ao invés do sal grosso, para ver se também funciona. Se der errado, estamos em família, e os seus membros e agregados são generosos em seus comentários conforme a fome que os domina especialmente para almoçar depois das 15h. Mas, dificilmente me arriscaria a pôr meus únicos e poucos recursos em um investimento para o qual os especialistas indicam a perda iminente. Obviamente, cada caso é um caso. É isso mesmo: o grau de perda é diferente nos dois exemplos. Junto a esses, poderíamos enumerar muitos outros mais.
Em síntese, as hipóteses, por mais simpáticos que sejamos a elas, se não estivermos dispostos a verificá-las ou testá-las, é melhor manter o princípio de não as passarmos aos outros como sendo verdade. Mexerico, ainda que feito com simpatia – aprecio o que estou difundindo – tende a exalar aromas de nossa mais profunda natureza em sua estrutura intelectual[5] e espiritual.
Deste modo, repetir informações sem ter certeza e possibilidade de verificação é algo arriscado. O princípio de Lutero (1483-1546) nos parece óbvio: “É sempre melhor ver com os próprios olhos do que com os de outras pessoas”.[6]
Maringá, 24 de agosto de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98.
[2] R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, 206.
[3] A observação de Warren aponta na mesma direção: “Eu prefiro admitir que não sei de tudo do que fazer de conta que sei de tudo e não aprender nada. Você pode aprender algo com qualquer pessoa”.[3] (Rick Warren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 30).
[4] Conforme trarei em outro lugar (Hermisten M.P. Costa, Introdução à cosmovisão Reformada: um desafio a se viver responsavelmente a fé professada, Goiânia, GO.: Cruz, 2017, p. 25ss.), temos matrizes que conferem determinado sentido à realidade por ela ser percebida como tal. A realidade é o que é, no entanto, nós a percebemos mediante contornos conferidos e mediados por nossa experiência. O nosso lugar social privilegia a nossa percepção. O que nos privilegia também nos delimita. Não somos oniscientes. Portanto, no que acreditamos, de certa forma, determina a construção de nossa identidade. Isto é válido dentro de uma perspectiva cultural como individual. Cada época é caracterizada por determinadas crenças as quais moldam a sua visão de mundo.
Todo conhecimento parte de um pré-conhecimento que nos é fornecido pela nossa condição ontologicamente finita e pelas circunstâncias temporais, geográficas, intelectuais e sociais dentro das quais construímos as nossas estruturas de conhecimento. Afinal, a humanidade atesta a sua humanidade. A criatura demonstra a sua condição. Não existe neutralidade existencial porque, de fato, não há neutralidade ontológica (veja-se: Veja-se: H. R. Rookmaaker, A arte não precisa de justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 39). Esta realidade pré-julgadora na maioria das vezes nos é imperceptível. O que pensamos determina a nossa visão e compreensão do objeto. Numa relação de conhecimento, o cérebro influencia mais o olho do que o olho ao cérebro. É por isso que a visão que tenho, ainda que tenha um forte elemento referente, é minha visão, com suas particularidades.
[5] “Deus, tendo designado o homem como criatura sociável, não o fez apenas com inclinação e necessidade para estabelecer camaradagem com os de sua própria espécie, mas o forneceu também com a linguagem, que passou a ser o instrumento mais notável e laço comum da sociedade. O homem, portanto, teve por natureza seus órgãos de tal modo talhados para formar sons articulados, que denominamos palavras. (…) Além de sons articulados, portanto, foi mais tarde necessário que o homem pudesse ter a habilidade para usar esses sons como sinais de concepções internas, e fazê-los significar as marcas das ideias internas de sua própria mente, pelas quais elas serão conhecidas pelos outros, e os pensamentos das mentes dos homens serão mutuamente transmitidos” (John Locke, Ensaios acerca do entendimento humano, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 19), 1974, III.1. §§ 1-2, p. 227. Veja o comentário feito por Leibniz: G.W. Leibniz, Novos ensaios, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 19), 1974, III.1, p. 167-168).
[6]Martinho Lutero, Conversas à mesa, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, # 33, p. 28.