Pessoa e Obra do Espírito Santo (192)
6.3.6.2. Características da fé salvadora
Pelo fato de possuirmos a fé salvadora, duas realidades bastante significativas podem ser apresentadas a nosso respeito. Somos pecadores carentes de salvação e, pela graça irresistível de Deus, fomos alcançados pelo dom da fé.
A fé salvadora é fruto da graça de Deus em homens e mulheres pecadores.
Kuyper escreve magistralmente sobre isso:
A fé salvadora é possível, portanto, somente nos homens pecaminosos e pelo tempo que eles permanecem pecaminosos.
Supor que a fé salvadora existia no Paraíso é destruir a ordem das coisas. Num sentido não havia necessidade de salvação no Paraíso, porque ali era felicidade pura e não perturbada, e, para o desenvolvimento dessa felicidade numa glória ainda maior, não a fé, mas as obras foram o instrumento nomeado. A fé pertence ao Pacto da Graça, e somente a ele.[1]
Essas considerações devem reforçar o sentimento de humildade e total dependência de Deus. Prossigamos em nosso estudo.
1) Origina-se no próprio Deus
Como temos enfatizado, a fé salvadora é produto da graça de Deus. O Espírito é a sua causa eficiente.[2] Ele age por intermédio da sua Palavra nos gerando espiritualmente, tornando-nos seus filhos. Deus em tudo se antecipa a nós. Isso é maravilhoso!
Toda a nossa relação com Deus começa por Deus mesmo. Deus fala com mortos espirituais. O que poderia parecer loucura, é graça que dá vida a mortos (Ef 2.1,5). Quando Deus fala poderosamente aos mortos, eles ressuscitam. Somente o Deus que nos deu vida pode nos libertar da morte espiritual nos recriando em Cristo.
Ele se revela de forma definitiva por meio de seu Filho e nos capacita, por inteira graça, a recebê-lo pela fé, como nosso Salvador. Fé é graça. Fé é ressurreição, é novo nascimento, é vida.
Elenquemos alguns dos inúmeros textos sobre o assunto:
Após a cura do coxo realizada por intermédio de Pedro e João, mediante a admiração do povo, Pedro fala no templo. A certa altura diz: “Pela fé em o nome de Jesus, é que esse mesmo nome fortaleceu a este homem que agora vedes e reconheceis; sim, a fé que vem por meio de Jesus deu a este saúde perfeita na presença de todos vós” (At 3.16). (Destaques meus).
Lucas endossa o ministério de Apolo com essa nota teológica: “Tendo chegado, auxiliou muito aqueles que, mediante a graça, haviam crido” (At 18.27). (Destaques meus).
Paulo saúda os efésios enfatizando a origem da fé professada por aqueles irmãos: “Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo” (Ef 6.23). (Ênfase minha).
O mesmo apóstolo, preso, consola e estimula a igreja de Filipos. Em momento de tristeza e provação, escreve: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele” (Fp 1.29). (Grifos meus).
O escritor de Hebreus estimulando seus leitores a perseverarem na fé, se refere a Jesus Cristo como autor e consumador da fé: “Olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus” (Hb 12.2).
João mostra que aquele que vence o mundo é nascido de Deus. Este é aquele que crê, tem fé, em Cristo como filho de Deus:
Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido. 2 Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos. 3 Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos, 4 porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. 5 Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus? (1Jo 5.1-5).[3] (Grifos meus).
Essa fé exige conhecimento da Palavra de Deus. A fé é uma relação de confiança a qual, obviamente, não pode ser imposta. Como acreditar em alguém que não conhecemos? A fé consiste no conhecimento do Pai e do Filho pelo testemunho do Espírito (Jo 17.3/Jo 15.26; 16.13-14).[4] “A fé não consiste na ignorância, senão no conhecimento; e este conhecimento há de ser não somente de Deus, senão também de sua divina vontade”, enfatiza Calvino (1509-1564).[5]
Maringá, 21 de maio de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 408.
[2]Cf. Johannes Wollebius, Compêndio de Teologia Cristã, Eusébio, CE.: Peregrino, 2020, p. 239.
[3]“A fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (Tg 1.18). “Pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23).
[4] “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3). “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo 15.26). “13 quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. 14 Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).
[5] João Calvino, As Institutas, III.2.2.