Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (33)
5.2. O temor a Deus e a Palavra
Nada há de melhor, para desenvolver esse santo temor, do que o reconhecimento da soberana majestade de Deus. – A.W. Pink.[1]
O aprendizado do temor a Deus começa pela leitura da Palavra, o refletir sobre a gloriosa e majestosa natureza de Deus, seus mandamentos e atos na história.
Ilustremos isso.
Moisés preparando o povo para entrar na Terra Prometida incumbiu aos sacerdotes de organizarem a Festa dos Tabernáculos, uma das três solenidades obrigatórias a todos os judeus.[2]Essas Festas solenes tinham como propósito, manter o povo unido em torno da Aliança, demonstrando às nações vizinhas a condição de povo eleito de Deus e, reafirmar a sua identidade de nação santa escolhida do Senhor, a quem deveriam honrar, obedecer e celebrar.[3] Nesta solenidade o povo apresentava ofertas a Deus como reconhecimento de suas bênçãos (Dt 16.17):[4]
Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; 13 para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir. (Dt 31.11-13).
O temor do Senhor – o senso de sua grandeza e majestade – deve estar diante de nós, de nossos desejos, projetos e atitudes. Este deve ser o princípio orientador de nossa vida.
Calvino (15090-1564) faz uma analogia pertinente e esclarecedora:
Visto que os olhos são, por assim dizer, os guias e condutores do homem nesta vida, e por sua influência os demais sentidos se movem de um lado para o outro, portanto dizer que os homens têm o temor de Deus diante de seus olhos significa que ele regula suas vidas e, exibindo-se-lhes de todos os lados para onde se volvam, serve de freio a restringir seus apetites e paixões.[5]
Por meio deste princípio orientador e regulador temos os nossos olhos abertos para as maravilhas de Deus. Longe de ser algo inibidor, é libertador de uma visão míope e cativa de sua percepção enferma.
Veith Jr., escreve sobre esse ponto:
Temer a Deus não é o fim da sabedoria, mas o começo. Uma pessoa que teme a Deus pode se abrir para as alturas vastas e vertiginosas do conhecimento. Aqueles que “praticam” esse temor de Deus podem ter um “bom entendimento” de tudo.[6]
A educação bíblica é magnificamente completa, envolvendo o ensino sobre a santidade e a misericórdia de Deus. Mostra-nos o Deus absoluto e, o quanto carecemos dele. Portanto, biblicamente, devemos caminhar dentro dessa perspectiva: Deus é santo/majestoso, isto nos leva a reverenciá-lo com santo temor. Mas, também, Deus é misericordioso, portanto, devemos amá-lo com toda a intensidade de nossa existência. A santidade nos fala de sua justiça. A misericórdia nos conduz a refletir sobre o seu incomensurável amor que fez com que Ele se desse a conhecer, consumando a sua revelação em Jesus Cristo, o Deus encarnado (Hb 1.1-4).
A eliminação de uma dessas duas percepções do Ser de Deus nos conduziria a uma compreensão equivocada de quem é Deus e, consequentemente de nosso relacionamento com Ele. Uma teologia equivocada promove uma fé distorcida e uma ética estéril. A genuína vida cristã parte sempre de uma compreensão adequada do Deus infinito e pessoal; o Deus que se revela.
O nosso amor a Deus começa pelo conhecimento de sua majestade. Downs enfatiza corretamente: “O amor por Deus deve estar enraizado apropriadamente no solo de nosso temor de Deus”.[7] Portanto, devemos não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.
O salmista Davi depois de grande prova e livramento, escreve: “Vinde, filhos e escutai-me; eu vos ensinarei (dml) (lamad)[8] o temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR” (Sl 34.11). Restaurado por Deus após ter pecado, confessado e se arrependido, Davi propõe-se a ensinar o caminho de Deus: “Então, ensinarei (dml) (lamad) aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (Sl 51.13).
O ensino sobre Deus, envolve, portanto, a sua justiça e misericórdia perdoadora.
Maringá, 06 de novembro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1]A.W. Pink, Deus é Soberano,São Paulo: Editora Fiel, 1977, p. 140.
[2]Ela ocorria no final do ano, quando eram reunidos os trabalhadores do campo. Nesses dias todos os judeus deveriam habitar em tendas de ramos: “Sete dias habitareis em tendas de ramos; todos os naturais em Israel habitarão em tendas; para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito” (Lv 23.42-43). Esta festa era caracterizada por grande alegria: “Alegrar-te-ás, na tua festa, tu, e o teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva que estão dentro das tuas cidades” (Dt 16.14). Assim descreve Edersheim (1825-1829): “A mais alegre de todas as festas do povo israelita era a Festa dos Tabernáculos. Ela caía justamente num tempo do ano, em que todos os corações estavam repletos de gratidão, de contentamento e de esperança. Já as colheitas estavam guardadas nos celeiros; todos os frutos estavam também sendo recolhidos, a vindima estava feita, e a terra aguardava apenas que as ‘últimas chuvas’ amolecessem e refrescassem o chão, a fim de que nova colheita fosse preparada. (…) Ao lançar os olhos para a terra dadivosa e para os frutos que os havia enriquecido, deveriam os israelitas lembrar-se de que só pela miraculosa intervenção divina tinham eles conquistado esta pátria, cuja propriedade, entretanto, Deus sempre reclamara por direito Seu” (Alfredo Edersheim, Festas de Israel, São Paulo: União Cultural Editora, (s.d.), p. 83).
[3] Cf. Matthew Henry, Comentario Exegético-Devocional a toda la Biblia – El Pentateuco, Barcelona: CLIE, 1983, (Dt 16.1-17), p. 825.
[4]“Cada um oferecerá na proporção em que possa dar, segundo a bênção que o SENHOR, seu Deus, lhe houver concedido” (Dt 16.17).
[5]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.1), p. 122-123.
[6]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 135.
[7]Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 180.
[8]A ideia básica de (למד) (lamad) é a de aprender, ensinar, treinar, educar, acostumar-se a; familiarizar-se com (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad:In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,p. 791; D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1 p. 662; A.W. Morton, Educação nos tempos bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261; E.H. Merrill, dml: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 800-802.