Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (48)
10.3.2. Unifica a igreja
Todos os crentes estão unidos pela fé comum em Jesus Cristo, tendo sido selados pelo mesmo Espírito que atua em nós, tornando-nos em seu Templo (1Co 3.16; 6.19; Ef 1.13). Participar da Igreja é participar da unidade e da comunhão do Espírito (2Co 13.13; Fp 2.1), tendo acesso ao Pai (Ef 2.18). Esta comunidade tem como lema de vida o amor que caracteriza a Igreja de Cristo.[1]
Brunner (1889-1966) comenta:
Desde o primeiro momento de sua regeneração, o crente é, independentemente de sua vontade e de sua própria realização, incorporado a um grande conjunto, em uma rica comunhão. Ele se torna membro de uma nova nação e cidadão de um reino espiritual, cujo rei é glorioso na multidão de seu povo (Pv 14.28).[2]
A harmonia multifacetada da Igreja está no fato de que toda a diversidade cumpre o seu papel específico dentro do Corpo vivo de Cristo. Esta é uma das facetas da Obra do Espírito nela (1Co 12.4,12,13,14,25/Ef 4.3). Na Igreja, há a igualdade e a diferença convivendo conjuntamente. Todos estamos unidos pela fé comum e obediência ao cabeça – Cristo Jesus.
No capítulo 17 do Evangelho de João, versos 20-23, encontramos Jesus orando para que o seu povo permanecesse unido. Bruce (1910-1990) comenta que, “a unidade pela qual Ele ora é uma unidade de amor, na verdade trata-se da participação deles na unidade de amor que existe eternamente entre o Pai e o Filho”.[3]
Analisemos, agora, alguns aspectos dessa unidade:
10.3.2.1. A natureza da unidade
É muito comum pensarmos em termos de unidade externa, aparente, sem nenhum significado espiritual. A unidade não pode ser uma expressão apenas para consumo externo, como uma espécie de troca de olhares amorosos entre casais, quando estão em público, desejando expressar um sentimento já esmaecido. A unidade da igreja deve ser algo mais profundo, porque a sua importância e abrangência são de grande relevância, e não pode ser simplesmente desprezado ou olhado com superficialidade.
Creio que Lloyd-Jones, com fundamento bíblico e a experiência de alguém que lutou com essa questão em seu país em meados da década de 1960, tocou em algo essencial: “A Bíblia não se interessa por unidade exterior. A unidade essencial que a Bíblia busca é a do Espírito. É esta relação pura entre as diversas partes do corpo que realmente importa”.[4]
1) O que a unidade não é
a) Unidade não é simplesmente companheirismo social
A Igreja não é um grupo social que se reúne para lazer, diversão ou preservação da vida.[5] Na realidade, no que concerne à relação cristã há um elemento vital que transcende a todas as outras relações humanas comuns. Somos chamados por Deus à comunhão de Seu Filho, que é o nosso Senhor: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9). Sem esta compreensão, não há genuína unidade cristã.
b) Unidade não é uniformidade de organização
A Igreja não precisa, necessariamente, manter em todos os tempos e lugares a mesma forma de organização. Sem dúvida, a organização é muito importante, todavia, ela deve estar a serviço do Evangelho com vistas ao estabelecimento da comunhão cristã (Veja-se: At 6.1-7).
E mais. Aqueles que têm insistido em uma unidade organizacional, leia-se: sob à condução do papa, tem primado por uma unidade superficial, sem atentar para o fato de que a unidade externa não significa de modo algum uma unidade teológica. A unidade organizacional, sendo possível, deve ser precedida essencialmente por uma unidade espiritual e doutrinária.[6] No entanto, essa ênfase de uma organização visível é essencial no sistema católico romano, devido à sua teologia que tem na figura do papa, o elemento catalizador e central dessa unidade.[7]Sacrificar a doutrina em prol de uma unidade externa superficial com vistas à constituição de uma “mega” igreja ou denominação em termos numéricos, não é uma atitude biblicamente honesta e, portanto, não aceitável.
Unidade organizacional não significa unidade espiritual. E, ainda que assim fosse, não significaria, necessariamente, unidade bíblica, conforme ensinada na Escritura.
c) Unidade não é uniformidade de vida
Veith Jr. diz com propriedade que “a unidade bíblica não é nenhuma uniformidade monótona, como também, não é o nada das religiões orientais, que erradicam a individualidade e a singularidade, e também não é um burocrático denominador comum inferior”.[8]
De fato, a experiência comum dos crentes, é a transformação de sua vida pelo Espírito. Contudo, isto não implica que tenhamos uma vida “uniformizada”. Deus transforma a nossa personalidade,[9] todavia não nos coloca dentro de uma forma. Deus transformou Jacó em Israel, Simão em Pedro, Saulo em Paulo, mas não converteu Pedro em Paulo, nem Jacó em Pedro.
Lewis (1898-1963) coloca a questão nestes termos:
Se você não entregar o seu “eu”, você não será um verdadeiro “eu”. A uniformidade se encontra muito mais entre os homens “naturais” do que entre aqueles que se renderam a Cristo. Como foram monotonamente parecidos todos os grandes tiranos e conquistadores! Como são gloriosamente diferentes os santos![10]
Nós somos livres em Cristo para fazer a sua vontade, dentro das características próprias que ele mesmo nos concedeu. Passamos agora a ter uma personalidade governada pelo Espírito.
Como disse Lloyd-Jones:
Quando você se torna cristão, não perde a sua personalidade, num sentido fundamental, mas você não é mais governado pela sua personalidade; a sua personalidade é governada pelo Espírito Santo, e assim, por meio da sua personalidade, as diversas graças, o fruto do Espírito, começam a mostrar-se.[11]
São Paulo, 13 de maio de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Leia esta série completa aqui.
[1]Veja-se: H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, O Equívoco da Igreja, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 59.
[2]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 564
[3] F.F. Bruce, João: Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1987, p. 285.
[4]D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 29. Veja-se também: D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: v. 4), p. 150-167.
[5] Quanto ao conceito de que a organização social visa preservar o indivíduo dele mesmo, Vejam-se: T. Hobbes, Leviatã, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 14), 1974, I.13; p. 79; J. Locke, Segundo Tratado Sobre o Governo ,São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 18), 1973, III.16ss. p. 46ss; IX. 124ss., p. 88ss. e J.J. Rousseau, O Contrato Social, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1975, III.9. p. 88.
[6]Veja-se: Phil Johnson, Não estamos divididos: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 143-155.
[7]“O Papa é o centro de unidade na teoria romana da igreja; por sua autoridade universal e suprema amarrando numa corporação visível todos os membros da Igreja Cristã, e reduzindo a certa uniformidade exterior de fé, e culto, e ordem, todas as partes da sociedade eclesiástica” (James Bannerman, A Igreja de Cristo: Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da igreja cristã, (v. 1 e 2), Recife, PE.: Editora Os Puritanos, 2014, p. 708).
[8] Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 96.
[9]Veja-se: Jay A. Adams, Conselheiro Capaz, São Paulo: Fiel, 1977, p. 37ss; 84ss. C.S. Lewis, observou que: “Só ganharemos a nossa verdadeira personalidade quando consentirmos em que Deus nos coloque no lugar que nos compete. Somos mármore esperando ser esculpido, metal esperando ser vertido no molde” (C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 46).
[10]C.S. Lewis, A essência do Cristianismo autêntico, São Paulo: ABU Editora, 1979, p. 128.
[11]D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 60.
Unidade na diferença faz de nós, Pastores, administradores de contrários.