Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (46)
10.2.3. Tem um sentido de crescimento espiritual com um fim escatológico
1) O escritor de Hebreus referindo-se a alguns heróis da fé que viveram na esperança da promessa de Deus quanto ao descanso futuro, e de outros homens que foram incrédulos, escreve: “Esforcemo-nos (Spouda/zw), pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência” (Hb 4.11).
2) Quanto à esperança da vinda de Cristo e à nossa maneira de viver hoje, Pedro escreve: “Esperando e apressando (speu/dw) a vinda do dia de Deus, por causa do qual os céus incendiados serão desfeitos e os elementos abrasados se derreterão” (2Pe 3.12).
A ideia aqui expressa, não é a de que possamos modificar o dia do regresso de Cristo. A palavra traduzida por “apressar” (speu/dw), indica um desejo intenso pelo que virá, envolvendo a ideia de diligenciar com zelo, solicitude, urgenciar, etc. Ela revela uma pressa prazerosa daquilo que terá de ocorrer.[1] Não significa também, uma simples pressa para que aconteça de uma vez aquilo que terá de acontecer, como por exemplo, no caso de alguém que diz: “Já que tenho de ser operado mesmo, vou logo”; ou, “se tenho que ir mesmo, vou de uma vez…”. A ideia aqui é totalmente diferente; denota uma urgência prazerosa de que Cristo venha.
A Igreja mesmo sem poder alterar o dia da Vinda de Jesus – e devemos dar graças a Deus por isso –, faz parte do cronograma relativo ao regresso glorioso e triunfante de Cristo. Somos intimados a levar adiante os eventos que devem ocorrer antes do dia de Deus.
3) Falando sobre a necessidade que os crentes têm de usar dos meios de graça, Pedro orienta: “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência (spoudh/), associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; (…) Por isso, irmãos, procurai, com diligência (Spouda/zw) cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (2Pe 1.5,10).
4) Conforme temos enfatizado, o Cristianismo é essencialmente um caminho de vida, fundamentado na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo. A santificação é, portanto, um desafio a perseguirmos este caminho, nos empenhando por fazer a vontade de Deus. Por isso, a santificação nos fala de caminharmos sempre em direção ao alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos de agradar a Deus, de fazer a Sua vontade com o sentimento adequado. Daí a exortação de Pedro de que nos esforcemos por ser achados pelo Senhor “sem mácula”: “Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos (spouda/zw) por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2Pe 3.14). (Hb 6.11).
10.2.4. Tem um sentido de solicitude fraterna
1) Paulo, preso em Roma pede a Timóteo esta urgência em encontrá-lo: “Procura (Spouda/zw) vir ter comigo depressa” (2Tm 4.9); “Apressa-te (Spouda/zw) a vir antes do inverno”(2Tm 4.21).
Em outro contexto, havia solicitado o mesmo a Tito: “Quando te enviar Ártemas ou Tíquico, apressa-te (Spouda/zw) a vir até Nicópolis ao meu encontro. Estou resolvido a passar o inverno ali” (Tt 3.12).
Destacamos aqui a necessidade do companheirismo fraterno. Paulo, o grande apóstolo, sentia falta de seus amigos e discípulos; de Timóteo e Tito. Muitos o haviam abandonado; no entanto Lucas permanecia com ele (2Tm 4.11). A Timóteo ele solicita de modo especial que traga Marcos (2Tm 4.11), a “capa (…) bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (2Tm 4.13). O inverno se aproximava. Paulo desejava a sua capa para aquecer o seu corpo e os livros, pergaminhos e amigos, para aquecer a sua alma saudosa. Ninguém é totalmente insensível às condições climáticas e, ninguém está além da necessidade de amizade e solidariedade.
Paulo não pediu aos seus amigos que cuidassem de sua libertação; contudo, sentia falta de sua companhia. A prisão seria menos úmida e nociva na companhia de seus amigos. Quão bom é podermos contar com nossos amigos e, quão necessário é que nossos amigos saibam o quanto eles são importantes para nós e que também eles podem contar com a nossa solicitude em aliviar as suas cargas com os nossos recursos, com a nossa atenção e solidariedade.
2) O centurião que envia emissários que solicitem a presença de Jesus para que cure o seu servo, tem na declaração de seus enviados um testemunho de sua bondade e, ao mesmo tempo, de reconhecimento daqueles homens: “Estes, chegando-se a Jesus, com instância (spoudai/wj) lhe suplicaram, dizendo: Ele é digno de que lhe faças isto; porque é amigo do nosso povo, e ele mesmo nos edificou a sinagoga” (Lc 7.4-5).
3) Epafrodito, emissário dos filipenses para socorrer a Paulo em suas necessidades, adoeceu quase morrendo. Quando Epafrodito recuperou-se, Paulo escreve: “Com efeito, adoeceu mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza. Por isso, tanto mais me apresso (spoudai/wj) em mandá-lo, para que, vendo-o novamente, vos alegreis, e eu tenha menos tristeza” (Fp 2.27-28).
4) Paulo descreve a amizade benfazeja de Onesíforo, quem o procurou solicitamente quando muitos de seus amigos o haviam abandonado:
Estás ciente de que todos os da Ásia me abandonaram; dentre eles cito Fígelo e Hermógenes. Conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente (spoudai/wj) até me encontrar. O Senhor lhe conceda, naquele Dia, achar misericórdia da parte do Senhor. E tu sabes, melhor do que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso. (2Tm 1.15-18).
5) Paulo ao enviar Tito a Corinto com o propósito de providenciar as ofertas para os pobres da Judéia, assim se refere ao “cuidado”, “diligência” e “solicitude” das igrejas de Macedônia, de Corinto e do próprio Tito:
Como, porém, em tudo, manifestais superabundância, tanto na fé e na palavra como no saber, e em todo cuidado, (spoudh/) e em nosso amor para convosco, assim também abundeis nesta graça. Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência (spoudh/) de outros, a sinceridade do vosso amor; pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos. (…) Mas graças a Deus, que pôs no coração de Tito a mesma solicitude (spoudh/) por amor de vós (2Co 8.7,8,9,16).[2]
6) Paulo pede a Tito que encaminhe Zenas e a Apolo, orientando-o para que nada falte àqueles irmãos: “Encaminha (Prope/mpw)[3] com diligência (spoudai/wj) Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, a fim de que não lhes falte coisa alguma” (Tt 3.13).
Aliás, esta era uma característica costumeira em Tito, o zelo e cuidado com os irmãos (2Co 8.16-17). O encaminhar significa mais do que mostrar o caminho, ou colocar na direção correta, antes, suprir as necessidades de alguém para a jornada que tem pela frente.
7) Ainda falando sobre diversos deveres da vida cristã e, em especial, descrevendo a fraternidade cristã, Paulo recomenda: “No zelo (spoudh/), não sejais remissos (o)knhro/j = negligentes); sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12.11). (Ver: 2Co 8.7-8). A prontidão em socorrer os nossos irmãos revela a nossa unidade.
Retomando o texto de Efésios, vemos que Paulo usa esta palavra para se referir ao esforço como o qual devemos nos empenhar por preservar a unidade do Espírito na Igreja. Stott (1921-2011) chamou-me a atenção para as palavras de Markus Barth (1915-1994) ao comentar essa passagem:
Dificilmente se pode traduzir com exatidão a urgência contida no verbo grego subjacente. Não somente pressa e paixão, como também um esforço total do homem integral está em mira, envolvendo a sua vontade, o seu sentimento, a sua razão, a sua força física, e a sua atitude total. O modo imperativo do particípio que se acha no texto grego exclui a passividade, o quietismo, uma atitude de ‘vamos ver como fica’, ou uma diligência temperada por uma velocidade bem deliberada. A iniciativa é sua! Faça-o agora! Seja sincero! Você deve fazê-lo! Estou sendo sério! Estas são as implicações do versículo 3.[4]
Maringá, 13 de maio de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Leia esta série completa aqui.
[1]A única possível exceção está em At 22.18; todavia, talvez possamos interpretar o texto, entendendo o prazer de Deus em preservar a vida de Saulo, que seria o Seu instrumento especial na proclamação do Evangelho (Cf. At 9.15).
[2]Paulo relembrando o seu encontro com os apóstolos, diz: “Quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão; recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei (Spouda/zw) por fazer” (Gl 2.9-10).
[3]Prope/mpw * At 15.3; 20.38; 21.5; Rm 15.24; 1Co 16.6,11; 2Co 1.16; Tt 3.13; 3Jo 6.
[4] Markus Barth, Ephesians, Garden City, New York: Doubleday & Company, (The Anchor Bible), 1974, v. 2, p. 428.