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Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (42) - Hermisten Maia

Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (42)

10.1.4. Suportando em amor (Ef 4.2)

1) O suportar

 

Paulo continua dizendo como deve ser o andar do cristão. Agora ele emprega uma palavra que é traduzida por “suportar”. A)ne/xomai aparece 15 vezes no Novo Testamento, sendo traduzida por: “Sofrer” (Mt 17.17 = Mc 9.19; Lc 9.41); “atender” (At 18.14); “suportar” (1Co 4.12; 2Co 11.1; Ef 4.2; Cl 3.13; 2Ts 1.4; 2Tm 4.3; Hb 13.22); “tolerar” (2Co 11.4,19,20). Na LXX este verbo não ocorre. No entanto, a)))ne/xw é empregada umas 11 vezes, sendo traduzida por: conter (Is 42.14; 64.12); carregar (Is 46.4), deter (Is 63.15) e reter (Am 4.7; Ag 1.10).

 

Originalmente, a palavra estava associada à ideia de manter-se ereto, erguido; daí o sentido de suportar de “cabeça erguida”. Dentro da recomendação paulina, surgem algumas questões: Suportar seria uma virtude em si? O que devemos suportar? Analisemos as palavras em seu emprego nas Escrituras.

 

1) Preliminarmente, destaquemos que Deus não suporta um culto destituído de sentimento sincero, apenas formal e mecânico.

 

Ao povo de Israel, que o “adorava” apenas formalmente sem sinceridade de coração, Ele diz: Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar (a)ne/xw) iniquidade associada ao ajuntamento solene” (Is 1.13). Devemos prestar um culto agradável a Deus, com reverência e santo temor (Hb 12.28; 13.16). “Na presença divina a única coisa que se destaca é a natureza santa de Deus e o nosso próprio pecado. Humilhamo-nos e com reverência o adoramos”, escreve Lloyd-Jones.[1]

 

Portanto, Deus não se agrada de todo culto que supostamente Lhe é dirigido (Vejam-se também: Am 5.21-27/Mt 6.5; Mq 6.6-8; Ml 1.7-14; 2.13).[2] Devemos prestar um culto agradável a Deus, com reverência e santo temor (Hb 12.28; 13.16). No culto público não há lugar para frivolidade e superficialidade: Nós, pecadores, estamos, por graça, diante do Majestoso Senhor da Glória em adoração.  “Na presença divina a única coisa que se destaca é a natureza santa de Deus e o nosso próprio pecado.  Humilhamo-nos e com reverência o adoramos”, comenta Lloyd-Jones.[3] “Nada tende a produzir mais a devida reverência a Deus do que quando nos sentamos em sua presença”, afirma Calvino.[4]

 

O nosso Pai é justo (Jo 17.25). Ele não é alguém que possamos subornar com “carinhos”, “hinos”, “oferendas” ou “fervorosas orações”.  Ao povo que pensava prestar um culto meramente formal para supostamente agradar a Deus, Deus diz que o mundo é Seu e, que Ele não necessita de carne de touros e sangue de cabritos (Sl 50.8-13). Deus não tem nenhum prazer em sacrifício de animal sem o sacrifício da oração dentro do qual o coração é comprometido. A confissão de Sua Palavra sem uma vida que se coadune com Seus ensinamentos é uma abominação a Ele.  Este mesmo princípio está expresso em diversas passagens bíblicas: Sl 24.1-6; 40.7-9; 50.14,16-22; 51.16-17; Os 6.6; Mq 6.6-8, fazendo eco à 1Sm 15.22: “tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender do que a gordura de carneiros” (1Sm 15.22). (Vejam-se:  Pv 21:3, Is 1:11-15).

 

Um culto que vise a apenas cumprir externamente a lei de Deus ou, obter favores de Deus, é profundamente desolador para o Senhor (Is 1.10-17; 29.13; Ml 1.10). A nossa adoração não tem nenhum valor intrínseco; por mais belo e harmonioso que seja o nosso culto, se não proceder de um coração contrito diante de Deus, de nada adiantará; Deus dele não se agradará. Deus é justo; não é subornável. “Precisamos enfatizar que orar não é um substituto para a obediência”, adverte-nos Iain Murray. [5]

 

Quando nos aproximamos de nosso Pai, devemos buscar a submissão de nossa petição à Sua justiça. Assim como não podemos pedir coisas impuras ao Deus Santo, não podemos fazer petições injustas a um Pai Justo. Davi, sentindo-se caluniado, ora a Deus: “Ouve, Senhor, a causa justa, atende ao meu clamor” (Sl 17.1). Não fazemos qualquer pedido a Deus. Pedimos aquilo que consideramos justo à luz da Sua Palavra e, mesmo assim, submetemos os nossos pedidos ao escrutínio de Deus (Sl 17.2), porque Deus vê com justiça.

 

2) Por sua vez, não devemos “suportar” os falsos mestres com seus ensinos enganosos.

 

Paulo receia isso pelos coríntios. Logo eles que eram tão críticos em relação a Paulo e tão tolerantes para com o ensino enganoso, que se constituía num “evangelho” estranho e oposto ao ensinado pelo Apóstolo. Notemos que os falsos mestres não apresentavam uma imagem de Jesus corrompida, mas, tentavam distorcer os seus ensinamentos:

 

Mas receio que, assim como a serpente enganou (e)capata/w = desviou, seduziu, desencaminhou)[6] a Eva com a sua astúcia (panourgi/a[7] = “ardil”, “truque”, “maquinação”, “trapaça”), assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém, prega outro (a)/lloj) Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente (e(/teroj) que não tendes recebido, ou evangelho diferente (e(/teroj) que não tendes abraçado, a esse, de boa mente (kalw=j), o tolerais (a)ne/xomai). (2Co 11.3-4).

 

À frente, Paulo acusa os coríntios de estarem alegremente (“boa mente” h(de/wj),[8] com satisfação e deleite, “tolerando” os insensatos: “Porque, sendo vós sensatos, de boa mente tolerais (a)ne/xomai) os insensatos” (2Co 11.19).

 

3) Paulo vai além e diz que haverá tempo em que as pessoas procurarão mestres que lhes digam o que desejam ouvir, não suportando mais a sã doutrina. Neste sentido ele exorta a Timóteo:

 

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo (kairo/j)[9] em que não suportarão (a)ne/xomai)[10] a sã doutrina (didaskali/a); pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade (a)lh/qeia), entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito).[11] (2Tm 4.3-4).

 

Pode soar estranho mas, ao que parece, a gravidade do ensino bíblico juntamente com seriedade de suas reivindicações, fazem com que o homem não queira saber dele, preferindo uma mensagem mais “light”, que quando muito mexa com seus músculos, mas não com a sua mente e coração. Para muitas pessoas, a religião ocupa um lugar reservado para as crianças, as mulheres, os pobres, os velhos ou, quando a medicina confessa a sua impotência, aí, nesta brecha a religião pode ter algum relevo: peço ou encomendo algumas orações. O homem longe de Deus e avesso à Sua Palavra, quando possível, fabrica e molda seus mestres e, domestica os outros.

 

Na mesma linha de raciocínio, o escritor de Hebreus pede aos seus leitores que suportem aquela exortação que fizera; em outras palavras, pede que suportem a “sã doutrina”: “Rogo-vos ainda, irmãos, que suporteis (a)ne/xomai) a presente palavra de exortação; tanto mais quanto vos escrevi resumidamente” (Hb 13.22).

 

4) Por outro lado, Paulo rendia graças a Deus pela perseverança dos tessalonicenses em meio às provações e tribulações vividas, reconhecendo neste testemunho a fidelidade daqueles irmãos:

 

Irmãos, cumpre-nos dar sempre graças a Deus no tocante a vós outros, como é justo, pois a vossa fé cresce sobremaneira, e o vosso mútuo amor de uns para com os outros vai aumentando, a tal ponto que nós mesmos nos gloriamos de vós nas igrejas de Deus, à vista da vossa constância e fé, em todas as vossas perseguições e nas tribulações que suportais (a)ne/xomai). (2Ts 1.3-4).

 

 

Maringá, 02 de maio de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1]D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, p. 72.

[2] “O tipo de Deus que agrada à maioria das pessoas hoje teria uma disposição fácil quanto à tolerância de nossas ofensas. Ele seria amável, gentil, acomodatício, e não possuiria nenhuma reação violenta. Infelizmente, até mesmo na igreja parece que perdemos a visão da majestade de Deus. Há tanta superficialidade e frivolidade entre nós. Os profetas e os salmistas provavelmente diriam de nós que não temos o temor de Deus perante nossos olhos. Na adoração pública nosso hábito é nos sentarmos de qualquer modo; não ajoelhamos hoje em dia, muito menos nos prostramos em humildade na presença de Deus. É mais provável que batamos palmas de alegria do que nos enrubesçamos de vergonha ou lágrimas. Vamos à presença de Deus a fim de reivindicar seu patrocínio e amizade; não nos ocorre que ele pode nos mandar embora” (John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Florida: Editora Vida, 1991, p. 98).

[3]D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, p. 72. “[O culto] é um tempo de adoração somente quando Deus está sendo exaltado enquanto as pessoas se humilham diante dele” (Peter White, O Pastor Mestre, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 82).

[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 66.3), p. 623.

[5] Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 26.

[6] O verbo grego (e)capata/w * Rm 7.11; 16.18; 1Co 3.18; 2Co 11.3; 2Ts 2.3; 1Tm 2.14) tem o sentido de enganar completamente, conseguindo totalmente o seu objetivo. Deste modo, Eva, segundo o texto nos diz, foi completamente enganada por Satanás. Ao ceder à tentação, ela está plenamente convencida de que o que fez é certo dentro de seus objetivos duvidosos. Daqui, podemos concluir que a certeza subjetiva não significa necessariamente a correta interpretação dos fatos.

[7] Ocorre 5 vezes no NT.: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14.

[8]h)de/wj * Mc 6.20; 12.37; 2Co 11.19. A palavra é proveniente de h(donh/, “deleite”, “prazer” (*Lc 8.14; Tt 3.3; Tg 4.1,3; 2Pe 2.13). h(donh/, de onde vem o termo “hedonista”, é sempre usada negativamente no Novo Testamento. (Ver: E. Beyreuther, Desejo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 606-608; In: G. Stählin, h)donh/: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983, v. 2, p. 909-926).

[9]A ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Vejam-se: Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Este termo que ocorre 85 vezes no NT é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes, indicando a ideia de oportunidade. Assim temos (Almeida Revista e Atualizada): Tempo e tempos: Mt 8.29; 11.25; 12.1; 13.30; 14.1; Lc 21.24; At 3.20; 17.26; “Devidos tempos”: Mt 21.41; “Tempo determinado”: Ap 11.18; “Momento oportuno”: Lc 4.13; “Tempo oportuno”: Hb 9.10; 1 Pe 5.6; Oportunidade: Lc 19.44; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15; Devido tempo: Lc 20.10; Presente: Mc 10.30; Lc 18.30; “Circunstâncias oportunas”: 1Pe 1.11; Algum tempo: Lc 8.13; Hora: Lc 8.13; 21.8; Época: Lc 12.56; At 1.7; 1 Ts 5.1 (Xro/nwn kai\ tw=n kairw=n); 1 Tm 6.15; Hb 9.9; Ocasião: Lc 13.1; 2 Ts 2.6; 1 Pe 4.17; Estações: At 14.17; Vagar: At 24.25; Avançado: Hb 11.11.

No texto que estamos analisando, Paulo está dizendo que aquelas pessoas que hoje ouvem a Palavra com interesse e avidez poderão não ouvir em outras épocas ou circunstâncias, daí a nossa responsabilidade de anunciar a Palavra de Deus e o nosso senso de urgência…

[10]A)ne/xomai aparece 15 vezes no Novo Testamento, sendo traduzida por: “Sofrer” (Mt 17.17 = Mc 9.19; Lc 9.41); “atender” (At 18.14); “suportar” (1Co 4.12; 2Co 11.1; Ef 4.2; Cl 3.13; 2Ts 1.4; 2Tm 4.3; Hb 13.22); “tolerar” (2Co 11.4,19,20). Na LXX este verbo não ocorre. No entanto, a)))ne/xw é empregada umas 11 vezes, sendo traduzida por: conter (Is 42.14; 64.12); carregar (Is 46.4), deter (Is 63.15) e reter (Am 4.7; Ag 1.10). Originalmente, a palavra estava associada à ideia de manter-se ereto, erguido; daí o sentido de suportar de “cabeça erguida”.

[11]Calvino, que define fábulas como “Aqueles contos fúteis e levianos que não têm em si nada de sólido” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.4), p. 29), adverte-nos quanto aos perigos da fé que se deixa influenciar por elas: “(A) fé saudável equivale à fé que não sofreu nenhuma corrupção proveniente de fábulas” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320). “Se porventura desejarmos conservar a fé em sua integridade, temos de aprender com toda prudência a refrear nossos sentidos para não nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar atenção às fábulas, ela perde também a integridade de sua fé” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320). “Muitas coisas são temerariamente disseminadas que não encontram fundamento na verdade; sim, nada é mais comum do que para os ouvidos dos homens encherem-se de fábulas” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3 (Sl 78.3), p. 198).

 

2 thoughts on “Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (42)

  • 11 de maio de 2019 em 09:15
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    Adoro à Deus pelo que Ele é, pelo que Ele fez e pode fazer mas, de modo nenhum para levá-lo a realuzar um desejo ou suprir uma necessidade minha.

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  • 11 de maio de 2019 em 09:17
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    Adoro à Deus mas, de modo nenhum com a intenção de conduzi-lo na Sua vontade.

    Resposta

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