Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (28)
Analisemos agora o texto:
1) Ele roga aos irmãos: (1) (parakale/w). O verbo tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).
O apelo de Paulo era frequentemente fundamentado numa questão teológica; não se amparava simplesmente em sua idoneidade ou autoridade, antes em Deus mesmo. Assim ele o faz pelas misericórdias de Deus (Rm 12.1/1Ts 2.12) e pelo Senhor Jesus (Rm 15.30; 1Co 1.10; Fp 4.2). Como cooperador de Deus exorta a que os coríntios não recebam em vão a graça de Deus (2Co 6.1); roga também pela mansidão e benignidade de Cristo (2Co 10.1).
a) No contexto de efésios, Paulo se autodesigna de “prisioneiro no Senhor” (1). A ideia aqui é dupla: Ele está preso em Cristo e, também, está encarcerado por causa do testemunho do Evangelho.[1] Neste segundo caso, vemos que o próprio Paulo apresenta em sua vida o efeito da sua exortação que se segue. Ou seja: uma vida digna diante de Deus pode levar-nos ao encarceramento e ao martírio. No capítulo 3, verso 1, ele já dissera: “Paulo, o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, os gentios”.
b) O Espírito nos consola, fortalece e ajuda em todas as nossas dificuldades, nos estimulando à ação. Ele age em nós como Jesus agiu com os Seus discípulos e ainda age por nós (Jo 14.26; 15.26/14.16; 1Jo 2.1).[2]
Mas, além de nos consolar, Ele nos desafia à luta, ao testemunho fiel de nossa fé. Lucas registra que a igreja “edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no conforto (para/klhsij) do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31). O estímulo do Espírito é por si só desafiante e consolador. Paulo nos diz que “Tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação (para/klhsij) das Escrituras, tenhamos esperança. Ora, o Deus da paciência e da consolação (para/klhsij) vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus” (Rm 15.4-5). Lembremo-nos de que foi o Espírito quem fez registrar as Escrituras (2Tm 3.16; 2Pe 20-21). Ele, como Deus que é, na inspiração das Escrituras, providenciava o nosso conforto, consolo e estímulo.
Comentando sobre a palavra empregada por Paulo, Barclay (1907-1978) extrai diversas aplicações resultantes do uso da mesma nas Escrituras e no grego secular:
Repetidas vezes achamos que parakalein é a palavra do sinal de reagrupamento; é a palavra usada dos discursos dos líderes e dos soldados que se animam mutuamente a avançarem. É a palavra usada a respeito de palavras que fazem com que soldados e marinheiros medrosos, temerosos e hesitantes entrem na batalha com coragem. Um paraklêtos é, portanto, um encorajador, uma pessoa que injeta coragem nos acovardados, que anima o braço fraco para a luta, que leva um homem muito comum a lidar heroicamente com uma situação perigosa e arriscada. (…) A palavra parakalein é a palavra para exortar os homens a ações nobres e pensamentos sublimes; é especialmente a palavra da coragem antes da batalha. A vida sempre está nos chamando para entrarmos na batalha, e Aquele que nos capacita para resistirmos as forças da oposição, para lidarmos com a vida e conquistá-la, é o paracletos, o Espírito Santo, que não é outra coisa senão a presença e o poder do Cristo ressurreto.[3]
c) O escritor de Hebreus orienta os irmãos a exortarem-se mutuamente, para que todos perseverem firmes em sua fé: “Exortai-vos (parakale/w) mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.13). “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações (parakale/w) e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25). Notemos que todos nós, irmanados na mesma fé e propósito, devemos estar comprometidos com o consolo, conforto, admoestação e estímulo aos nossos irmãos. Como família de Deus (Ef 2.19) estamos todos juntos e dependemos uns dos outros para permanecermos firmes, não desanimando. A fraternidade cristã revela-se nesta atitude cooperante. Hoje exercitamos com o nosso irmão o conforto; amanhã somos alvo dessa palavra grandiosa e necessária em nossa caminhada.
Judas escreveu com este propósito: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos (parakale/w) a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).
Maringá, 21 de abril de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] “É tanto um prisioneiro de Cristo como um prisioneiro por amor a Cristo, não somente vinculado a ele pelas correntes do amor como também detido por causa da sua lealdade ao evangelho” (John R.W. Stott, A Mensagem de Efésios, São Paulo: ABU, 1986, p. 103). “A prisão do apóstolo deve ser mais reverenciada do que todo o fausto e triunfos dos reis” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108).
[2]A palavra grega traduzida no Evangelho de João por “Consolador”, (Para/klhtoj)(Jo 14.16,26; 15.26) – que é usada unicamente por João no NT. –, é a mesma que é traduzida na Epístola de João, por “Advogado” (1Jo 2.1) (ARA, ARC, ACR, BJ). Para um estudo detalhado desta palavra, vejam-se: W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 153-158; Johannes Behm, Para/klhtoj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), v. 5, p. 800-814.
[3] William Barclay, Palavras chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 157,158.
Os apelos de Paulo sempre foram fundamentados na natureza, atributos e vontade de Deus revelado em Cristo tendo em vista a vida de desafio que vivemos.
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