Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (17)
7.1.2. O Amado e o amor incompreensível
O Seu sacrifício foi voluntário e eficaz. Não haveria outro preço que pudesse ser estipulado para que por meio de seu pagamento fôssemos libertos da escravidão. Cristo, no entanto, o fez definitivamente (Gl 1.4; Gl 2.20; 1Pe 1.18-20).[1] “Porque ele não encontrou nenhum outro pagamento que não o derramamento de seu sangue, de modo que se tornasse nosso fiador tanto no corpo quanto na alma, respondendo por nós diante do juízo divino para nos ganhar absolvição”, interpreta Calvino.[2]
Aqui nos deparamos com algo incompreensível a nós, excedendo em muito ao nosso entendimento (Ef 3.19):[3] Deus paga um altíssimo preço para nos libertar.[4] Paulo diz que fomos comprados por preço (1Co 6.20); portanto, devemos glorificar a Deus em nosso corpo. No entanto, Aquele que foi oferecido por nós, inimigos de Deus, foi o Seu próprio Filho, que é descrito por Paulo como o “Amado” (Ef 1.6). De fato, antes da criação de todas as coisas, antes da existência dos anjos ou de qualquer outra criatura, Jesus Cristo era e sempre será o “Amado”.
Jesus Cristo não faz parte de um estágio revelacional, antes, é o próprio Deus que traz a Sua palavra final: “o Verbo se fez carne” (Jo 1.14). Cessaram as antigas formas de revelação as quais apontavam para Jesus Cristo, a Palavra final de Deus (Hb 1.1-4).
A nossa eleição eterna concretiza-se em Cristo, o Amado. De fato, o amor de Deus não encontra paralelo ou analogias às quais possamos recorrer; ele transcende a todo tipo de raciocínio ou de sentimento nosso. Ele é suprarracional e suprassensorial. O amor de Deus é a matriz e a possibilidade de nosso amor.[5] O seu amor antecede ao nosso e nos capacita a amar. Há um nexo essencialmente causal entre o amor de Deus e o nosso: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). O Amado nos ama com o amor próprio de Deus do qual Ele é o beneficiário. O Seu amor é uma expressão do amor eterno do Deus Pai, sendo o Filho o alvo primeiro e especial. O desafio para nós, como objetos de amor do Amado é aprender a amar como Ele nos ama. No exercício do amor revelamos o amor do Amado em nós.
O amor é medido a partir do que ele se dispõe a dar. Deus não conhece limites em Seu santo amor (Rm 8.32).[6] O Seu único Filho eterno em Quem Se agrada, sendo Ele o Seu prazer (Mt 3.17;[7] 12.18; 17.5; 2Pe 1.17), o Pai o envia para entregar a Sua vida pelos seus inimigos para que estes fossem reconciliados consigo mesmo (Ef 2.4).[8] Este amor foge, escapa totalmente à nossa compreensão. De fato “o amor de Deus é poderoso para vencer todo tipo de dificuldade e infidelidade. O amor eleitor é, ao mesmo tempo, amor compassivo e amor perdoador”, comentam Günther e Link. [9]
Como entender, ainda que parcialmente, este amor sacrificial de Deus, capaz de dar o “Amado” pelos inimigos amados?
Entregar amados menores pelo Amado, conseguimos entender. Afinal, quem já não se desfez de algo importante, porém, de menor valor para adquirir algo mais importante para nós? Contudo, dar o Amado pelos Seus inimigos, sim, amados, porém inimigos, isto não faz sentido em nossa lógica.
De fato, não temos categorias que nos permitam compreender este mistério. O nosso consolo e alegria consistem em saber que Deus é amor e que Ele nos ama em Cristo Jesus, o Amado. Jesus Cristo é a prova mais evidente de que Deus nos ama. “Porque Deus amou (a)gapa/w) o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou (a)poste/llw) o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.16-17).[10]
Deus deu o Seu Filho não para uma profissão ou carreira militar, mas para perecer pelos seus inimigos a fim de que estes não pereçam.[11] Daí a sólida confiança de Paulo, extraindo uma lição bastante prática: “Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou….” (Rm 8.32).
Ainda que não tenhamos a pretensão de compreender exaustivamente este assunto, no próximo post analisaremos alguns aspectos que poderão ampliar, ainda que modestamente, a nossa compreensão.
São Paulo, 11 de abril de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
*Leia esta série completa aqui.
[1]“O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gl 1.4). “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, 19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, 20 conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1Pe 1.18-20).
[2] João Calvino, Sermões em Efésios, p. 88.
[3]“E conhecer o amor (a)ga/ph) de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3.19).
[4] “Tão espantoso e tão infinitamente rico é o amor de Deus por nós que jamais seremos capazes de medi-lo. Por toda a eternidade, os mistérios desse amor, infinitos em número, continuarão a ser-nos revelados” (W. Hendriksen, Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm 3.31), p. 184).
[5] “O amor que Deus nutre por nós é sem paralelo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 90.16), p. 442).
[6] “A medida do amor, humano e divino, é o quanto ele dá. Por este padrão, o amor de Deus é imensurável, porque tanto a grandeza da dádiva quanto o seu custo estão além da nossa compreensão. Todos os paralelos humanos são insuficientes; todas as comparações, inadequadas” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 137).
[7] “Eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado (a)gaphto/j), em quem me comprazo” (Mt 3.17).
[8]“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. 4 Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor (polu/j a)ga/ph) com que nos amou (a)gapa/w), 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, 6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; 7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus” (Ef 2.1-7).
[9]W. Günther; H.-G. Link, Amor: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 199.
[10] “Jo 3.16 fez a espantosa, incompreensível, impenetrável, profunda e quase incrível declaração de que o santo Deus ama soberanamente pecadores que merecem o inferno, e que os ama tanto que quis que o Seu Filho unigênito, a quem Ele ama com todo o amor do Seu coração infinito, sofresse no inferno em lugar deles!” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 18).
[11]C.H. Spurgeon, Amor Imensurável, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 7-8. “O custo do sacrifício nos persuade a respeito da grandeza do amor de Deus e garante a doação de todas as demais dádivas de forma gratuita” (Rm 8.32) (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p.19).
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