Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (16)
7. A eleição eterna e sua concretização histórica
A nossa eleição realizada na eternidade encontra o seu clímax histórico na consumação da obra de Cristo na cruz e na ressurreição. Cristo é o fundamento de nossa eleição. Como já dissemos, Deus determina os fins e os meios. O Deus que elege, atrai o Seu povo para Si, capacitando-o a responder com fé. É justamente isto que vamos estudar de forma resumida à luz do capítulo primeiro de Efésios: como a bendita eleição, que ocorreu na eternidade, se concretiza no tempo.
Uma questão sobre a qual gostaria de refletir preliminarmente é: quanto vale determinado objeto? Em circunstâncias diferentes ele teria o mesmo valor? Quanto estaríamos dispostos a pagar por uma informação? Por uma ajuda na estrada deserta com o nosso carro em pane? Para aquisição de um livro raro? Para ficarmos livres de um mal-estar que prejudica toda a nossa disposição e trabalho? Notemos que todas estas perguntas teriam respostas variadas dependendo de outros fatores, inclusive de nossos recursos e o grau de interesse que tivéssemos para resolver a questão.
Acredito que de forma análoga, gradativamente vai ficando mais claro para nós o porquê de Paulo nos estimular a bendizer a Deus. Ele passa a considerar os aspectos históricos relativos ao ato eterno de Deus em nos escolher. Ele começa a falar do preço que foi pago por esta redenção.
7.1. Redenção e remissão dos pecados (Ef 1.7)
“No qual (Jesus) temos a redenção (a)polu/trwsij) pelo seu sangue, a remissão (a)/fesij)[1] dos pecados segundo a riqueza da sua graça” (Ef 1.7).
7.1.1. A nossa antiga condição
Aqui temos de forma sumária a descrição de nossa antiga condição. Estávamos presos, dominados, escravizados. A Escritura nos fala que o pecado, comum a todos nós (Rm 3.23), nos fez cativos (Jo 8.34; Rm 6.20; 7.23[2]), habitando em nós (Rm 7.17,20),[3] mantendo-nos sob o seu domínio.
As palavras redenção e remissão retratam esta situação. A))polu/trwsij[4] significa “libertação”, “resgate”, “soltura”, “livramento”, “comprar de volta”. A ideia da palavra é de um livramento mediante o pagamento de determinado preço. Ela ocorre 10 vezes no Novo Testamento.[5] O verbo A)polu/w, que ocorre 68 vezes no NT., pode ser traduzido por “libertar” (de doenças, um prisioneiro), “perdoar”, “livrar” e “despachar” (uma assembleia, turbas, indivíduos) (Mt 5.31,32; 14.15;15.23; 27.15,17,21,26; At 19.40; 28.18,25; Hb 13.23). Em Lc 6.37 tem o sentido claro de perdoar. Como vimos, o fundamento de nossa eleição e, portanto, de nossa redenção, é o sacrifício de Cristo: “pelo seu sangue” (Ef 1.7; Ap 1.5).[6]
Jesus Cristo quando inicia o Seu Ministério terreno, lê a profecia de Isaías aplicando-a a Si, retratando a Sua missão: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação (a)/fesij) aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade (a)/fesij) os oprimidos” (Lc 4.18). Deste modo, vemos que o nosso suposto valor não está em nós, antes, é-nos conferido pelo Deus que nos ama em Cristo. Não há nada intrinsecamente em nós que nos torne merecedores do amor de Deus, antes, Deus nos amou porque este foi o Seu prazer que se manifestou em Sua determinação e graça. Portanto, acredito ser correta a advertência de Lewis (1898-1963):
O valor infinito de cada alma humana não é doutrina cristã. Deus não morreu pelos homens por algum valor que neles houvesse. O valor de cada alma humana, considerada per si, independentemente de Deus, é zero. Como escreve Paulo, morrer por homens bons seria um ato puramente heroico, não divino; mas Deus morreu por homens pecadores Ele amou-nos, não por que éramos dignos do seu amor, mas porque Ele é amor. Pode ser que ele ame a todos igualmente – com certeza, ele amou a todos até a morte – e eu não sei direito o significado da expressão: Se existe igualdade, está no seu amor, não em nós.[7]
Maringá, 11 de abril de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da costa
*Leia esta série completa aqui.
[1]O substantivo a/)fesij, significa “desobrigação”, “perdão”, “libertação”, “cancelamento”; “livrar do cativeiro” (Mt 26.28; Mc 1.4; Lc 4.18; At 2.38; Ef 1.7; Cl 1.14; Hb 9.22).
[2]“….Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). “Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos em relação à justiça” (Rm 6.20). “Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23).
[3]“Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita (oi)ke/w) em mim. (…) Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita (oi)ke/w) em mim” (Rm 7.17,20).
[4] À)po = “de”, “a partir de” & lutro/w = “libertar”, “redimir”, “resgatar”.
[5] A))polu/trwsij: *Lc 21.28; Rm 3.24; 8.23; 1Co 1.30; Ef 1.7,14; 4.30; Cl 1.14; Hb 9.15; 11.35.
[6]“E da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama (a)gapa/w), e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (Ap 1.5).
[7]C.S.Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 44.
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Ótimo estudo com profundidade teológica e aplicação prática para a compreensão do assunto.
Solicito Deo Glória