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O Ser, as pessoas e as coisas: ontologia, epistemologia e ética (8) - Hermisten Maia

O Ser, as pessoas e as coisas: ontologia, epistemologia e ética (8)

            A despeito de nossas limitações, da loucura de nossa tentativa de pensar autonomamente, Deus, o Senhor glorioso e majestoso, torna-se conhecido por nós, paradoxalmente não pelos nossos esforços, mas, porque Ele graciosamente se dá a conhecer de forma acessível à nossa capacidade.

            Conhecer a Deus pela fé[1]é se relacionar com Ele. Portanto, não é um conhecimento simplesmente a respeito de Deus, antes, é uma relação pessoal, de confiança, obediência e amor.

            Este é um conhecimento único, diferente de todos os demais conhecimentos, porque Deus é único e singular. É possível ter um conhecimento especial de algo comum, porém, conhecer a Deus é sempre especial, porque Deus é singular em sua essência, existência e revelação. Este conhecimento é iluminador e transformador; nunca mais seremos os mesmos.

            Somente Deus é o Senhor! Portanto, nunca poderemos ter um conhecimento real e, ao mesmo tempo banal de Deus. Banalidade e majestade são termos que essencialmente se excluem quando tratamos de Deus. Aliás, só há majestade em Deus e, ao mesmo tempo, não há nada de comum e banal em nosso Glorioso Senhor.

            Por isso, como temos insistido, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina, que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer. O nosso conhecimento é um ato de fé; e esta é procedente da graça.[2]

            Não somos nem  nunca seremos o padrão de verdade. Os nossos pensamentos e as nossas supostas experiências concretas, por mais nobres que sejam, não têm poder autorreferentes, se constituindo em fundamento de nossas decisões e ensino.[3] Antes, precisam sempre ser validados pela Palavra, que é a verdade (Jo 17.17).

            Insistimos: Sem a revelação de Deus pelo Espírito nós jamais o conheceríamos. “Tudo quanto diz respeito ao genuíno conhecimento de Deus constitui um dom do Espírito Santo”, declara Calvino.[4] Esse dom, associado à revelação, visa nos conduzir a Deus em alegre submissão e gratidão.[5]

            A fé, portanto, é precedida de conhecimento. Deus não exige fé em algo irracional, incrível ou sem nenhum fundamento de seu ser e promessas. O conhecimento, por graça, produz fé. Conhecimento e fé são inseparáveis. Esse conhecimento por fé nos conduz a amar a Deus. O amor a Deus nos leva a querer conhecê-lo mais e mais.

            Qualquer tentativa de analogia que pensemos em fazer para aplicar a Deus, é sempre tacanha, pobre e temerária. Por isso mesmo, a revelação de Deus sempre é uma autorrevelação consciente, majestosa e objetiva. Deus na expressão de sua natureza gloriosa, traz beleza variada e harmoniosa à Criação.

Conhecimento de servo

            Como mais um ingrediente de cautela, devemos entender que o nosso conhecimento de Deus por meio de sua revelação é um “conhecimento-de-servo” delimitado pelo próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano. O nosso conhecimento nunca se referenda por si só, com validade própria e por iniciativa nossa.[6]

            A revelação de Deus já de início nos mostra que somos criaturas e continuaremos assim. Conhecer a Deus não nos diviniza ou nos põe em um andar superior, como uma espécie de superstar quase divino revestido de uma áurea de santidade e infalibilidade. Para nossa angústia e frustração – por vezes tão intensa –, continuamos pecadores, com inclinações ao pecado e possíveis quedas.[7]

            O nosso conhecimento nunca é autorreferente com validade própria e por iniciativa nossa.[8]             Dito de outro modo: “Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”, interpretam Geisler (1932-1919) e Bocchino.[9] 

             Aliás, não podemos escapar desse fato que nos humaniza. Por isso mesmo, a realidade sempre é mais importante e complexa do que a nossa percepção e experiência. A ontologia é a determinante de nossa possibilidade epistemológica. No entanto, esta não condiciona a outra. As coisas são o que são independentemente de nossa apreensão.

            Por isso mesmo, a realidade sempre é mais importante e complexa do que a nossa experiência. A realidade possibilita a experiência e variados aprendizados, porém, a experiência não determina a realidade. Ela pode, e costumeiramente deve, nos ajudar a ver a realidade de modo diferente, de forma mais compatível com a sua natureza. Isso, sem dúvida nos conduzirá a novas experiências e novos aprendizados resultantes dos anteriores. A realidade, portanto, proporciona ensino e renovação. Quem tem olhos e ouvidos vejam, ouçam e aprendam.

            Como temos insistido, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina. O nosso conhecimento é um ato de fé, e esta é procedente da graça[10] que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer.

            Só pensamos verdadeiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, é que conhecer a Deus é algo singular, sem paralelo, porque somente Deus é soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo. E tudo isso, por meio de Jesus Cristo, o Deus encarnado,[11] a revelação pessoal de Deus.[12]

Maringá, 23 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa



[1] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[2] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[3] Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 127.

[4] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373.

[5] “O grande fim de toda revelação é inspirar um louvor humilde e reverente a Deus” (John Stott, Salmos Favoritos, São Paulo: Abba Press, 1997, p. 24).

[6]A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o Evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 68).

[7] “A verdade mais básica da Teologia é que há um Deus e Ele não é você. (…) Portanto, não fazemos Teologia como deuses ou como seres iguais a Deus, mas como criaturas. Essa verdade tem duas consequências, ambas as quais nos chamam à humildade” (Joel R. Beeke; Paul M. Smalley,  Teologia Sistemática Reformada,  São Paulo: Cultura Cristã, 2020, v. 1, p. 64).

[8]A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 68).

[9]Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50.  Da mesma maneira, veja-se: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 74ss. Calvino comenta a necessidade da revelação de Deus em Cristo. Argumenta: “Porque, visto que Deus é incompreensível, a fé poderia jamais alcançá-lo, a menos que ela tenha uma consideração imediata por Cristo. Além disso, há duas razões por que a fé poderia estar não em Deus, a não ser que Cristo interviesse como Mediador: primeiro, a grandeza da glória divina deve ser levada em conta e, ao mesmo tempo, a pequenez de nossa capacidade. Nossa acuidade sem dúvida está muito longe de ser capaz de subir tão alto a ponto de compreender a Deus. Daí, todo conhecimento de Deus sem Cristo é um vasto abismo que deglute imediatamente todos nossos pensamentos” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 53).

[10] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[11] “Toda nossa luz e conhecimento consistem (…) em conhecer a Deus na pessoa de seu Filho unigênito. Com isso, digo eu, é que devemos nos contentar” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 146-147).

[12] Vejam-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26); Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 167.

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