O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (32)
5.1.4. Deus nos concede sabedoria por meio da Palavra (Continuação)
A Igreja como baluarte da verdade
A Sagradas letras são essenciais para a nossa maturidade. A Igreja é chamada de “coluna e baluarte da verdade”, porque a ela foram confiados os oráculos de Deus (Rm 3.2/1Tm 3.15). A Igreja como baluarte da verdade está amparada no fundamento que consiste na obra de Deus realizada por intermédio de Cristo (Mt 16.18/Ef 2.20).[1] “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna (stu=loj)[2] e baluarte (* e(drai/wma) da verdade (a)lh/qeia)” (1Tm 3.14-15).
Bavinck aplica o conceito paulino:
A Igreja deve ser o pilar e o terreno da verdade (1Tm 3.15), ou seja, deve ser um pedestal e uma fundação sobre a qual a verdade seja apresentada, mantida e estabelecida contra o mundo. Quando a Igreja negligencia e se esquece do seu dever com relação à Escritura ele se torna remissa em seu dever e mina sua própria existência.[3]
Deus se dignou em preservar a verdade por meio da sua Igreja. Quando ela falha, neste propósito, ainda que a verdade não seja abalada em sua essência, ela se torna fragilizada em sua exposição e aceitação.
Paradoxalmente, o que tem faltado à Igreja é sabedoria para discernir, por intermédio da Palavra de Deus, o que está acontecendo. Muitas vezes, temos sido iludidos, enganados e espoliados espiritualmente, justamente porque nos tem faltado a meditação na Palavra de Deus, acompanhada pela oração para que Deus nos dê a compreensão dos fatos, da sua vontade para o nosso momento presente.
Deus não deseja um povo ingênuo, imaturo quanto à interpretação da realidade. Ele quer que sejamos maduros, aptos para discernir, interpretar os acontecimentos e que, sem titubear, sigamos os seus preceitos.
A sabedoria propiciada por Deus dá-nos discernimento para que possamos nos valer do que for útil em todos os conhecimentos sem nos perder em meio às suas contradições, tendo como elemento avaliador a Palavra de Deus.
A sabedoria divina oferece-nos um quadro de referência que nos conduz cada vez à gratidão a Deus por tão grandiosa bênção. Para que possamos emitir um juízo de valor é preciso ter valores e um quadro coerente de interpretação a partir de determinado valor ou de um conjunto de valores. Notemos, portanto, que pensar com clareza é uma grande bênção de Deus.[4]
Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade (Qe/lhma)dele (Deus), conhecerá (ginw/skw) a respeito da doutrina (didaxh/), se ela é de Deus” (Jo 7.17).
É necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus ou não. Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17).
A esperteza dos falsos mestres
O falso mestre é aquele que ensina a mentira, o engano: cria imagens que nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e, também, à viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo dissoluto e lascivo.[5] Por causa disso, o caminho do Evangelho seria caluniado, reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos mestres consiste numa corrupção do Evangelho. Plasto/j parece ter o sentido aqui de palavras artisticamente elaboradas, moldadas, sugestivas, porém, falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente este é o termo de onde vem a nossa palavra “plástico”.[6] O ensino cristão envolve arte, mas não “arte plástica” para com a verdade.
Nós cristãos, precisamos treinar os nossos ouvidos: “Porque o ouvido prova (!x;B’)(bahan)(examina, testa) as palavras, como o paladar, a comida” (Jó 34.3/Jó 12.11).
O caminho da sabedoria é o caminho da santidade. Se nós queremos ser santos, devemos buscar na Palavra de Deus a coragem para cumprir os seus decretos, o ânimo para não nos abatermos com as ciladas do diabo, e o discernimento e sabedoria para que possamos interpretar a Palavra de Deus, avaliando os fatos, e aplicando os princípios eternos de Deus à nossa realidade cotidiana
Meditação e santificação
O nosso meditar na Palavra tem implicações direta em nossa santificação,[7] visto que se constitui em um estímulo constante, por graça de Deus, a que cumpramos os seus mandamentos. Ao mesmo tempo, como nos adverte Calvino, a Palavra nos previne contra as armadilhas diabólicas que visam nos afastar de Deus:
Visto que Satanás está diariamente fazendo novos assaltos contra nós, é necessário que recorramos às armas, e é mediante a lei divina que somos munidos com a armadura que nos capacita a resistir. Portanto, quem quer que deseje perseverar em retidão e integridade de vida, então que aprenda a exercitar-se diariamente no estudo da Palavra de Deus; pois, sempre que alguém despreze ou negligencie a instrução, o mesmo cai facilmente em displicência e estupidez, e todo o temor de Deus se desvanece em sua mente.[8]
Portanto, o homem bem-aventurado do Salmo 1, é aquele que se agrada em meditar na Palavra, dando atenção aos mandamentos de Deus a fim de poder cumpri-los, tornando-os o modelo de sua agenda de pensar e praticar.
Maringá, 29 de novembro de 2019.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
[1] Ver: J. Blunck, Firme: In: Colin Brown, ed. ger., O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 246.
[2] * Gl 2.9; 1Tm 3.15; Ap 3.12; 10.1.
[3]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste,SP.: SOCEP., 2001, p. 129.
[4] Veja-se: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 32.
[5]A)se/lgeia ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mc 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.
[6]A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é plasto/j. A nossa palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticus), sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”.
[7]“Não podemos fazer progresso na santidade a menos que empreguemos mais tempo lendo e ouvindo a Palavra de Deus, e meditando sobre ela; pois é ela que é a verdade pela qual somos santificados” (Charles Hodge, O Caminho da Vida, New York: Sociedade Americana de Tractados, (s.d.), p. 294).
[8]João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 18.22), p. 383